Direitos das pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida


«Lei n.º 31/2018

de 18 de julho

Direitos das pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:

Artigo 1.º

Objeto

1 – A presente lei estabelece um conjunto de direitos das pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida, consagrando o direito a não sofrerem de forma mantida, disruptiva e desproporcionada, e prevendo medidas para a realização desses direitos.

2 – A presente lei prevê ainda um conjunto de direitos dos familiares das pessoas doentes previstas no número anterior.

Artigo 2.º

Âmbito

Para efeitos da presente lei, considera-se que uma pessoa se encontra em contexto de doença avançada e em fim de vida quando padeça de doença grave, que ameace a vida, em fase avançada, incurável e irreversível e exista prognóstico vital estimado de 6 a 12 meses.

Artigo 3.º

Direitos em matéria de informação e de tratamento

1 – As pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida, desde que nisso tenham consentido depois de informadas pelos profissionais de saúde, têm direito a receber informação detalhada sobre os seguintes aspetos relativos ao seu estado de saúde:

a) A natureza da sua doença;

b) O prognóstico estimado;

c) Os diferentes cenários clínicos e tratamentos disponíveis.

2 – As pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida têm também direito a participar ativamente no seu plano terapêutico, explicitando as medidas que desejam receber, mediante consentimento informado, podendo recusar tratamentos nos termos previstos na presente lei, sem prejuízo das competências dos profissionais de saúde.

3 – As pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida têm ainda direito a receber tratamento rigoroso dos seus sintomas, e nos casos em que seja evidente um estado confusional agudo ou a agudização de um estado prévio, à contenção química dos mesmos através do uso dos fármacos apropriados para o efeito, mediante prescrição médica.

4 – A contenção física com recurso a imobilização e restrição físicas reveste caráter excecional, não prolongado, e depende de prescrição médica e de decisão da equipa multidisciplinar que acompanha a pessoa doente.

Artigo 4.º

Obstinação terapêutica e diagnóstica

As pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida têm direito a ser tratadas de acordo com os objetivos de cuidados definidos no seu plano de tratamento, previamente discutido e acordado, e a não ser alvo de distanásia, através de obstinação terapêutica e diagnóstica, designadamente, pela aplicação de medidas que prolonguem ou agravem de modo desproporcionado o seu sofrimento, em conformidade com o previsto nos códigos deontológicos da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Enfermeiros e nos termos de normas de orientação clínica aprovadas para o efeito.

Artigo 5.º

Consentimento informado

1 – As pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida têm direito a dar o seu consentimento, contemporâneo ou antecipado, para as intervenções clínicas de que sejam alvo, desde que previamente informadas e esclarecidas pelo médico responsável e pela equipa multidisciplinar que a acompanham.

2 – O consentimento previsto no número anterior deve ser prestado por escrito, no caso de intervenções de natureza mais invasiva ou que envolvam maior risco para o bem-estar dos doentes, sendo obrigatoriamente prestado por escrito e perante duas testemunhas quando estejam em causa intervenções que possam pôr em causa as suas vidas.

3 – As pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida, desde que devidamente informadas sobre as consequências previsíveis dessa opção pelo médico responsável e pela equipa multidisciplinar que as acompanham, têm direito a recusar, nos termos da lei, o suporte artificial das funções vitais e a recusar a prestação de tratamentos não proporcionais nem adequados ao seu estado clínico e tratamentos, de qualquer natureza, que não visem exclusivamente a diminuição do sofrimento e a manutenção do conforto do doente, ou que prolonguem ou agravem esse sofrimento.

Artigo 6.º

Cuidados paliativos

1 – As pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida têm direito a receber cuidados paliativos através do Serviço Nacional de Saúde, com o âmbito e forma previstos na Lei de Bases dos Cuidados Paliativos.

2 – Considera-se ainda prestação de cuidados paliativos o apoio espiritual e o apoio religioso, caso o doente manifeste tal vontade, bem como o apoio estruturado à família, que se pode prolongar à fase do luto.

3 – Os cuidados paliativos são prestados por equipa multidisciplinar de profissionais devidamente credenciados e em ambiente hospitalar, domiciliário ou em instituições residenciais, nos termos da lei.

4 – Para os efeitos do disposto no número anterior, cabe ao médico responsável e à equipa multidisciplinar que acompanham a pessoa doente contribuir para a formação do respetivo consentimento informado, com base numa rigorosa avaliação clínica da situação no plano científico, e pela adequada ponderação dos princípios da beneficência e da não maleficência, no plano ético.

