- Decreto-Lei n.º 36/2018 – Diário da República n.º 98/2018, Série I de 2018-05-22
Presidência do Conselho de Ministros
Aprova um regime extraordinário relativo ao abastecimento provisório de energia elétrica a fogos integrados em núcleos de habitações precárias
«RESUMO EM LINGUAGEM CLARA (SEM VALOR LEGAL)
O que é?
Este decreto-lei define novas regras para assegurar o fornecimento excecional e provisório de eletricidade em núcleos de habitações precárias onde não exista acesso ao serviço público de eletricidade.
O que vai mudar?
Criam-se regras excecionais e temporárias para que as casas em núcleos de habitações precárias passem a ter condições para ter:
- ligação à rede pública de distribuição de eletricidade
- contratos de fornecimento de eletricidade.
Estas regras só dizem respeito ao fornecimento de eletricidade. Ou seja, não definem a quem pertencem as casas ou os terrenos nem interferem com outros direitos sobre as habitações.
As ligações à rede elétrica feitas segundo estas regras excecionais são temporárias e podem durar até um ano. Depois disso, podem ser renovadas pelas câmaras municipais, sempre por períodos de um ano.
Estas regras são temporárias e deixam de produzir efeitos cinco anos a contar da entrada em vigor deste decreto-lei.
Que casas são abrangidas por estas regras
Consideram-se núcleos de habitações precárias os conjuntos de habitações que não tenham fornecimento de energia elétrica e estejam numa destas condições:
- formem um conjunto de casas habitadas, no mesmo prédio ou em prédios seguidos
- sejam classificados como tal pela câmara municipal no prazo de um ano a contar da entrada em vigor deste decreto-lei.
Estas regras não se aplicam às construções ilegais classificadas como áreas urbanas de génese ilegal (AUGI) para as quais já tenha sido aprovado o loteamento ou um plano de pormenor.
Como se aplicam estas regras
1. As câmaras municipais identificam os núcleos de habitações precárias existentes e as famílias que vivem em cada uma das casas.
2. Trinta dias depois de identificadas as casas, a câmara municipal informa o operador da rede de distribuição (ORD) dos núcleos de habitações precárias que existem no município. Deve dizer onde fica cada núcleo e fornecer as informações necessárias para criar uma rede de distribuição de eletricidade no local.
3. No prazo de 30 dias desde que recebeu as informações sobre os núcleos de habitações precárias, o ORD indica à câmara municipal as infraestruturas necessárias para ligar aquele núcleo à rede elétrica.
4. A câmara municipal fala com os moradores e pede ao fornecedor que faça a ligação provisória do núcleo de habitações precárias à rede elétrica.
5. O ORD instala as infraestruturas necessárias para que as casas daquele núcleo passem a ter acesso à rede elétrica. Tanto a construção como os encargos são da responsabilidade do ORD.
A responsabilidade e os encargos das instalações elétricas em cada casa são dos moradores. A câmara municipal pode dar apoios a essas instalações.
6. São os moradores que têm de pedir ao ORD a ligação temporária das suas casas à rede.
7. Quando é feita a ligação à rede, é feito um contrato de fornecimento de energia elétrica para cada casa, com uma potência contratada de 6,9 kVA ou menos.
8. A ligação de uma casa à rede elétrica é desligada quando:
- a família que pediu a ligação deixar de viver nessa casa
- a situação da casa for legalizada
- a família for realojada
- o fornecedor de eletricidade acabar com o contrato de fornecimento por a família não cumprir as suas obrigações.
9. A câmara municipal e o ORD definem um projeto para quando acabar o período de ligações provisórias. Os encargos com a desmontagem da ligação provisória ou com a sua substituição por uma ligação definitiva são suportados pelo ORD.
Que vantagens traz?
