Lei que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal

«Lei n.º 22/2023

de 25 de maio

Regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei regula as condições especiais em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal.

Artigo 2.º

Definições

Para efeitos da presente lei, considera-se:

a) «Morte medicamente assistida», a morte que ocorre por decisão da própria pessoa, em exercício do seu direito fundamental à autodeterminação e livre desenvolvimento da personalidade, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde;

b) «Suicídio medicamente assistido», a autoadministração de fármacos letais pelo próprio doente, sob supervisão médica;

c) «Eutanásia», a administração de fármacos letais pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito;

d) «Doença grave e incurável», a doença que ameaça a vida, em fase avançada e progressiva, incurável e irreversível, que origina sofrimento de grande intensidade;

e) «Lesão definitiva de gravidade extrema», a lesão grave, definitiva e amplamente incapacitante que coloca a pessoa em situação de dependência de terceiro ou de apoio tecnológico para a realização das atividades elementares da vida diária, existindo certeza ou probabilidade muito elevada de que tais limitações venham a persistir no tempo sem possibilidade de cura ou de melhoria significativa;

f) «Sofrimento de grande intensidade», o sofrimento decorrente de doença grave e incurável ou de lesão definitiva de gravidade extrema, com grande intensidade, persistente, continuado ou permanente e considerado intolerável pela própria pessoa;

g) «Médico orientador», o médico indicado pelo doente que tem a seu cargo coordenar toda a informação e assistência ao doente, sendo o interlocutor principal do mesmo durante todo o processo assistencial, sem prejuízo de outras obrigações que possam caber a outros profissionais;

h) «Médico especialista», o médico especialista na patologia que afeta o doente e que não pertence à mesma equipa do médico orientador.

Artigo 3.º

Morte medicamente assistida não punível

1 – Considera-se morte medicamente assistida não punível a que ocorre por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde.

2 – Para efeitos da presente lei, consideram-se legítimos apenas os pedidos de morte medicamente assistida apresentados por cidadãos nacionais ou legalmente residentes em território nacional.

3 – A morte medicamente assistida ocorre em conformidade com a vontade e a decisão da própria pessoa, que se encontre numa das seguintes situações:

a) Lesão definitiva de gravidade extrema;

b) Doença grave e incurável.

4 – A morte medicamente assistida pode ocorrer por:

a) Suicídio medicamente assistido;

b) Eutanásia.

5 – A morte medicamente assistida só pode ocorrer por eutanásia quando o suicídio medicamente assistido for impossível por incapacidade física do doente.

6 – O pedido subjacente à decisão prevista no n.º 1 obedece a procedimento clínico e legal, de acordo com o disposto na presente lei.

7 – O pedido pode ser livremente revogado a qualquer momento, nos termos do artigo 12.º

CAPÍTULO II

Procedimento

Artigo 4.º

Abertura do procedimento clínico

1 – O pedido de abertura do procedimento clínico de morte medicamente assistida é efetuado por pessoa que preenche os requisitos previstos no artigo anterior, doravante designada por doente, em documento escrito, datado e assinado pelo próprio, ou pela pessoa por si designada nos termos do n.º 2 do artigo 11.º, a ser integrado em registo clínico especial (RCE) criado para o efeito.

2 – O pedido é dirigido ao médico escolhido pelo doente como médico orientador.

3 – O médico orientador deve obrigatoriamente aceder ao historial clínico do doente e assumi-lo como elemento essencial do seu parecer, emitido nos termos do artigo 5.º

4 – Não são admitidos os pedidos de doentes sujeitos a processo judicial para aplicação do regime do maior acompanhado, enquanto o mesmo se encontrar pendente, sendo o procedimento de morte medicamente assistida imediatamente suspenso quando o processo judicial for instaurado posteriormente à apresentação do pedido e enquanto o mesmo decorra, independentemente da fase em que o procedimento de morte medicamente assistida se encontre.

5 – Sem prejuízo do disposto neste capítulo quanto a prazos, a concretização da morte medicamente assistida não pode ter lugar sem que decorra um período de dois meses a contar da data do pedido de abertura do procedimento.

6 – Ao doente é sempre garantido, querendo, o acesso a cuidados paliativos.

7 – Ao doente é assegurado, ao longo de todo o procedimento, o acesso a acompanhamento por parte de um especialista em psicologia clínica.

