- Regulamento n.º 613/2022 – Diário da República n.º 131/2022, Série II de 2022-07-08
Ordem dos Enfermeiros
Regulamento que define o ato do enfermeiro
«Regulamento n.º 613/2022
Sumário: Regulamento que define o ato do enfermeiro.
Regulamento que define o ato do enfermeiro
Preâmbulo
Os enfermeiros constituem, na generalidade dos sistemas de saúde, o maior número de profissionais, assumindo a enfermagem uma crescente diferenciação e relevância enquanto profissão e disciplina.
Enquanto disciplina, a evolução da enfermagem como ciência e o número crescente e diversificado de áreas de investigação a ela associadas têm contribuído para que, globalmente, os enfermeiros possuam um maior grau de diferenciação, a que corresponde um corpo científico próprio e autónomo, contribuindo para que, também na prestação de cuidados e funcionamento dos serviços de saúde, tenham um maior reconhecimento e assumam novas e mais complexas responsabilidades.
A enfermagem enquanto profissão tem evoluído no sentido de responder às progressivas necessidades de cuidados e dos diferentes contextos de atuação, assumindo uma complexificação crescente de conhecimentos, práticas e locais de trabalho, potenciando novos campos de atuação do exercício profissional autónomo do enfermeiro e do enfermeiro especialista e enquanto elemento da equipa multidisciplinar e multiprofissional de saúde.
A Base 28 da Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro, consagra o conceito de profissionais de saúde, sendo o enfermeiro o profissional legalmente habilitado para a realização de intervenções de enfermagem, nos seus diferentes domínios, incluindo a prestação de cuidados de enfermagem ao indivíduo, família, grupos populacionais e comunidade, nos três níveis de prevenção.
Na sua prática, os enfermeiros adotam uma conduta responsável e ética, atuando no respeito pela legis artis, pela deontologia e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, responsabilizando-se pelas suas decisões, pelos atos que praticam e pelas tarefas que delegam.
A enfermagem tem o seu exercício concretizado em intervenções autónomas e, ou, interdependentes, sem prejuízo da autonomia da tomada de decisão, realizadas no âmbito das qualificações profissionais legalmente exigidas e no estrito respeito pelos princípios da dignidade, autonomia e complementaridade funcional, relativamente aos demais profissionais, trabalhando em cooperação, articulação ou coordenando outros, cuja atuação seja funcionalmente interdependente ou complementar à sua.
O reconhecimento destes princípios decorre de três elementos essenciais: a) a autonomia e independência existente entre as diferentes profissões de saúde; b) a inexistência de uma relação de dependência funcional dos enfermeiros relativamente a outras profissões, e por fim, c) a distinção das competências próprias da profissão de enfermagem e o respeito pela sua autonomia técnica, conforme regulamentação e deontologia profissional próprias.
À Ordem dos Enfermeiros, compete, nos termos do previsto no regime jurídico das associações públicas profissionais e do artigo 3.º do seu Estatuto, publicado em anexo à Lei n.º 156/2015, de 16 de setembro, a defesa dos interesses gerais dos destinatários dos cuidados de enfermagem, a representação e defesa dos interesses gerais da profissão, bem como a regulação do acesso e do exercício profissional.
O exercício profissional da enfermagem encontra-se condicionado à inscrição na Ordem dos Enfermeiros, à posse de cédula profissional válida e situação regularizada, visando a evolução, a qualidade e a segurança dos cuidados de saúde prestados.
Para além do quadro normativo e regulatório, a abrangência das intervenções próprias da enfermagem, nos seus diferentes domínios e contextos, exige a sua concretização no conceito de ato do enfermeiro, contribuindo para a prossecução e salvaguarda do interesse público atribuídos à profissão.
Assim,
A Assembleia Geral da Ordem dos Enfermeiros, reunida em sessão ordinária de 21 de maio de 2022, ao abrigo do disposto nas alíneas i) e k) do artigo 19.º do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, deliberou aprovar o presente Regulamento que define o ato do enfermeiro, apresentado e aprovado pelo Conselho Diretivo, nos termos da alínea h), do n.º 1, do artigo 27.º, ouvido o Conselho de enfermagem, depois de o mesmo ter sido submetido a consulta pública pelo período de 30 dias, e após parecer do Conselho Jurisdicional, em cumprimento do vertido na alínea h), do n.º 1, do artigo 32.º, com a seguinte redação:
Regulamento que define o ato do enfermeiro
Artigo 1.º
Objeto
1 – O presente regulamento define o ato profissional próprio dos enfermeiros, sua competência, autonomia e responsabilidade.
