- Resolução do Conselho de Ministros n.º 112/2020 – Diário da República n.º 245/2020, Série I de 2020-12-18Presidência do Conselho de Ministros
Aprova a Estratégia Nacional para os Direitos da Criança para o período 2021-2024
«Resolução do Conselho de Ministros n.º 112/2020
Sumário: Aprova a Estratégia Nacional para os Direitos da Criança para o período 2021-2024.
O Programa do XXII Governo Constitucional reconhece como pilares essenciais da sua ação política a necessidade de aumentar o rendimento disponível das famílias, a aposta numa maior coesão económica e social e a defesa do Estado social com o objetivo de combater a pobreza e as desigualdades, em particular junto das crianças e dos jovens.
Contribuem para esses objetivos, desde logo, os efeitos da crise económica internacional e do programa de assistência económica e financeira que o País se viu compelido a cumprir e que tiveram como consequência, entre outras, o aumento do risco de pobreza, em particular nas crianças, intensificando as desigualdades junto desta população, particularmente vulnerável.
Consciente da absoluta necessidade de inverter aquela realidade, o Governo tem promovido um conjunto de políticas de promoção dos direitos das crianças e de apoio à qualificação e autonomização dos jovens, centradas na aposta numa educação de qualidade para todos, na promoção do sucesso escolar, no acesso aos cuidados de saúde, no reforço da proteção social das crianças e jovens, e das suas famílias, na promoção da igualdade e da não discriminação e na garantia do acesso à prática desportiva, privilegiando a ação junto dos grupos mais vulneráveis como as crianças e jovens com necessidades específicas e as minorias étnicas ou religiosas, bem como na promoção da igualdade de género.
A par da promoção de políticas nacionais, no plano internacional, Portugal é Estado-Parte nos principais instrumentos internacionais que protegem e promovem os direitos das crianças e dos jovens e que visam responder às suas necessidades específicas.
Em 1990, Portugal ratificou a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), que se constituiu como o tratado de direitos humanos com maior número de Estados-Parte no mundo, e reconhece a universalidade dos direitos da criança e jovem, bem como o compromisso de promover a sua implementação e de respeitar, proteger e garantir estes direitos a todas as crianças e jovens.
Já em 2012, Portugal aprovou a Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração e os Abusos Sexuais – instrumento fundamental na definição de normas especiais para prevenir e proteger as crianças e jovens contra a exploração sexual e os abusos sexuais.
Portugal é igualmente parte nos Protocolos Facultativos Referentes à Participação das Crianças em Conflitos Armados e à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil (ratificados em 2003), bem como no Protocolo Relativo a Um Procedimento de Comunicação (ratificado em 2013).
Neste contexto, seguindo as orientações internacionais e europeias na área da infância, nomeadamente a Recomendação da Comissão Europeia «Investir nas crianças para quebrar o ciclo vicioso da desigualdade», Portugal tem adotado políticas e programas que visam promover os direitos das crianças e jovens, a fim de garantir o seu bem-estar, diminuindo as desigualdades e melhorando as oportunidades de futuro.
Ainda no plano dos compromissos assumidos internacionalmente, o Comité dos Direitos da Criança, criado para avaliar e monitorizar o cumprimento da CDC pelos Estados-Parte, nas suas Observações Finais, emitidas na sequência do exame dos terceiro e quarto relatórios periódicos sobre a aplicação da CDC, em 2011, recomendou ao Estado Português a adoção de «uma Estratégia Nacional abrangente para a aplicação da Convenção, incluindo metas e objetivos específicos, quantificáveis e com prazos definidos, a fim de monitorizar eficazmente os progressos realizados na implementação dos direitos da criança em todo o território do Estado-Parte». Já em 2019, nas Observações Finais ao 5.º e 6.º relatórios periódicos de Portugal, o Comité dos Direitos da Criança reforçou estas recomendações.
Neste âmbito, a elaboração da Estratégia Nacional dos Direitos das Crianças 2021-2024 (ENDC 2021-2024) teve por base os documentos de referência e as orientações internacionais aplicáveis, bem como a resolução da Assembleia Geral da ONU, intitulada «Transformando o nosso mundo: A Agenda 2030 para um Desenvolvimento Sustentável», cujos objetivos de desenvolvimento sustentável estão em consonância com os objetivos definidos na Convenção sobre os Direitos da Criança.