Artigo 7.º

Cuidados paliativos em ambiente domiciliário

1 – Os cuidadores informais da pessoa em contexto de doença avançada e em fim de vida que recebe cuidados paliativos em ambiente domiciliário têm direito a receber formação adequada e apoio estruturado, proporcionados pelo Estado através da articulação entre o Ministério da Saúde e o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

2 – Os profissionais de saúde devem requerer o direito ao descanso do cuidador informal da pessoa em contexto de doença avançada e em fim de vida que se encontra em ambiente domiciliário sempre que tal se justifique.

3 – Para efeitos do disposto nos n.os 1 e 2, a pessoa em contexto de doença avançada e em fim de vida tem de estar devidamente sinalizada na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e ou na Rede Nacional de Cuidados Paliativos.

4 – No âmbito dos cuidados de saúde primários, os profissionais de saúde têm a obrigação de sinalizar todos os casos de pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida que se encontrem em ambiente domiciliário sem acesso ao devido apoio estruturado e profissionalizado.

Artigo 8.º

Prognóstico vital breve

1 – As pessoas com prognóstico vital estimado em semanas ou dias, que apresentem sintomas de sofrimento não controlado pelas medidas de primeira linha previstas no n.º 1 do artigo 6.º, têm direito a receber sedação paliativa com fármacos sedativos devidamente titulados e ajustados exclusivamente ao propósito de tratamento do sofrimento, de acordo com os princípios da boa prática clínica e da leges artis.

2 – As pessoas que se encontrem na situação prevista no número anterior são alvo de monitorização clínica regular por parte de equipas de profissionais devidamente credenciados na prestação de cuidados paliativos.

3 – À pessoa em situação de últimos dias de vida, é assegurado o direito à recusa alimentar ou à prestação de determinados cuidados de higiene pessoal, respeitando, assim, o processo natural e fisiológico da sua condição clínica.

Artigo 9.º

Direitos não clínicos

São direitos das pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida, nos termos previstos na lei:

a) Realizar testamento vital e nomear procurador de cuidados de saúde;

b) Ser o único titular do direito à informação clínica relativa à sua situação de doença e tomar as medidas necessárias e convenientes à preservação da sua confidencialidade, podendo decidir com quem partilhar essa informação;

c) Dispor sobre o destino do seu corpo e órgãos, para depois da sua morte, nos termos da lei;

d) Designar familiar ou cuidador de referência que o assistam ou, quando tal se mostre impossível, designar procurador ou representante legal;

e) Receber os apoios e prestações sociais que lhes sejam devidas, a si ou à sua família, em função da situação de doença e de perda de autonomia.

Artigo 10.º

Decisões terapêuticas

1 – Caso as pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida nisso consintam, podem ser assistidas pelos seus familiares ou cuidadores na tomada das decisões sobre o seu processo terapêutico.

2 – Quando as pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida não estejam no pleno uso das suas faculdades mentais, e não se verificando o caso previsto no número anterior, é ao médico responsável e à equipa de saúde que as acompanham, que compete tomar decisões clínicas, ouvida a família, no exclusivo e melhor interesse do doente e de acordo com a vontade conhecida do mesmo.

Artigo 11.º

Discrepância de vontades ou decisões

1 – Em caso de discordância insanável entre os doentes ou seus representantes legais e os profissionais de saúde quanto às medidas a aplicar, ou entre aqueles e as entidades prestadoras quanto aos cuidados de saúde prestados, é facultado aos doentes ou aos seus representantes legais o acesso aos conselhos de ética das entidades prestadoras de cuidados de saúde.

2 – Quando a assistência seja prestada no domicílio ou em entidade que não disponha de conselho de ética é facultado aos doentes ou aos seus representantes legais o acesso aos órgãos competentes em matéria de ética da Ordem dos Médicos, da Ordem dos Enfermeiros e da Ordem dos Psicólogos.

Artigo 12.º

Disposições finais

O disposto na presente lei não prejudica a aplicação do regime jurídico sobre diretivas antecipadas de vontade em matéria de cuidados de saúde, testamento vital e nomeação de procurador de cuidados de saúde.

Aprovada em 4 de maio de 2018.

O Vice-Presidente da Assembleia da República, em substituição do Presidente da Assembleia da República, Jorge Lacão.

Promulgada em 29 de junho de 2018.

Publique-se.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Referendada em 9 de julho de 2018.

O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.»