8 – Para efeitos do disposto no número anterior, no prazo de 10 dias úteis a contar do início do procedimento, o doente tem acesso a uma consulta de psicologia clínica, cuja marcação é da responsabilidade do médico orientador, de modo a garantir a compreensão plena das suas decisões, no que respeita a si próprio e àqueles que o rodeiam, mas também o esclarecimento das relações e da comunicação entre o doente e os familiares, assim como entre o doente e os profissionais de saúde que o acompanham, no sentido de minimizar a possibilidade de influências indevidas na decisão.

9 – O acompanhamento por parte de um especialista em psicologia clínica a que se referem os números anteriores é obrigatório, salvo se o doente o rejeitar expressamente.

Artigo 5.º

Parecer do médico orientador

1 – O médico orientador emite, no prazo de 20 dias úteis a contar da abertura do procedimento, parecer fundamentado sobre se o doente cumpre todos os requisitos referidos no artigo 3.º e presta-lhe toda a informação e esclarecimento sobre a situação clínica que o afeta, os tratamentos aplicáveis, viáveis e disponíveis, designadamente na área dos cuidados paliativos, e o respetivo prognóstico, após o que verifica se o doente mantém e reitera a sua vontade, devendo a decisão do doente ser registada por escrito, datada e assinada pelo próprio ou pela pessoa por si designada nos termos do n.º 2 do artigo 11.º

2 – A informação e o parecer prestados pelo médico e a declaração do doente, assinados por ambos, integram o RCE.

3 – Se o parecer do médico orientador não for favorável à morte medicamente assistida do doente, o procedimento em curso é cancelado e dado por encerrado e o doente é informado dessa decisão e dos seus fundamentos pelo médico orientador, podendo o procedimento ser reiniciado com novo pedido de abertura, nos termos do artigo 4.º

Artigo 6.º

Confirmação por médico especialista

1 – Após o parecer favorável do médico orientador, este procede à consulta de outro médico, especialista na patologia que afeta o doente, cujo parecer confirma ou não que estão reunidas as condições referidas no artigo anterior, o diagnóstico e prognóstico da situação clínica e a natureza grave e incurável da doença ou a condição definitiva e de gravidade extrema da lesão.

2 – O parecer fundamentado do médico especialista é elaborado no prazo de 15 dias úteis, por escrito, datado e assinado pelo próprio e integra o RCE.

3 – Se o parecer do médico especialista não for favorável à morte medicamente assistida do doente, o procedimento em curso é cancelado e dado por encerrado e o doente é informado dessa decisão e dos seus fundamentos pelo médico orientador, podendo o procedimento ser reiniciado com novo pedido de abertura, nos termos do artigo 4.º

4 – No caso de parecer favorável do médico especialista, o médico orientador informa o doente do conteúdo daquele parecer, após o que verifica novamente se o doente mantém e reitera a sua vontade, devendo a decisão do doente ser registada por escrito, datada e assinada pelo próprio ou pela pessoa por si designada nos termos do n.º 2 do artigo 11.º e, juntamente com o parecer ou pareceres alternativos emitidos pelo médico ou médicos especialistas, integrar o RCE.

5 – Caso o doente padeça de mais do que uma lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, o médico orientador decide qual a especialidade médica a consultar.

Artigo 7.º

Confirmação por médico especialista em psiquiatria

1 – É obrigatório o parecer de um médico especialista em psiquiatria, sempre que ocorra uma das seguintes situações:

a) O médico orientador e ou o médico especialista tenham dúvidas sobre a capacidade da pessoa para solicitar a morte medicamente assistida revelando uma vontade séria, livre e esclarecida;

b) O médico orientador e ou o médico especialista admitam que a pessoa seja portadora de perturbação psíquica ou condição médica que afete a sua capacidade de tomar decisões.

2 – Se o médico especialista em psiquiatria confirmar qualquer uma das situações referidas no número anterior, o procedimento em curso é cancelado, sendo o doente informado dessa decisão e dos seus fundamentos, podendo o procedimento ser reiniciado com novo pedido de abertura, nos termos do artigo 4.º

3 – O parecer do médico especialista em psiquiatria é elaborado no prazo de 15 dias úteis, por escrito, datado e assinado pelo próprio, e integra o RCE.

4 – A avaliação necessária para a elaboração do parecer referido no n.º 1 envolve, sempre que a condição específica do doente assim o exija, a colaboração de um especialista em psicologia clínica.

5 – No caso de parecer favorável do médico especialista em psiquiatria, este, acompanhado do médico orientador, deve informar o doente do conteúdo daquele parecer, após o que verifica novamente se o doente mantém e reitera a sua vontade, devendo a decisão consciente e expressa deste ser registada em documento escrito, datado e assinado pelo próprio ou pela pessoa por si designada nos termos do n.º 2 do artigo 11.º, o qual integra o RCE.