Por outro lado, no âmbito da implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) foi levada a cabo uma avaliação da situação das crianças e jovens face aos seus direitos em Portugal, nos domínios da proteção social, bem-estar familiar, saúde integral, educação inclusiva e equitativa, acesso à justiça e participação e exercício da cidadania.
A ENDC 2021-2024 teve ainda por base uma metodologia participativa envolvendo, designadamente, as crianças e jovens, bem como os membros das comissões de proteção de crianças e jovens, que estarão na primeira linha na sua concretização.
Muito embora a ENDC 2021-2024 resulte de um processo maturado de articulação entre as diversas áreas governativas, considerando as idiossincrasias do contexto pandémico que atravessamos e que teve início logo após o período de consulta pública, houve necessidade de se proceder a uma adaptação global da mesma, de caráter transversal. Atenta aos novos desafios, a ENDC 2021-2024 procura fazer face ao impacto desta crise global nas crianças que, sendo as menos infetadas, são das mais afetadas.
Neste quadro, a ENDC 2021-2024 pretende, assim, contribuir para a construção das bases de um novo ciclo de planeamento em matéria de infância e juventude, traduzindo uma abordagem mais estratégica e abrangente, que reforça o papel individual dos agentes envolvidos e o compromisso coletivo de todos os setores na definição das medidas a adotar e ações a implementar. Esta abordagem sistémica pretende desenhar uma visão integrada, que permita a construção colaborativa de um futuro comum, estruturante e sustentável.
A ENDC 2021-2024 foi submetida a consulta pública.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 – Aprovar a Estratégia Nacional para os Direitos das Crianças 2021-2024 (ENDC 2021-2024), que consta do anexo i à presente resolução e da qual faz parte integrante.
2 – Criar uma comissão interministerial (CI) que assegure a definição, articulação e execução das políticas públicas, por via da convergência de objetivos, recursos e estratégias entre os diferentes organismos com responsabilidades diretas na implementação de medidas de política e de intervenção para a promoção dos direitos das crianças e dos jovens.
3 – Designar a Comissão Nacional da Promoção dos Direitos e Proteção de Crianças e Jovens (CNPDPCJ) como entidade coordenadora da ENDC 2021-2024 e dos respetivos planos de ação, a ser coadjuvada por uma comissão técnica de acompanhamento e monitorização (CTAM) e por uma comissão consultiva (CC).
4 – Determinar que o funcionamento dos órgãos e estruturas da ENDC 2021-2024 deve ser definido em regulamento próprio a elaborar no prazo de 30 dias a contar da data de produção de efeitos da presente resolução.
5 – Determinar que a CI é composta por um representante de cada área do Governo, sendo presidida pelo membro do Governo responsável pela área do trabalho, solidariedade e segurança social.
6 – Determinar que a CNPDPCJ assegura o apoio logístico e administrativo, necessário ao desenvolvimento das competências da CI.
7 – Determinar que a CI aprova os Planos de Ação bienais propostos pela CNPDPCJ, remetendo-os para homologação do membro do Governo responsável pela área do trabalho, solidariedade e segurança social.
8 – Estabelecer que os planos de ação bienais referidos no número anterior devem conter os eixos, objetivos estratégicos e operacionais definidos na ENDC 2021-2024 associados às respetivas atividades, metas, indicadores, orçamento, calendário e entidades responsáveis e parceiras pela sua execução, nos termos do anexo ii à presente resolução e da qual faz parte integrante.
9 – Determinar que o plano de ação 2021-2022 deve ser proposto pela CNPDPCJ à CI no prazo de 90 dias a contar da data de produção de efeitos da presente resolução.
10 – Determinar que a CTAM é composta por representantes das entidades públicas e privadas referidas no ponto 4.2 do anexo i à presente resolução, podendo ser convidadas, para a sua composição, outras entidades e personalidades consideradas relevantes no âmbito da promoção dos direitos das crianças e jovens.
