Transparência da informação relativa à concessão de créditos de valor elevado e reforço do controlo parlamentar no acesso a informação bancária e de supervisão


«Lei n.º 15/2019

de 12 de fevereiro

Transparência da informação relativa à concessão de créditos de valor elevado e reforço do controlo parlamentar no acesso a informação bancária e de supervisão

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:

Artigo 1.º

Objeto

1 – A presente lei altera o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na sua redação atual, clarificando os poderes das comissões parlamentares de inquérito da Assembleia da República no acesso a informação bancária e de supervisão, no que concerne à documentação e informação estritamente necessárias ao cumprimento do seu objeto.

2 – A presente lei estabelece, ainda, deveres de transparência e escrutínio a que ficam sujeitas as operações de capitalização, resolução, nacionalização ou liquidação de instituições de crédito com recurso, direto ou indireto, a fundos públicos.

Artigo 2.º

Acesso a informação por comissão parlamentar de inquérito

Os artigos 79.º e 81.º do RGICSF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na sua redação atual, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 79.º

Exceções ao dever de segredo

1 – …

2 – Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados:

a) …

b) …

c) …

d) …

e) …

f) Às comissões parlamentares de inquérito da Assembleia da República, no estritamente necessário ao cumprimento do respetivo objeto, o qual inclua especificamente a investigação ou exame das ações das autoridades responsáveis pela supervisão das instituições de crédito ou pela legislação relativa a essa supervisão;

g) [Anterior alínea f).]

h) [Anterior alínea g)].

3 – …

Artigo 81.º

Cooperação com outras entidades

1 – …

2 – …:

a) …

b) …

c) …

d) …

e) …

f) …

g) As comissões parlamentares de inquérito da Assembleia da República, no estritamente necessário ao cumprimento do respetivo objeto;

h) A Assembleia da República nos estritos termos previstos em regime legal especial de transparência e escrutínio de operações de capitalização, resolução, nacionalização ou liquidação de instituições de crédito com recurso, direto ou indireto, a fundos públicos.

3 – …

4 – …

5 – …

6 – …:

a) …

b) …

c) …

d) …

e) …

f) …

g) No âmbito de inquéritos parlamentares cujo objeto inclua especificamente a investigação ou exame das ações das autoridades responsáveis pela supervisão das instituições de crédito ou pela legislação relativa a essa supervisão.

7 – …»

Artigo 3.º

Definições

1 – Para efeitos do disposto nos artigos seguintes, consideram-se:

a) «Instituição de crédito abrangida»: qualquer instituição de crédito, independentemente da natureza pública ou privada dos titulares do seu capital, que tenha sido objeto ou resultado de medida de resolução, de nacionalização, de liquidação, ou de operação de apoio à sua capitalização, com recurso a fundos públicos disponibilizados pelo Estado, ou pelo Fundo de Resolução com recurso a financiamento ou garantia prestados pelo Estado, incluindo através da aquisição ou subscrição de capital social, aquisição de ativos (operações de carve out), subscrição de instrumentos de capital contingente ou capitalização de instituições de transição;

b) «Grande posição financeira»: quaisquer direitos de crédito de qualquer tipo ou modalidade, as participações societárias ou outras formas de financiamento ou capitalização concedidos ou prestados direta ou indiretamente pela instituição de crédito abrangida aos seus clientes que, considerados individualmente ou conjuntamente para todos os créditos concedidos ao mesmo devedor ou ao grupo societário ao qual este pertence, e que no momento da decisão de disponibilização de fundos públicos, ou em qualquer dos 5 anos anteriores, cumpram cumulativamente os seguintes requisitos:

i) O respetivo montante agregado seja superior a 5 milhões de euros, desde que igual ou superior a 1 % do valor do montante total máximo de fundos públicos disponibilizados direta ou indiretamente;

ii) Se encontrem registados no balanço consolidado da instituição de crédito abrangida no momento ou em consequência da medida que envolve disponibilização dos fundos públicos, ou que tenham sido eliminados do seu balanço nos 5 anos anteriores por perdão, write off, cessão a terceiros com desconto ou medida similar;

iii) No caso de direitos de crédito, aqueles relativamente aos quais se tenha verificado um incumprimento de mais de três prestações ou uma reestruturação, e se tenha registado imparidade ou constituição de provisão pela instituição de crédito abrangida;

c) «Informação relevante», os seguintes dados e informações:

i) Sobre cada grande posição financeira:

i.i) Valor do crédito, financiamento ou garantia concedido originariamente ou da participação societária adquirida;

i.ii) Data da concessão e de eventuais reestruturações do crédito, financiamento ou garantia, ou da aquisição da participação societária;

i.iii) Valor do capital que foi reembolsado à instituição de crédito abrangida;

i.iv) Valor das perdas de capital e juros verificadas após eventual execução ou reestruturação;

i.v) Valor das perdas de capital e juros estimadas;

i.vi) Existência e tipo de garantia ou qualquer forma de colateral;

i.vii) Identificação do devedor da grande posição financeira, assim como, no caso de pessoas coletivas, dos respetivos sócios;

ii) Identificação dos membros da administração e dirigentes da instituição de crédito abrangida que participaram na decisão de concessão da grande posição financeira ou na decisão da sua eventual renovação ou reestruturação, bem como na avaliação das garantias prestadas;

iii) Identificação das ações e medidas para recuperação da grande posição financeira realizadas ou em curso, pela instituição de crédito abrangida.