Artigo 8.º

Parecer da Comissão de Verificação e Avaliação

1 – Nos casos em que se apresentem os pareceres favoráveis nos termos dos artigos anteriores, reconfirmada a vontade do doente, o médico orientador remete cópia do RCE para a Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Morte Medicamente Assistida (CVA), prevista no artigo 24.º, solicitando parecer sobre o cumprimento dos requisitos e das fases anteriores do procedimento, o qual é elaborado no prazo de cinco dias úteis.

2 – Quando a CVA tiver dúvidas sobre se estão reunidas as condições previstas na presente lei para a prática da morte medicamente assistida, deve convocar os médicos envolvidos no procedimento para prestar declarações, podendo ainda solicitar a remessa de documentos adicionais que considere necessários.

3 – Em caso de parecer desfavorável da CVA, o procedimento em curso é cancelado, podendo ser reiniciado com novo pedido de abertura, nos termos do artigo 4.º

4 – No caso de parecer favorável da CVA, o médico orientador deve informar o doente do conteúdo daquele parecer, após o que verifica novamente se este mantém e reitera a sua vontade, devendo a sua decisão consciente e expressa ser registada em documento escrito, datado e assinado pelo próprio ou pela pessoa por si designada nos termos do n.º 2 do artigo 11.º, o qual integra o RCE.

Artigo 9.º

Concretização da decisão do doente

1 – Mediante parecer favorável da CVA, o médico orientador, de acordo com a vontade do doente, combina o dia, hora, local e método a utilizar para a prática da morte medicamente assistida.

2 – O médico orientador informa e esclarece o doente sobre os métodos disponíveis para praticar a morte medicamente assistida, designadamente a autoadministração de fármacos letais pelo próprio doente ou a administração pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito, mas sob supervisão médica, quando o doente estiver fisicamente incapacitado de autoadministrar fármacos letais.

3 – A decisão referida no número anterior deve ser consignada por escrito, datada e assinada pelo doente, ou pela pessoa por si designada nos termos do n.º 2 do artigo 11.º, e integrada no RCE, sem prejuízo do disposto no n.º 7 do artigo 3.º

4 – Após a consignação da decisão, o médico orientador remete cópia do RCE respetivo para a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), que pode acompanhar presencialmente o procedimento de concretização da decisão do doente.

5 – No caso de o doente ficar inconsciente antes da data marcada para a realização do procedimento de morte medicamente assistida, o mesmo é interrompido e não se realiza, salvo se o doente recuperar a consciência e mantiver a sua decisão.

Artigo 10.º

Administração dos fármacos letais

1 – Além do médico orientador e de outro profissional de saúde, obrigatoriamente presentes aquando da administração dos fármacos letais, podem estar presentes outros profissionais de saúde por indicação do médico orientador, assim como pessoas indicadas pelo doente, desde que o médico orientador considere que existem condições clínicas e de conforto adequadas.

2 – Imediatamente antes de se iniciar a administração ou autoadministração dos fármacos letais, o médico orientador deve confirmar se o doente mantém a vontade de requerer a morte medicamente assistida, na presença de uma ou mais testemunhas, devidamente identificadas no RCE.

3 – Caso o doente não confirme expressamente a sua vontade de requerer a morte assistida, nomeadamente se manifestar qualquer dúvida, o procedimento em curso é cancelado e dado por encerrado, o que é inscrito em documento escrito, datado e assinado pelo médico orientador, integrando o RCE, podendo o procedimento ser reiniciado com novo pedido de abertura, nos termos do artigo 4.º

4 – No caso previsto no número anterior, deve ser entregue ao doente o respetivo RCE, devendo uma cópia ser anexada ao seu processo clínico e outra enviada para a CVA com o respetivo Relatório Final do médico orientador, nos termos do artigo 17.º

Artigo 11.º

Decisão pessoal e indelegável

1 – A decisão do doente em qualquer fase do procedimento clínico de morte medicamente assistida é estritamente pessoal e indelegável.

2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, caso o doente que solicita a morte medicamente assistida não saiba ou esteja impossibilitado fisicamente de escrever e assinar, pode, em todas as fases do procedimento em que seja requerido, fazer-se substituir por pessoa da sua confiança, por si designada apenas para esse efeito, aplicando-se as regras do reconhecimento de assinatura a rogo na presença de profissional legalmente competente, devendo a assinatura ser efetuada na presença do médico orientador, com referência expressa a essa circunstância, e na presença de uma ou mais testemunhas.