11 – Determinar que a CTAM coordena, por inerência, a CC, que tem por competências prestar assessoria técnica e científica, através de emissão de pareceres e recomendações sempre que solicitado pela CTAM.
12 – Estabelecer que os membros da CI, da CTAM e da CC não auferem qualquer remuneração adicional, incluindo senhas de presença e ajudas de custo, pela participação em reuniões ou trabalhos.
13 – Determinar que compete a cada área do Governo envolvida na execução das ações e atividades que integram a ENDC 2021-2024 assumir as responsabilidades pelos encargos resultantes das mesmas.
14 – Determinar que as verbas a imputar à execução da ENDC 2021-2024 estão limitadas pelo enquadramento orçamental dos serviços e organismos responsáveis pela sua execução.
15 – Estabelecer que a presente resolução produz efeitos a partir do dia seguinte ao da sua aprovação.
Presidência do Conselho de Ministros, 27 de novembro de 2020. – O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.
ANEXO I
(a que se refere o n.º 1)
Estratégia Nacional para os Direitos da Criança 2021-2024
1 – Visão
Consolidar uma abordagem estratégica e holística, assente num compromisso coletivo de definição de uma visão integrada, que permita a construção colaborativa de um futuro comum, estruturante e sustentável em prol da proteção e promoção dos direitos das crianças e dos jovens.
2 – Enquadramento
A proteção das crianças e jovens tem sido uma preocupação crescente em todos os países do mundo ao longo dos séculos xx e xxi, tendo sido criados numerosos mecanismos e instrumentos jurídicos de proteção e promoção dos respetivos direitos, a nível nacional e internacional.
Atualmente, destaca-se o trabalho desenvolvido em diversas áreas relacionadas com a promoção e proteção dos direitos da criança, por organizações como as Nações Unidas (ONU), Organização Internacional do Trabalho (OIT), Conselho da Europa (CdE), Comissão Europeia e Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
Os principais instrumentos internacionais de direitos humanos – como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), os Pactos Internacionais sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos – aplicam-se, indistintamente, a adultos e crianças e incluem disposições específicas dedicadas a estas últimas.
No entanto, têm-se também multiplicado os instrumentos internacionais, de âmbito universal ou regional, aplicáveis às crianças e jovens e pensados para responder às suas necessidades específicas.
A Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), adotada em 1989 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, sendo o Tratado de direitos humanos com maior número de Estados-Parte no mundo, constitui atualmente o parâmetro universal de promoção e proteção dos direitos da criança.
Portugal ratificou a CDC em 1990, reconhecendo assim a universalidade dos direitos da criança e assumindo o compromisso de promover a sua implementação e de respeitar, proteger e garantir estes direitos a todas as crianças sujeitas à sua jurisdição. Por outro lado, Portugal pertence ao grupo dos 33 Estados-Membros das Nações Unidas que são, simultaneamente, Parte na CDC e em todos os seus Protocolos Facultativos, nomeadamente os Referentes à Participação das Crianças em Conflitos Armados e à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil (ratificados em 2003 por Portugal), e a Um Procedimento de Comunicação (ratificado por Portugal em 2013). Ser Estado-Parte nos referidos instrumentos implica a obrigação de apresentação de relatórios periódicos sobre as medidas adotadas pelo Estado português para dar cumprimento às obrigações impostas por aqueles, sendo que, para avaliar e monitorizar o cumprimento da CDC pelos Estados-Parte, foi criado o Comité dos Direitos da Criança.
Neste âmbito, em fevereiro de 2013, a Comissão Europeia emitiu a Recomendação 2013/112/UE, intitulada «Investir nas crianças para quebrar o ciclo vicioso da desigualdade», na qual recomenda aos Estados-Membros o desenvolvimento de estratégias integradas que garantam a segurança material das crianças e promovam a igualdade de oportunidades, na perspetiva do respeito, proteção e aplicação dos direitos da criança, nomeadamente os consagrados no Tratado da União Europeia, Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas.