2 – O ato do enfermeiro, independentemente do setor, contexto ou domínio em que ocorra a sua prática, apenas pode ser realizado por membros inscritos na Ordem dos Enfermeiros, nos diferentes domínios de intervenção e no interesse dos seus destinatários.
3 – O presente regulamento não prejudica a aplicação de outras disposições específicas relativas ao exercício profissional da enfermagem.
Artigo 2.º
Âmbito
O presente regulamento aplica-se aos membros regularmente inscritos na Ordem dos Enfermeiros e portadores de cédula profissional válida, às sociedades profissionais de enfermeiros e aos enfermeiros legalmente estabelecidos noutro Estado Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, em livre prestação de serviços, que se encontrem registados na Ordem dos Enfermeiros.
Artigo 3.º
Habilitação
A prática do ato do enfermeiro está condicionada à posse de habilitação validada pela Ordem dos Enfermeiros, e condicionada à emissão de cédula profissional válida, que reconheça as respetivas qualificações e competências nos termos do previsto no Estatuto desta Ordem e da regulamentação em vigor.
Artigo 4.º
Responsabilidade e autonomia
1 – O enfermeiro, no seu exercício profissional, adota uma conduta responsável, ética e deontológica, atuando com a dignidade e autonomia técnico-científica da profissão.
2 – No seu exercício profissional, o enfermeiro atua com vista à promoção da saúde, prevenção da doença, tratamento, reabilitação e reinserção social dos destinatários de cuidados.
3 – O enfermeiro é responsável pelas decisões que toma, pelos atos próprios da profissão necessários para o exercício profissional que pratica e pelas tarefas que delega.
4 – O enfermeiro, quando integrado em equipas multiprofissionais, atua em cooperação, articulação, complementaridade e, ou coordenação de outros profissionais, cuja atuação seja funcionalmente interdependente ou complementar à sua.
5 – A relação de subordinação hierárquica e dependência funcional, no exercício profissional, só existe entre enfermeiros, inexistindo em relação a qualquer outro profissional ou grupo profissional.
6 – Na sua responsabilidade individual, encontra-se vedada ao enfermeiro a participação, ou qualquer outra forma de envolvimento, em ações de formação, estágio ou acompanhamento de outros profissionais que não enfermeiros, destinadas a viabilizar a utilização de práticas, técnicas e competências próprias da profissão a profissionais não enfermeiros.
Artigo 5.º
Qualificações e competências
1 – O enfermeiro respeita as qualificações e competências reconhecidas pela Ordem dos Enfermeiros, abstendo-se de praticar atos para os quais não tenha a qualificação e as competências necessárias.
2 – O enfermeiro não pode delegar competências próprias da profissão em outros profissionais que não enfermeiros.
3 – O enfermeiro, no seu exercício profissional, pode delegar tarefas em profissional que dele seja funcionalmente dependente quando se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Tenha a habilitação necessária à execução da tarefa delegada;
b) A natureza da tarefa e a concreta situação do destinatário de cuidados o permita;
c) A tarefa delegada seja realizada sob a sua supervisão e orientação.
Artigo 6.º
Ato do enfermeiro
1 – O ato do enfermeiro consiste na avaliação diagnóstica e prognóstica, na prescrição, na execução e avaliação dos resultados das intervenções, técnicas e medidas terapêuticas de enfermagem, relativas à prevenção, promoção, manutenção, reabilitação, paliação e recuperação das pessoas, grupos ou comunidades, no respeito pelos valores éticos e deontológicos da profissão.
2 – O ato do enfermeiro compreende, ainda, toda a atividade técnico-científica inerente à gestão, investigação, docência, formação e assessoria, enquadrados no âmbito do seu exercício e quando praticados por enfermeiro.
3 – As intervenções dos enfermeiros são autónomas ou interdependentes.