3 – A pessoa designada pelo doente para o substituir nos termos do número anterior não pode vir a obter benefício direto ou indireto da morte do doente, nomeadamente vantagem patrimonial, nem ter interesse sucessório.

Artigo 12.º

Revogação

1 – A revogação do pedido de morte medicamente assistida cancela o procedimento clínico em curso, devendo a decisão ser inscrita no RCE pelo médico orientador.

2 – Mediante a revogação do pedido é entregue ao doente o respetivo RCE, devendo ser anexada uma cópia ao seu processo clínico com o relatório final do médico orientador.

Artigo 13.º

Locais autorizados

1 – A escolha do local para a prática da morte medicamente assistida cabe ao doente.

2 – O procedimento de morte medicamente assistida pode ser praticado nos estabelecimentos de saúde do Serviço Nacional de Saúde e dos setores privado e social que estejam devidamente licenciados e autorizados para a prática de cuidados de saúde, disponham de internamento e de local adequado e com acesso reservado.

3 – Caso a escolha do doente recaia sobre local diferente dos referidos no número anterior, deve o médico orientador certificar que o mesmo dispõe de condições clínicas e de conforto adequadas para o efeito.

Artigo 14.º

Acompanhamento

Além do médico orientador e de outros profissionais de saúde envolvidos no procedimento de morte medicamente assistida, podem estar presentes, também para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 10.º, as pessoas indicadas pelo doente.

Artigo 15.º

Verificação da morte e certificação do óbito

A verificação da morte e a certificação do óbito obedecem à legislação em vigor, devendo as respetivas cópias ser arquivadas no RCE.

Artigo 16.º

Registo clínico especial

1 – O RCE inicia-se com o pedido de morte medicamente assistida redigido pelo doente, ou pela pessoa por si designada nos termos do n.º 2 do artigo 11.º, e dele devem constar os seguintes elementos:

a) Todas as informações clínicas relativas ao procedimento em curso;

b) Os pareceres e relatórios apresentados pelos médicos e outros profissionais de saúde intervenientes no processo;

c) O parecer da CVA;

d) As decisões do doente sobre a continuação do procedimento ou a revogação do pedido;

e) A decisão do doente sobre o método de morte medicamente assistida;

f) Outras ocorrências consideradas relevantes.

2 – Concluído o procedimento ou cancelado por revogação do pedido do doente, decisão médica ou seguindo parecer da CVA, o RCE é anexado ao relatório final, devendo ser anexada uma cópia ao processo clínico do doente.

3 – O médico orientador é responsável pelo RCE, nele integrando os documentos a que se refere o n.º 1.

4 – O doente tem acesso ao RCE sempre que o solicite ao médico orientador.

5 – O modelo de RCE é estabelecido em regulamentação a aprovar pelo Governo.

Artigo 17.º

Relatório final

1 – O médico orientador elabora, no prazo de 15 dias úteis após a morte, o respetivo relatório final, ao qual é anexado o RCE, que remete à CVA e à IGAS.

2 – A obrigação de apresentação do relatório final mantém-se nos casos em que o procedimento é encerrado sem que tenha ocorrido a morte medicamente assistida do doente, seja por decisão médica, parecer desfavorável da CVA ou revogação.

3 – Do relatório final devem constar, entre outros, os seguintes elementos:

a) A identificação do doente e dos médicos e outros profissionais intervenientes no processo, incluindo os que praticaram ou ajudaram à morte medicamente assistida, e das pessoas consultadas durante o procedimento;

b) Os elementos que confirmam o cumprimento dos requisitos exigidos pela presente lei para a morte medicamente assistida;

c) A informação sobre o estado clínico, nomeadamente sobre o diagnóstico e prognóstico, com explicitação da natureza grave e incurável da doença ou da condição definitiva e de gravidade extrema da lesão e das características e intensidade previsível do sofrimento;

d) O método e os fármacos letais utilizados;

e) A data, a hora e o local onde se praticou o procedimento de morte medicamente assistida e a identificação dos presentes;

f) Os fundamentos do encerramento do procedimento.

4 – O modelo de relatório final é estabelecido em regulamentação a aprovar pelo Governo.

CAPÍTULO III

Direitos e deveres dos profissionais de saúde

Artigo 18.º

Profissionais de saúde habilitados

1 – Os profissionais de saúde inscritos na Ordem dos Médicos ou na Ordem dos Enfermeiros podem praticar ou ajudar no procedimento de morte medicamente assistida, excluindo-se aqueles que possam vir a obter qualquer benefício direto ou indireto da morte do doente, nomeadamente vantagem patrimonial.