Com este decreto-lei pretende-se:
- assegurar o acesso ao serviço público de eletricidade aos habitantes de bairros ou núcleos de habitações precárias
- acabar com as baixadas ilegais de eletricidade e garantir a segurança dos habitantes.
Quando entra em vigor?
Este decreto-lei entra em vigor cinco dias após a sua publicação.
«Decreto-Lei n.º 36/2018
de 22 de maio
A Resolução da Assembleia da República n.º 151/2017, de 17 de julho, recomendou ao Governo a adoção de medidas para assegurar o acesso dos habitantes de bairros ou núcleos de habitações precárias a serviços e bens essenciais, em particular aquelas que permitam assegurar a prestação do serviço público eletricidade.
A energia elétrica é um bem essencial e está sujeita a obrigações de serviço público da responsabilidade das empresas, da sociedade e do Estado. Com a efetiva implementação da tarifa social foi possível garantir o acesso ao serviço essencial de fornecimento de eletricidade a todos os consumidores economicamente vulneráveis.
Não obstante, existem ainda diversos núcleos habitacionais que carecem de acesso ao fornecimento de energia elétrica devido à irregularidade da sua situação, por serem predominantemente constituídos por edificações construídas ou utilizadas à margem dos procedimentos de controlo prévio legalmente devido. Para além da sua irregularidade, frequentemente por razões complexas, estes conjuntos são frequentemente habitados por famílias em situação de grande vulnerabilidade económica e social, desde logo quanto às más condições de segurança e salubridade, estando, designadamente, destituídos de serviços públicos essenciais como o abastecimento de água ou de eletricidade.
A exposição continuada das pessoas a tais condições de carência de serviços públicos essenciais até que tal resolução esteja concretizada, pode revelar-se intolerável. Por outro lado, é urgente corrigir a multiplicação de baixadas ilegais que nestes locais se têm verificado, a fim de garantir condições mínimas de segurança e de salvaguardar os habitantes dos graves riscos decorrentes de tais ligações.
A abordagem destes problemas concita a colaboração estreita entre o Estado, os municípios e os operadores de distribuição de energia elétrica, bem como o envolvimento e capacitação dos moradores, tendo em vista construção de soluções prioritárias com base numa definição conjunta.
Justifica-se, portanto, assegurar desde já, a título extraordinário e provisório, o fornecimento de energia elétrica aos núcleos habitacionais carentes, enquanto se desenvolve o processo de resolução das situações em causa.
Esta iniciativa singular, porém, não implica a aceitação ou consolidação de situações eventualmente controvertidas no plano jurídico, relativas à propriedade dos terrenos ou aos demais direitos envolvidos, cuja decisão se encontra constitucionalmente reservada aos tribunais.
Foi ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses e a Comissão Nacional de Proteção de Dados.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objeto
O presente decreto-lei estabelece um regime extraordinário para a criação de condições para a ligação à rede pública de distribuição de energia elétrica e para a celebração de contratos de fornecimento de eletricidade a fogos integrados em núcleos de habitações precárias.
Artigo 2.º
Âmbito
O regime extraordinário referido no artigo anterior limita-se exclusivamente ao fornecimento de energia elétrica, não regulando a posse, propriedade ou qualquer outro direito, real ou obrigacional, relativo aos bens imóveis em questão, nem constitui quaisquer direitos ou interesses legalmente protegidos nesse domínio.
Artigo 3.º
Núcleos de habitações precárias
Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por núcleo de habitações precárias aquele que, carecendo de condições para o fornecimento de energia elétrica:
a) Constitua um conjunto de fogos existentes e habitados, no mesmo prédio ou em prédios contíguos, independentemente da plena regularidade perante o quadro jurídico aplicável, designadamente o regime de urbanização e edificação;
b) Seja expressamente identificado pela câmara municipal competente como «núcleo de habitações precárias», no prazo de um ano a contar da data de entrada em vigor do presente decreto-lei.