Por seu turno, em março de 2016, o Conselho da Europa adotou a Estratégia do Conselho da Europa para os Direitos da Criança (2016-2021), tendo por base os quatro princípios consagrados na CDC: não discriminação, interesse superior da criança, direito da criança à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento e respeito pelas opiniões da criança, com as seguintes prioridades para todas as crianças: 1) igualdade de oportunidades; 2) participação; 3) vida livre de violência; 4) justiça amiga das crianças, e 5) direitos da criança no ambiente digital.
Importa ainda fazer referência às Diretrizes da UE para a Promoção e Proteção dos Direitos da Criança, que apelam aos Estados-Membros para a elaboração e implementação de documentos, planos e estratégias nacionais claros e baseados nos direitos, desenvolvidos com base em processos de consulta pública que incluem as crianças e jovens. As estratégias nacionais devem, por isso, prestar particular atenção aos grupos de crianças e jovens marginalizados e em situações de vulnerabilidade, com uma atenção específica às questões de género, bem como à situação de exclusão social de crianças migrantes e descendentes e crianças ciganas.
No Programa da UE relativo aos Direitos da Criança destaca-se no âmbito da implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais a apresentação de uma recomendação que instituirá uma garantia para a infância com o objetivo de garantir que todas as crianças na Europa em risco de pobreza ou de exclusão social tenham acesso aos direitos mais básicos, como os cuidados de saúde e a educação.
Nesta medida, a Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração e os Abusos Sexuais – Convenção de Lanzarote constitui um importante documento para o desenho da ENDC 2021-2024, que procurou levar a cabo ações que respondam aos seus principais objetivos, designadamente: a) prevenir e combater a exploração sexual e os abusos sexuais de crianças; b) proteger os direitos das crianças vítimas de exploração sexual e de abusos sexuais; c) promover a cooperação nacional e internacional contra a exploração sexual e os abusos sexuais de crianças.
Finalmente, importa ter em consideração as perspetivas de futuro, previstas na resolução da Assembleia Geral da ONU, intitulada «Transformando o nosso mundo: a Agenda 2030 para um Desenvolvimento Sustentável», que entrou em vigor a 1 de janeiro de 2016 e inclui os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), aprovados por unanimidade por 193 Estados-Membros.
Com a definição destes objetivos, pretende-se dar resposta às necessidades e aspirações de todas as pessoas em todos os países do mundo, sendo que muitos dos ODS estão em consonância com os objetivos definidos na CDC.
Os referidos documentos de referência e orientações, produzidos por instâncias internacionais reconhecidas, são os que mais contribuíram para a definição da Estratégia Nacional que aqui se apresenta.
Em Portugal, após o 25 de abril de 1974, a situação das crianças portuguesas foi merecendo, gradualmente, mais atenção e foi ganhando centralidade na agenda política nacional. No século xxi Portugal tem adotado políticas e programas que visam promover os direitos das crianças e jovens, a fim de garantir o seu bem-estar, diminuindo as desigualdades e melhorando as oportunidades de futuro.
O Sistema de Promoção e Proteção na Infância em Portugal começou a tomar forma com a criação das comissões de proteção de menores, no Decreto-Lei n.º 189/91 de 17 de maio, cuja concretização se baseava numa aposta na família enquanto suporte afetivo, educacional e socializador da criança, no apoio da comunidade envolvente e através de uma efetiva intervenção ao nível das políticas de família e de ação social.
Anos mais tarde, a Reforma do Direito de Menores, veio dar corpo ao atual Sistema de Promoção e Proteção na Infância, através da Lei de Proteção das Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) – Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, e da Lei Tutelar Educativa – Lei n.º 166/99, de 14 de setembro, tendo ambas entrado em vigor a 1 de janeiro de 2001.
No final da década de 90, visando a promoção dos direitos da criança e do jovem e a garantia da proteção das crianças e jovens em perigo, eram assim criadas as atuais Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, através da LPCJP.
Já em 2007, surge a Iniciativa para a Infância e Adolescência (INIA), tendo como objetivo a definição de um plano nacional de ação para a defesa da universalidade dos direitos das crianças. A INIA pretendia também honrar compromissos internacionais do Estado, nomeadamente os refletidos na CDC, e correspondentes recomendações do Comité dos Direitos da Criança, na referida Recomendação da Comissão Europeia, e no programa do Conselho da Europa, denominado «Construir uma Europa para e com as Crianças».