2 – Em caso de aplicação de medida de resolução que envolva a alienação, segregação ou transferência totais ou parciais da atividade para terceiros, incluindo instituições de transição ou veículos de gestão de ativos, o Banco de Portugal:

a) Assegura a recolha e comunicação, nos termos dos artigos seguintes, da informação relevante sobre todas as grandes posições financeiras que existiram previamente ou na data de aplicação da medida de resolução, independentemente da sua saída do balanço da instituição de crédito abrangida por efeito das medidas de resolução;

b) Indica explicitamente, nas comunicações previstas nos artigos seguintes, e conforme cada caso concreto, a que entidade titular é imputada cada grande posição financeira.

Artigo 4.º

Transparência sobre operações de capitalização de instituições de crédito com recurso a fundos públicos

1 – No prazo de 20 dias após a data da tomada da medida ou decisão que determine a aplicação ou disponibilização direta ou indireta de fundos públicos em instituição de crédito abrangida, o Banco de Portugal publica no respetivo sítio da Internet a seguinte informação:

a) O montante total máximo de fundos públicos aplicados ou disponibilizados;

b) As condições de disponibilização, incluindo juros ou outras formas de remuneração dos fundos públicos disponibilizados;

c) O prazo máximo de reembolso dos fundos, quando aplicável.

2 – No prazo de 30 dias após a data da tomada da medida ou decisão que determine a aplicação ou disponibilização direta ou indireta de fundos públicos em instituição de crédito abrangida, o Governo manda realizar uma auditoria especial por entidade independente, por si designada sob proposta do Banco de Portugal, a expensas da instituição auditada e que abranja as seguintes categorias de atos de gestão:

a) Operações de crédito, incluindo concessão, garantias, restruturação ou perdão de dívida, dações em cumprimento ou execução de garantias, venda de carteiras de crédito ou transferência para fundos de reestruturação;

b) Decisões de investimento, expansão ou desinvestimento realizadas em Portugal ou no estrangeiro;

c) Decisões de aquisição e alienação de ativos.

3 – Nos prazos previstos nos artigos 5.º e 6.º, o Banco de Portugal publica, no respetivo sítio da Internet, um relatório com o resumo sob a forma agregada e anonimizada da informação relevante relativa às grandes posições financeiras.

Artigo 5.º

Recolha e comunicação à Assembleia da República da informação relevante

1 – O Banco de Portugal recolhe a informação relevante junto das entidades pertinentes, incluindo as instituições de crédito abrangidas, instituições resolvidas, instituições de transição, veículos de gestão de ativos e entidades adquirentes de ativos correspondentes a grandes posições financeiras.

2 – O Banco de Portugal entrega à Assembleia da República a informação relevante no prazo de 120 dias corridos da data da tomada da medida ou decisão que determine a aplicação ou disponibilização direta ou indireta de fundos públicos em instituição de crédito abrangida.

3 – No prazo de 1 ano da entrega da informação relevante à Assembleia da República prevista no número anterior, o Banco de Portugal entrega uma atualização da informação relevante.

4 – Para o cumprimento das atribuições estaduais que lhe são cometidas pelos artigos 3.º e seguintes da presente lei, o Banco de Portugal pode recolher e gerir informação e criar reportes específicos de modo autónomo e segregado relativamente às funções de supervisão prudencial e de recolha de informação estatística.

Artigo 6.º

Relatório extraordinário

No prazo de 100 dias corridos da publicação da presente a lei, o Banco de Portugal entrega à Assembleia da República um relatório extraordinário com a informação relevante relativa às instituições de crédito abrangidas em que, nos doze anos anteriores à publicação da presente lei, se tenha verificado qualquer das situações de aplicação ou disponibilização de fundos públicos previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º

Artigo 7.º

Tratamento da informação na Assembleia da República

1 – A informação relevante prevista nos artigos anteriores é entregue pelo Banco de Portugal ao Presidente da Assembleia da República, que a reencaminha de imediato à comissão parlamentar permanente competente em matéria de supervisão e regulação das atividades e instituições financeiras.

2 – Caso se encontre constituída comissão parlamentar eventual cujo objeto abranja o acompanhamento da supervisão ou do apoio do Estado à instituição de crédito abrangida, o Presidente da Assembleia da República dá também conhecimento da informação relevante a esta comissão eventual.

Artigo 8.º

Regras no acesso a informação sujeita a segredo

1 – À recolha pelo Banco de Portugal e disponibilização à Assembleia da República da informação relevante nos termos da presente lei não é oponível o segredo bancário e de supervisão previsto nos artigos 78.º e 80.º do RGICSF.

2 – O acesso pela Assembleia da República, incluindo por Deputados e pelos trabalhadores e colaboradores da Assembleia da República e dos grupos parlamentares, à informação bancária e de supervisão prevista na presente lei está, na estrita parte que se encontre abrangida por segredo bancário ou de supervisão, sujeito ao disposto nos n.os 5 e 7 do artigo 81.º do RGICSF.

3 – Na medida em que o acesso à informação referida no número anterior implique o tratamento de dados pessoais, devem ser respeitadas as disposições legais relativas à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento dos dados pessoais e à livre circulação desses dados.

4 – Cabe à Mesa da Assembleia da República ou da respetiva comissão parlamentar, conforme aplicável, velar pelo cumprimento do disposto nos n.os 2 e 3.

5 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o Banco de Portugal pode, a título meramente indicativo e em documento autónomo à comunicação da informação relevante remetida à Assembleia da República, apresentar sugestão, segundo um critério de estrita e absoluta indispensabilidade e com fundamentação especificada, de quais os dados da informação relevante comunicada que estariam eventualmente sujeitos a segredo bancário ou de supervisão.

Artigo 9.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.

Aprovada em 11 de janeiro de 2019.

O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.

Promulgada em 5 de fevereiro de 2019.

Publique-se.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Referendada em 7 de fevereiro de 2019.

O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.»