Artigo 4.º
Áreas excluídas
O presente decreto-lei não se aplica a áreas urbanas de génese ilegal objeto da Lei n.º 91/95, de 2 de setembro, na sua redação atual, para as quais já tenha sido aprovada operação de loteamento ou plano de pormenor.
Artigo 5.º
Identificação das situações abrangidas
1 – O município identifica os núcleos de habitações precárias existentes no respetivo concelho e os agregados familiares aí residentes, para efeitos de aplicação do presente decreto-lei, mediante deliberação da câmara municipal.
2 – A câmara municipal pode recorrer aos Conselhos Locais de Ação Social (CLAS) para identificação dos agregados familiares residentes em cada um dos fogos integrados nos núcleos de habitações precárias.
3 – A identificação referida nos números anteriores não pode conter a identificação individual das pessoas que compõem o agregado familiar, limitando-se à informação relevante para o efeito.
4 – Decorridos 30 dias sobre a identificação prevista nos números anteriores, a câmara municipal comunica ao operador da rede de distribuição (ORD) de energia elétrica, por via eletrónica, os núcleos de habitações precárias existentes na área territorial do respetivo município.
5 – A comunicação referida no número anterior identifica e caracteriza o núcleo de habitações precárias e contém todos os elementos relevantes para efeitos de levantamento da rede de distribuição no local.
CAPÍTULO II
Ligação à rede e fornecimento de energia elétrica
Artigo 6.º
Pedido de informação ao operador da rede de distribuição
No prazo de 30 dias a contar da receção dos elementos referidos no artigo anterior, o ORD indica ao município quais as infraestruturas necessárias para a ligação do núcleo de habitações precárias à rede de distribuição de energia elétrica, tendo em consideração as regras de conceção adequadas a cada caso.
Artigo 7.º
Pedido de ligação do núcleo à rede de distribuição
1 – Compete ao município requerer ao ORD a ligação provisória do núcleo de habitações precárias à rede de distribuição, após audição dos moradores.
2 – A construção e os encargos com a construção das infraestruturas relativas à rede de distribuição são da responsabilidade do ORD.
Artigo 8.º
Ligação das habitações à rede de distribuição
1 – Compete aos moradores requerer ao ORD a ligação provisória das habitações identificadas à rede de distribuição.
2 – O pedido de ligação é acompanhado dos seguintes documentos e informação:
a) Identificação das habitações a ligar, da sua localização e dos respetivos beneficiários maiores de idade;
b) Termos de responsabilidade dos técnicos responsáveis pelas instalações particulares;
c) Indicação da duração prevista para a ligação.
3 – A ligação à rede é realizada, sempre que possível, por forma a possibilitar a celebração de um contrato de fornecimento de energia elétrica por habitação, com potência contratada inferior ou igual a 6,9 kVA.
4 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, caso a configuração do núcleo de habitações precárias não permita a ligação à rede de cada uma das habitações, o ORD, fundamentadamente, pode propor a criação de um ou vários pontos de entrega para alimentar e registar o consumo de todo o núcleo de habitações precárias ou de conjuntos de habitações.
5 – A responsabilidade pelos encargos com a ligação dos locais de consumo à rede de distribuição pertence aos moradores requerentes, sem prejuízo de apoio previsto em regulamento municipal.
Artigo 9.º
Duração das ligações
1 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as ligações efetuadas ao abrigo do presente decreto-lei têm caráter provisório e a duração máxima de um ano, renovável pelo município por idênticos períodos.
2 – As ligações aos fogos cessam com a respetiva desocupação, com a regularização da sua ocupação ou com o realojamento dos residentes, bem como por decisão fundamentada do ORD, em caso de incumprimento das obrigações pelos respetivos beneficiários, nos termos previstos no capítulo iv do presente decreto-lei.
Artigo 10.º
Instalações elétricas particulares
A responsabilidade e os encargos pela construção das instalações elétricas particulares do núcleo de habitações precárias pertencem aos moradores requerentes, sem prejuízo de apoio previsto em regulamento municipal.