Subsequentemente, surgiram novos planos e iniciativas tendo como elemento central a criança, destacando-se, em maio de 2012, a criação do Grupo de Trabalho para a Agenda da Criança, com a missão de congregar as problemáticas respeitantes à criança numa agenda única, transversal aos diferentes setores, efetuando uma revisão significativa dos meios e modos de funcionamento das CPCJ, de forma a conseguir maior rapidez e transparência nos processos de adoção. Na sequência do trabalho desenvolvido por duas comissões criadas pelo Despacho n.º 1187/2014, de 24 de janeiro, a Assembleia da República aprovou, a 8 de setembro de 2015, a criação do novo Regime Geral do Processo Tutelar Cível, a alteração à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo e a alteração do Regime Jurídico do Processo de Adoção.
Na perspetiva do cumprimento dos compromissos internacionais assumidos por Portugal, para além da aplicação da CDC, avultam ainda a relação com o Comité dos Direitos da Criança e o esforço nacional para responder às Recomendações do mesmo.
Nesse âmbito, em 2011, Portugal apresentou os seus 3.º e 4.º relatórios periódicos sobre a aplicação da CDC e estes foram examinados pelo Comité dos Direitos da Criança em janeiro de 2014. Nas suas Observações Finais, emitidas na sequência do exame dos referidos relatórios, o Comité dos Direitos da Criança recomendou, designadamente, a adoção pelo Estado Português de «uma Estratégia Nacional abrangente para a aplicação da Convenção, incluindo metas e objetivos específicos, quantificáveis e com prazos definidos, a fim de monitorizar eficazmente os progressos realizados na implementação dos direitos da criança em todo o território do Estado-Parte». Já em 2019, nas suas Observações Finais aos 5.º e 6.º relatórios periódicos de Portugal, o Comité dos Direitos da Criança reforçou as referidas recomendações.
Nesse sentido, foi publicado o Decreto-Lei n.º 159/2015, de 10 de agosto, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 139/2017, de 10 de novembro, o qual sublinha que a sociedade e o Estado têm o dever especial de proteção das crianças, jovens e famílias, nos termos previstos na Constituição, bem como da promoção efetiva dos direitos da criança consagrados na CDC.
No cumprimento dos desideratos plasmados no Programa do XXI Governo Constitucional foram criados vários instrumentos no âmbito do desenvolvimento de uma ação integrada de prevenção e intervenção ao nível da promoção do desenvolvimento das competências interpessoais e de uma cultura de não-violência, desde a primeira infância, com ações de capacitação parental e o reforço da intervenção com crianças e jovens que demonstrem sinais de risco de comportamentos violentos ou de serem vítimas de violência doméstica, Resolução do Conselho de Ministros n.º 52/2019, de 6 de março, e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 139/2019, de 19 de agosto. Procedeu-se também à regulamentação dos regimes de execução das medidas de acolhimento familiar e residencial, em setembro e outubro de 2019 respetivamente.
3 – Prioridades e objetivos estratégicos
A ENDC 2021-2024 assenta em cinco áreas estratégicas, configuradas em cinco prioridades que se desenvolvem em objetivos estratégicos:
Prioridade I – Promover o bem-estar e a igualdade de oportunidades;
Prioridade II – Apoiar as famílias e a parentalidade;
Prioridade III – Promover o acesso à informação e à participação das crianças e jovens;
Prioridade IV – Prevenir e combater a violência contra crianças e jovens;
Prioridade V – Promover a produção de instrumentos e de conhecimento científico potenciadores de uma visão global dos direitos das crianças e jovens.
Prioridade I – Promover o bem-estar e a igualdade de oportunidades
A primeira prioridade da ENDC 2021-2024 configura um conjunto de medidas que se focam nas crianças e jovens em situação de maior vulnerabilidade, designadamente em razão do seu sexo, origem étnico-racial, nacionalidade, religião, orientação sexual, identidade e expressão de género, e características sexuais, que devem ser protegidas contra atos discriminatórios, num quadro de promoção da igualdade de oportunidades.