4 – São autónomas as intervenções realizadas pelos enfermeiros, sob a sua única e exclusiva decisão e responsabilidade, de acordo com as respetivas qualificações profissionais, nos diferentes domínios de intervenção.
5 – São interdependentes as intervenções dos enfermeiros realizadas de acordo com as respetivas qualificações profissionais, em conjunto com outros profissionais, para atingir um objetivo comum, decorrentes de planos de ação previamente definidos pelas equipas multiprofissionais em que se encontrem integrados, cabendo-lhe, no respeito pela sua autonomia, a responsabilidade de decidir sobre a sua implementação, assegurando a continuidade de cuidados e a avaliação dos resultados, de acordo com as respetivas competências e qualificações profissionais.
6 – No domínio da prestação de cuidados, os enfermeiros, e em conformidade com o diagnóstico de enfermagem, nomeadamente:
a) Utilizam metodologia científica que inclui a identificação de necessidades em saúde e de enfermagem em especial, a recolha e apreciação de dados sobre cada situação, a formulação do diagnóstico de enfermagem, a elaboração, prescrição e execução de planos de intervenção, tratamentos, que incluem recursos adequados, a avaliação e a redefinição das intervenções implementadas;
b) Concebem, organizam, coordenam, implementam, supervisionam e avaliam as intervenções de enfermagem nos diferentes níveis de prevenção, suportadas numa interação entre os enfermeiros e o beneficiário dos cuidados (pessoa, família, grupos populacionais ou comunidade), estabelecendo, com estes, uma relação terapêutica;
c) Decidem sobre técnicas, recursos e meios de diagnóstico a utilizar no planeamento e implementação das intervenções, nos diferentes contextos, entre eles, a consulta de enfermagem, potenciando a eficiência e eficácia, criando a confiança e a participação ativa do beneficiário dos cuidados;
d) Utilizam técnicas e recursos próprios da profissão com vista à promoção, manutenção, paliação e recuperação das funções vitais, necessidades e bem-estar global em saúde, ao longo do ciclo vital, e no acompanhamento dos processos de morte e luto;
e) Participam e coordenam na dinamização das atividades inerentes à situação de saúde/doença nos diferentes contextos em que os beneficiários de cuidados se insiram, atuando na prevenção dos riscos profissionais;
f) Validam, efetuam e asseguram a administração de terapêutica aos beneficiários dos cuidados, prevendo e detetando os seus efeitos e atuando em conformidade;
g) Agem, em situações de emergência e outras, de acordo com as competências e conhecimentos que detêm, tendo como finalidade a promoção, a manutenção ou recuperação das funções vitais;
h) Colhem e validam amostras biológicas para estudo, incorporando os respetivos resultados no planeamento das intervenções;
i) Incorporam na prática clínica os múltiplos determinantes da saúde, assegurando a prevenção e gestão da doença crónica, bem como a continuidade do plano terapêutico.
j) Participam na elaboração e concretização de protocolos, normas de orientação clínica e terapêutica;
k) Procedem à capacitação do beneficiário dos cuidados, nomeadamente sobre gestão e adesão ao regime terapêutico.
l) Concebem, planeiam, executam e avaliam programas e atividades de promoção e educação em saúde, nomeadamente nas iniciativas de telessaúde;
7 – Os enfermeiros, no âmbito das suas intervenções, utilizam todas as técnicas e meios que considerem apropriados e em relação às quais reconheçam possuir o conhecimento necessário e adequado, para a prestação das melhores intervenções, tendo como referência a prática baseada na evidência, referenciando para os recursos adequados, em função das necessidades e problemas existentes.
Artigo 7.º
Liberdade de exercício
No seu exercício profissional, os enfermeiros gozam de plena liberdade e autonomia para praticar o ato próprio da profissão, podendo solicitar a disponibilização dos meios e condições que garantam o respeito pela profissão e pelo direito dos cidadãos a cuidados de enfermagem seguros e de qualidade, podendo recorrer à cooperação de entidades públicas, privadas ou sociais, sempre que isso se revele indispensável para o exercício profissional.
Artigo 8.º
Vigência
O presente regulamento entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Diário da República.
21 de maio de 2022. – A Bastonária, Ana Rita Pedroso Cavaco.»