Artigo 11.º
Desmontagem ou substituição de instalações provisórias por definitivas
1 – O município e o ORD definem o projeto a executar no termo da duração da situação provisória.
2 – Os encargos com a desmontagem da ligação provisória ou substituição desta por uma definitiva são suportados pelo ORD.
CAPÍTULO III
Contrato provisório de fornecimento de energia elétrica
Artigo 12.º
Celebração de contratos de fornecimento de energia elétrica
1 – Concluída a ligação provisória, o município notifica os moradores para procederem à celebração de contratos de fornecimento de energia elétrica, de acordo com as condições técnicas da instalação particular e com uma potência contratada inferior ou igual a 6,9 kVA.
2 – Os contratos de fornecimento de energia elétrica devem ser celebrados entre um morador do fogo, maior de idade, e o comercializador de último recurso, no prazo máximo de 60 dias, a contar da notificação prevista no número anterior.
3 – Os demais moradores do fogo podem adquirir a condição de beneficiários do contrato, mediante adesão e aceitação expressa das condições contratuais, passando a responder solidariamente com o morador contratante e podendo, em caso de omissão deste, assumir os respetivos direitos e obrigações.
4 – A alteração do titular do contrato de fornecimento de energia elétrica é feita exclusivamente a pedido do município.
Artigo 13.º
Requisitos para celebração dos contratos de fornecimento de energia elétrica
Para efeitos de celebração dos contratos provisórios, devem os moradores requerer ao município a emissão de declaração atestando que a correspondente habitação reúne os requisitos necessários ao fornecimento de energia elétrica, de acordo com a minuta aprovada pelo município.
CAPÍTULO IV
Incumprimento
Artigo 14.º
Fiscalização
Compete ao ORD a fiscalização do cumprimento das obrigações estabelecidas no presente decreto-lei em matéria de ligação, fornecimento e utilização de energia elétrica, sem prejuízo das demais competências de outras entidades, designadamente das previstas no regime jurídico da urbanização e da edificação.
Artigo 15.º
Condição de acesso aos benefícios
O ORD pode condicionar a renovação do contrato de fornecimento de energia elétrica ao cumprimento pelos beneficiários das obrigações estabelecidas no presente decreto-lei, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
Artigo 16.º
Interrupção do fornecimento de energia elétrica
O ORD pode proceder à interrupção do fornecimento de energia elétrica nos termos legais e regulamentares previstos, nomeadamente, no caso de os contratos de fornecimento de energia elétrica não serem celebrados no prazo constante do n.º 2 do artigo 12.º
CAPÍTULO V
Disposições finais
Artigo 17.º
Proteção de dados pessoais
A recolha, tratamento e armazenamento de dados pessoais efetuados ao abrigo do presente decreto-lei é feita única e exclusivamente para os fins aqui expressamente previstos e com respeito pelas regras previstas no regime jurídico de proteção de dados pessoais.
Artigo 18.º
Direito aplicável
Em tudo o que não seja contrário ao presente decreto-lei, são aplicáveis as normas gerais relativas ao controlo administrativo de operações urbanísticas, às instalações elétricas e ao fornecimento e comercialização de energia elétrica, bem como as normas gerais de direto administrativo e, no que respeita aos contratos e à responsabilidade civil dos particulares, as normas de direito civil.
Artigo 19.º
Vigência
O presente decreto-lei vigora pelo período de cinco anos a contar da sua entrada em vigor.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 26 de abril de 2018. – Augusto Ernesto Santos Silva – António Manuel Veiga dos Santos Mendonça Mendes – Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita – Manuel de Herédia Caldeira Cabral – João Pedro Soeiro de Matos Fernandes.
Promulgado em 8 de maio de 2018.
Publique-se.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Referendado em 14 de maio de 2018.
O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.»