Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional – Ordem dos Médicos


«Regulamento n.º 228/2019

Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional

O direito do paciente à confidência, isto é à preservação sigilosa dos factos relacionados com o seu tratamento, constitui um dos pilares de sustentação da profissão médica e é assegurado pela Constituição da República Portuguesa (CRP) – por via da tutela do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada (artigo 26.º, n.º 1, in fine, e n.º 2 da CRP) enquanto segredo que protege informações íntimas cuja revelação é suscetível de afetar a integridade da dignidade da pessoa.

O sigilo médico representa, pois, um importantíssimo direito do doente e uma obrigação ética e deontológica do médico estando consagrado no artigo 139.º do Estatuto da Ordem dos Médicos (EOM) na versão aprovada pela Lei n.º 117/2015, de 31 de agosto e nos artigos 29.º a 38.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos (CDOM), aprovado pelo Regulamento 707/2016, publicado no DR, 2.ª série, de 21 de julho de 2016).

Nos termos do Código Deontológico o segredo médico é condição essencial ao relacionamento médico-doente, assenta no interesse moral, social, profissional e ético, que pressupõe e permite uma base de verdade e mútua confiança.

O sigilo abrange todos os factos que tenham chegado ao conhecimento do médico no exercício da sua profissão ou por causa dela e compreende os que são revelados diretamente pelo doente, por outrem a seu pedido ou por terceiro com quem tenha contactado durante a prestação de serviços ou por causa dela, bem como os que sejam apercebidos pelo médico, os que resultem do conhecimento dos meios complementares de diagnóstico e os que sejam comunicados por outro médico ou profissional de saúde.

A obrigação de guardar segredo mantém-se ainda que o serviço solicitado não tenha sido prestado ou não seja remunerado, permanecendo após a morte do doente.

A exclusão do dever de segredo só é aceitável em situações tipificadas na lei e no Código Deontológico, designadamente quando o doente tenha autorizado a revelação dos dados sujeitos a sigilo ou quando for absolutamente necessário à defesa da dignidade, da honra e dos legítimos interesses do doente, do médico ou de terceiros.

Excecionam-se do dever de segredo as situações em que o risco de vida e o perigo para a saúde ou vida terceiros seja grave e iminente podendo o médico revelar informações sigilosas às pessoas em risco nos termos do artigo 33.º do Código Deontológico.

As normas deontológicas consagram, ainda, que o médico deve tomar as providências adequadas para proteger os menores, idosos, deficientes ou pessoas particularmente indefesas sempre que verifique que são vítimas de sevícias, maus tratos ou assédio.

No quadro estatutário e deontológico da Ordem dos Médicos ressaltam situações que obrigatoriamente têm de ser sujeitas à autorização de escusa de segredo por parte do Bastonário da Ordem dos Médicos e que justificam o seu tratamento em sede regulamentar.

O presente Regulamento estabelece o procedimento de dispensa do dever de segredo prevendo a forma e requisitos de instrução do pedido, bem como a sua tramitação. São ainda enunciados os critérios para que seja concedida escusa do dever de segredo e definidas as regras de interposição de recurso sobre as decisões proferidas.

Nos termos do n.º 3 do artigo 3.º da Lei n.º 117/2015, de 31 de agosto e em cumprimento dos artigos 4.º, 9.º e alínea j) do 58.º e da alínea b) artigo 49.º todos do Estatuto da Ordem dos Médicos aprovado pelo Decreto-Lei n.º 282/77, de 5 de julho na versão da Lei n.º 117/2015, o Conselho Nacional elaborou, colocou em discussão pública e submeteu à Assembleia de Representantes que aprovou, na sua reunião de 14 de dezembro de 2018, o seguinte Regulamento:

Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional

Artigo 1.º

Regime aplicável

1 – O segredo profissional rege-se pelo preceituado nos números 1 a 5 do artigo 139.º do Estatuto da Ordem dos Médicos.

2 – Excluem-se do dever de segredo profissional os casos previstos no n.º 6 do citado artigo 139.º do Estatuto.

Artigo 2.º

Do pedido de autorização

1 – O pedido de autorização para a revelação de factos que o médico tenha tido conhecimento e sujeitos a segredo profissional, nos termos do disposto nos n.os 1, 2, 3 e 4 do artigo 139.º do Estatuto da Ordem dos Médicos, é efetuado mediante requerimento por ele subscrito e dirigido ao Bastonário da Ordem dos Médicos.

2 – A autorização para que o médico possa revelar factos abrangidos pelo segredo profissional cabe ao Bastonário da Ordem dos Médicos por força da alínea d) do artigo 44.º e da alínea b) do n.º 6 do artigo 139.º, ambos do Estatuto da Ordem dos Médicos.

3 – O Bastonário pode delegar a competência a que se refere o número anterior nos termos da alínea e) do artigo 44.º num dos membros da Comissão Permanente do Conselho Nacional.

4 – Caso o Bastonário, ou o membro delegado, se julgue impedido para proferir decisão num processo de dispensa de segredo profissional, lavrará nos autos despacho justificativo e, verificado o impedimento pela Comissão Permanente, caberá ao membro delegado ou outro que vier a ser designado pelo Bastonário exercer essa competência.