Os níveis de pobreza infantil, embora demonstrem uma tendência de redução nos últimos anos, ainda constituem um obstáculo decisivo a que muitas famílias propiciem um desenvolvimento pleno às suas crianças e jovens, com acesso à saúde, à educação, à cultura, ao desporto, ao lazer e ao bem-estar em geral.
A presente ENDC 2021-2024, através da sua primeira prioridade, assume a necessidade de intensificação dos esforços para garantir níveis de vida adequados ao desenvolvimento da criança e jovem, promover um ambiente seguro e saudável, bem como implementar respostas efetivas ao nível da saúde, designadamente da saúde mental, e da inclusão e autonomização das crianças e jovens, com o objetivo de promover a igualdade de oportunidades.
Esta prioridade é composta por 7 objetivos estratégicos (OE), que são operacionalizados por um conjunto de 18 objetivos operacionais (OO) que, por sua vez, são desenvolvidos através das atividades previstas em sede dos planos de ação bienais.
Prioridade I
Palavras-chave: Bem-estar, igualdade de oportunidades
Prioridade II – Apoiar as famílias e a parentalidade
As famílias, independentemente da forma que assumirem, constituem uma unidade fundamental da sociedade e contexto essencial para o crescimento e bem-estar da criança. A segunda prioridade da ENDC 2021-2024 refere-se à importância das crianças e jovens crescerem e se desenvolverem num meio familiar adequado e onde o exercício da parentalidade é apoiado e bem-sucedido.
As famílias, nas suas várias formas, podem passar por diversas transformações e recomposições ao longo dos tempos. Bem assim, os contextos económicos, sociais e culturais podem gerar situações de vulnerabilidade das famílias. Estes fatores tornam indispensável o desenvolvimento de uma política global e integrada de apoio às famílias.
No sentido de proteger as crianças e jovens privados de meio familiar, para além de se incentivar a desinstitucionalização e de se qualificar os equipamentos existentes adequando-os às necessidades daqueles para os quais o acolhimento residencial é necessário, pretende-se contribuir para o incremento do sistema de adoção e de apadrinhamento civil bem como e de reforçar o sistema de acolhimento familiar.
Esta prioridade é composta por dois OE, que são operacionalizados por um conjunto de sete OO que, por sua vez, são desenvolvidos através das atividades previstas em sede dos Planos de Ação Bienais.
Prioridade II
Palavras-chave: Família, parentalidade positiva, autonomia de vida
Prioridade III – Promover o acesso à informação e à participação das crianças e jovens
O Comité das Nações Unidas para os Direitos da Criança (Comentário Geral n.º 12 do CNUDC, disponível para consulta no Citius, website do Ministério da Justiça) assinala que as crianças e jovens têm o direito a ser ouvidos e a participar nas decisões que os afetam, garantindo-lhes o direito a expressar livremente as suas opiniões em todos os assuntos e decisões que lhes dizem respeito. A terceira prioridade da ENDC 2021-2024 pretende criar condições para implementar e melhorar a concretização das referidas garantias.
Em Portugal, tem-se verificado uma diminuição significativa da cultura de intervenção e participação cívica, particularmente entre os jovens. São por isso decisivas as medidas que favoreçam o acesso à informação e promovam o associativismo, a participação e a intervenção cívica das crianças e jovens.
A ENDC 2021-2024 pretende promover a informação e o conhecimento das crianças e jovens sobre os seus direitos e garantir a formação adequada aos profissionais que interagem sistematicamente com crianças e jovens no sistema de ensino, judicial, saúde e da segurança social.
Esta prioridade é composta por 2 OE, que são operacionalizados por um conjunto de 12 OO que, por sua vez, são desenvolvidos através das atividades previstas em sede dos planos de ação bienais.
Prioridade III
Palavras-chave: Participação, audição, comunicação, formação
Prioridade IV – Prevenir e combater a violência contra crianças e jovens
A quarta prioridade da ENDC 2021-2024 reporta-se à necessidade imperativa de proteger as crianças e jovens contra todas as formas de violência, física ou mental, danos ou abuso, negligência, violência contra as mulheres e violência doméstica, maus-tratos ou exploração, incluindo o abuso sexual, conforme definido em diversos tratados internacionais de que Portugal é Estado-Parte, incluindo a CDC, a Convenção de Istambul, a Estratégia do Conselho da Europa sobre os Direitos da Criança e a Convenção de Lanzarote – Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais.
As situações de violência contra as crianças e jovens, em contextos como o próprio lar, a escola ou a rua, estão espelhados em vários relatórios anuais sobre violência doméstica, ação de saúde para crianças e jovens em risco, segurança interna e o relatório de avaliação da atividade das CPCJ.
Esta prioridade pretende concretizar-se com a implementação de objetivos estratégicos e medidas no âmbito da prevenção e combate a todas as formas de violência, nos diversos contextos, nomeadamente em casa, na escola, nas diferentes comunidades que a criança e jovem frequentam e no mundo digital.
Esta prioridade é composta por 2 OE, que são operacionalizados por um conjunto de 12 objetivos operacionais OO que, por sua vez, são desenvolvidos através das atividades previstas em sede dos planos de ação bienais.
Prioridade IV
Palavras-chave: Violência, conflito com a lei
Prioridade V – Promover a produção de instrumentos e de conhecimento científico potenciadores de uma visão global dos direitos das crianças e jovens
A última prioridade da ENDC 2021-2024 refere-se à importância de aprofundar o conhecimento sobre a situação das crianças e dos jovens e reforçar a legislação nacional no sentido da promoção dos direitos das crianças, implementando uma justiça amiga das crianças.
No quadro desta prioridade, pretende-se aprofundar a conciliação da legislação nacional com os direitos das crianças consagrados na CDC e a realização de estudos de adequação da legislação nacional ao Protocolo Facultativo Relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil.
Pretende-se, igualmente, elaborar estudos sobre crianças vítimas de abuso sexual no círculo de confiança e sobre o crime de atos sexuais com adolescentes, objeto das recomendações do Comité de Lanzarote.
Neste âmbito, o Comité dos Direitos da Criança recomenda a Portugal que intensifique os seus esforços, no sentido de criar um sistema de recolha de dados sobre crianças e jovens, mais abrangente e integrado e introduza indicadores relativos aos direitos da criança.
Assim, a ENDC 2021-2024 aposta no esforço de melhoria na recolha de dados sobre a situação das crianças e jovens, com o objetivo de preencher as lacunas de informação ainda existentes e permitir aos diversos protagonistas, nas diferentes áreas e patamares de avaliação, acuidade diagnóstica e adequação decisória.
Atento este contexto, e respeitando a diversidade e especificidade territorial da Região Autónoma dos Açores e da Região Autónoma da Madeira, procedeu-se ao exercício de articulação entre as Prioridades Estratégicas Nacionais e as Prioridades definidas em sede das Estratégias das respetivas Regiões Autónomas, tendo sido definidos níveis de alinhamento diferenciados com a ENDC 2021-2024 [2021-2023]. No anexo ii apresenta-se o processo de alinhamento e os respetivos resultados.
Esta prioridade é composta por dois OE, que são operacionalizados por um conjunto de três objetivos operacionais OO que, por sua vez, são desenvolvidos através das atividades previstas em sede dos planos de ação bienais.
Prioridade V
Palavras-chave: Modelo dados, sistema de informação, conhecimento
4 – Órgãos e estruturas da ENDC
4.1 – Comissão Interministerial
A Comissão Interministerial (CI) é presidida pelo membro do Governo da área do trabalho, solidariedade e segurança social e composta por um representante de cada uma das áreas setoriais:
Negócios estrangeiros;
Presidência;
Finanças;
Administração interna;
Justiça;
Modernização do Estado e da Administração Pública,
Cultura;
Ciência, tecnologia e ensino superior;
Educação;
Trabalho, solidariedade e segurança social,
Saúde;
Coesão territorial;
A CI tem por objetivo assegurar a definição, articulação e execução das políticas públicas, por via da convergência de objetivos, recursos e estratégias entre os diferentes organismos com responsabilidades diretas na implementação de medidas de política e de intervenção para a promoção dos direitos das crianças e dos jovens.