Artigo 3.º

Forma e fundamentação do pedido

1 – O requerimento referido no artigo 2.º deve identificar de modo objetivo, concreto e exato, qual o facto ou factos sobre os quais a dispensa é pretendida, conter a identificação completa do doente, vir acompanhado com os documentos necessários à apreciação do pedido, designadamente de um resumo do caso clínico e, se se tratar de pedido relativo a processo judicial ou administrativo em curso, vir, ainda, acompanhado do expediente de que o requerente tenha sido notificado.

2 – O pedido de autorização é obrigatoriamente fundamentado sob pena de rejeição liminar ou de despacho de aperfeiçoamento.

3 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, o Bastonário ou quem dele tenha delegação, poderá solicitar ao requerente, sempre que entenda necessário, a prestação de esclarecimentos complementares, bem como a junção de documento ou documentos pertinentes para a apreciação do pedido, para tanto fixará um prazo de apresentação findo o qual os autos serão decididos com os elementos neles constantes.

4 – No caso de se pretender a dispensa de segredo para o médico depor em processo em curso ou para juntar documentos a um qualquer processo, o requerimento deverá ser apresentado com antecedência em relação à data em que esteja marcada a diligência ou em que seja possível apresentar o documento, ressalvando-se situações de manifesta urgência ou excecionais, devidamente justificadas, de modo a poder ser proferida uma decisão em tempo útil.

Artigo 4.º

Da decisão

1 – A dispensa do segredo profissional tem caráter de excecionalidade.

2 – A autorização para revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, apenas é permitida quando seja inequivocamente necessária para a defesa da dignidade, da honra e dos legítimos interesses do próprio médico, do doente ou de terceiros.

3 – A decisão do Bastonário, ou daquele em quem tenha sido delegada a competência, aferirá da essencialidade, atualidade, exclusividade e imprescindibilidade do meio de prova sujeito a segredo, considerando e apreciando livremente os elementos de facto trazidos aos autos pelo requerente da dispensa.

Artigo 5.º

Efeitos da decisão

1 – A decisão que negue autorização para dispensa de segredo é vinculativa, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

2 – A decisão de deferimento da dispensa de segredo profissional é irrecorrível.

3 – O médico autorizado a revelar facto ou factos sujeitos a segredo profissional pode optar por mantê-lo, em respeito e obediência ao princípio da independência e da reserva.

Artigo 6.º

Da admissibilidade e efeitos do recurso

1 – Da decisão de indeferimento de dispensa de segredo profissional cabe recurso para o Conselho Superior.

2 – Apenas o requerente de dispensa de segredo profissional tem legitimidade para interpor o recurso previsto no número anterior.

Artigo 7.º

Prazo e forma de interposição do recurso

1 – O prazo para interposição de recurso é de quinze dias úteis a contar da notificação da decisão de indeferimento.

2 – O requerimento de interposição de recurso é sempre motivado, sob pena de não admissão do mesmo.

3 – Assiste ao Bastonário a faculdade de suprir nulidades, de proceder à retificação de erros materiais e, bem assim, de reparar o recurso, alterando o sentido da decisão recorrida.

4 – Interposto o recurso, o Bastonário notifica, em alternativa, o recorrente da:

a) Não admissão do recurso por falta de fundamentação;

b) Decisão proferida ao abrigo da faculdade prevista no n.º 3;

c) Admissão e subida do recurso para o Conselho Superior.

Artigo 8.º

Da subida do recurso

1 – Recebido o recurso pelo Conselho Superior são os autos distribuídos ao vogal desse Conselho que não esteja impedido de o apreciar.

2 – O Conselho Superior não está vinculado à admissão do recurso, podendo decidir pela sua não admissão com fundamento em extemporaneidade, falta de legitimidade do recorrente ou inadmissibilidade material do recurso.

3 – O Conselho Superior poderá pedir esclarecimentos ao recorrente e ordenar a junção de documento ou documentos que entenda pertinentes, fixando um prazo para o efeito.

4 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, no recurso não serão atendidos factos que não tenham sido objeto de apreciação pelo Bastonário, exceto se os mesmos forem supervenientes.

5 – O Conselho Superior poderá, ainda, fazer baixar os autos ao Bastonário, para suprir alguma nulidade que entenda ter sido praticada.

Artigo 9.º

Prazos de decisão

1 – No pedido de dispensa de segredo deverá ser proferida decisão em prazo que não exceda dez dias úteis a contar da data da sua entrada nos serviços de secretariado do Bastonário.

2 – A decisão do recurso deverá ser proferida em prazo igual ao estipulado no número anterior, a contar da data da sua distribuição no Conselho Superior.

3 – Os prazos estipulados nos números anteriores suspendem-se sempre que sejam pedidos esclarecimentos ou ordenada a junção de documentos, nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 3.º e do n.º 4 do artigo 8.º, do presente regulamento, pelo período fixado para esse efeito.

4 – Por razões de especial complexidade dos autos pode a decisão ser proferida em prazo alargado e desse facto deverá ser lavrado despacho justificativo.

Artigo 10.º

Casos Omissos

Os casos omissos e as dúvidas suscitadas na aplicação do presente Regulamento serão resolvidos pelo Conselho Superior nos termos da alínea k) do artigo 63.º do Estatuto da Ordem dos Médicos.

6 de fevereiro de 2019. – O Bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães.»