Reúne pelo menos uma vez por ano e tem por competências: aprovar os planos de ação bienais propostos pela CNPDPCJ, que remete à área do Governo do trabalho, solidariedade e segurança social para homologação; aprovar os relatórios de avaliação anuais elaborados pela CNPDPCJ; avaliar as propostas de recomendação apresentadas pela CNPDPCJ e, no caso de aprovação, desenvolver estratégias de forma a tornar exequível a sua implementação.
4.2 – Comissão Técnica de Acompanhamento e Monitorização
A Comissão Técnica de Acompanhamento e Monitorização (CTAM) tem por objetivo promover e acompanhar o desenvolvimento da ENDC 2021-2024, garantindo a mobilização do conjunto dos intervenientes de forma a assegurar quer a implementação da ENDC, quer a monitorização e avaliação de todo o processo.
A CTAM é coordenada pela CNPDPCJ e composta pelas entidades públicas e privadas a seguir referidas, podendo ainda fazer parte da sua composição, através de convite, outras entidades ou personalidades, através de convite, que sejam consideradas uma mais-valia para o desenvolvimento das ações da ENDC:
Entidade coordenadora:
Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ);
Entidades públicas e privadas:
Representantes do Conselho Nacional (CN), na sua modalidade restrita;
Dois representantes do Conselho Nacional, na sua modalidade alargada, a designar pelos pares do CN;
Quatro crianças ou jovens representantes do Conselho Nacional de Crianças e Jovens;
Instituto da Segurança Social I. P. (ISS, I. P.);
Direção-Geral da Segurança Social (DGSS);
Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML);
Casa Pia de Lisboa, I. P. (CPL);
Alto Comissariado para as Migrações (ACM);
Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG);
Guarda Nacional Republicana (GNR);
Polícia de Segurança Pública (PSP);
Administração Central do Sistema de Saúde, I. P. (ACSS, I. P.);
Direção-Geral da Saúde (DGS);
Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE);
Instituto Português do Desporto e Juventude, I. P. (IPDJ);
Direção-Geral da Educação (DGE);
Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP);
Elemento da área da coesão territorial, em articulação com as comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR), a designar pelo membro do Governo responsável pela área governativa da coesão territorial;
Três representantes de instituições do setor social ou entidades não-governamentais com intervenção e reconhecido mérito na área de infância e juventude, a eleger pela CNPDPCJ.
A CTAM reúne, no mínimo, bimestralmente e tem por competências: elaborar os planos de ação bienais e os relatórios de avaliação anuais, sob proposta da CNPDPCJ, remetendo à Comissão Interministerial para aprovação; aprovar instrumentos e recomendações; acompanhar as atividades decorrentes da implementação dos planos de ação.
A CTAM solicita parecer à CC para apoio à tomada de decisão, sempre que considere necessário.
Por iniciativa da CTAM podem ser criados grupos de trabalho para a execução de tarefas pontuais de acordo com temáticas que necessitem de ser desenvolvidas.
4.3 – Comissão Consultiva
A CC tem por objetivo assessorar técnica e cientificamente a CTAM, é composta por entidades e/ou personalidades com trabalho de investigação reconhecido neste domínio, é coordenada, por inerência, pela coordenação da CTAM e tem por competências emitir parecer sempre que solicitado pela CTAM e emitir recomendações.
ANEXO II
(a que se refere o n.º 8)
Conteúdo dos planos bienais
Prioridade I – Promover o bem-estar e a igualdade de oportunidades
Palavras-chave: Bem-estar, igualdade de oportunidades
Prioridade II – Apoiar as famílias e a parentalidade
Palavras-chave: Família, parentalidade positiva, autonomia de vida
Prioridade III – Promover o acesso à informação e à participação das crianças e jovens
Palavras-chave: Participação, audição, comunicação, formação
Prioridade IV – Prevenir e combater a violência contra crianças e jovens
Palavras-chave: Violência, conflito com a lei
Prioridade V – Promover a produção de instrumentos e de conhecimento científico potenciadores de uma visão global dos direitos das crianças e jovens
Palavras-chave: Modelo dados, sistema de informação, conhecimento