2 – Para efeitos da prossecução do ato de morte medicamente assistida, os profissionais de saúde referidos no número anterior devem verificar previamente a existência de prescrição dos fármacos necessários, efetuada nos termos legais aplicáveis.

3 – Aos profissionais de saúde envolvidos no procedimento de morte medicamente assistida é disponibilizado, sempre que solicitado, apoio psicológico.

Artigo 19.º

Deveres dos profissionais de saúde

No decurso do procedimento clínico de morte medicamente assistida, os médicos e outros profissionais de saúde que nele intervêm devem respeitar os seguintes deveres:

a) Informar o doente de forma objetiva, compreensível, rigorosa, completa e verdadeira sobre o diagnóstico, os tratamentos aplicáveis, viáveis e disponíveis, os resultados previsíveis, o prognóstico e a esperança de vida da sua condição clínica;

b) Informar o doente sobre o seu direito de revogar a qualquer momento a sua decisão de requerer a morte medicamente assistida;

c) Informar o doente sobre os métodos de administração ou autoadministração dos fármacos letais, para que aquele possa escolher e decidir de forma esclarecida e consciente;

d) Assegurar que a decisão do doente é livre, esclarecida e informada;

e) Auscultar com periodicidade e frequência a vontade do doente;

f) Dialogar com os profissionais de saúde que prestam cuidados ao doente e, se autorizado pelo mesmo, com os seus familiares e amigos;

g) Dialogar com o procurador de cuidados de saúde, no caso de ter sido nomeado e se para tal for autorizado pelo doente;

h) Assegurar as condições para que o doente possa contactar as pessoas com quem o pretenda fazer;

i) Assegurar o acompanhamento psicológico do doente.

Artigo 20.º

Sigilo profissional e confidencialidade da informação

1 – Todos os profissionais que, direta ou indiretamente, participam no procedimento de morte medicamente assistida estão obrigados a observar sigilo profissional relativamente a todos os atos, factos ou informações de que tenham conhecimento no exercício das suas funções nesse âmbito, respeitando a confidencialidade da informação a que tenham tido acesso, de acordo com a legislação em vigor.

2 – O acesso, a proteção e o tratamento da informação relacionada com o procedimento de morte medicamente assistida processam-se de acordo com a legislação em vigor.

Artigo 21.º

Objeção de consciência

1 – Nenhum profissional de saúde pode ser obrigado a praticar ou ajudar ao ato de morte medicamente assistida de um doente se, por motivos clínicos, éticos ou de qualquer outra natureza, entender não o dever fazer, sendo assegurado o direito à objeção de consciência a todos os que o invoquem.

2 – A recusa do profissional deve ser comunicada ao doente no prazo de 24 horas e deve especificar a natureza das razões que a motivam, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

3 – A objeção de consciência é manifestada em documento assinado pelo objetor, dirigido ao responsável do estabelecimento de saúde onde o doente está a ser assistido e o objetor presta serviço, se for o caso, e com cópia à respetiva ordem profissional.

4 – A objeção de consciência é válida e aplica-se em todos os estabelecimentos de saúde e locais de trabalho onde o objetor exerça a sua profissão.

5 – A objeção de consciência pode ser invocada a todo o tempo e não carece de fundamentação.

Artigo 22.º

Responsabilidade disciplinar

Os profissionais de saúde não podem ser sujeitos a responsabilidade disciplinar pela sua participação no procedimento clínico de morte medicamente assistida, desde que cumpram todas as condições e deveres estabelecidos na presente lei.

CAPÍTULO IV

Fiscalização e avaliação

Artigo 23.º

Fiscalização

1 – Compete à IGAS a fiscalização dos procedimentos clínicos de morte medicamente assistida, nos termos da presente lei.

2 – Em caso de incumprimento da presente lei, a IGAS pode determinar, fundamentadamente, a suspensão ou o cancelamento de procedimento em curso.

Artigo 24.º

Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Morte Medicamente Assistida

Para cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 8.º e avaliação da aplicação da presente lei, é criada a Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Morte Medicamente Assistida.

Artigo 25.º

Composição e funcionamento da comissão

1 – A CVA é composta por cinco membros de reconhecido mérito que garantam especial qualificação nas áreas de conhecimento relacionadas com a aplicação da presente lei:

a) Um jurista designado pelo Conselho Superior da Magistratura;

b) Um jurista designado pelo Conselho Superior do Ministério Público;

c) Um médico designado pela Ordem dos Médicos;

d) Um enfermeiro designado pela Ordem dos Enfermeiros;

e) Um especialista em bioética designado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.

2 – Não podem integrar a CVA os profissionais de saúde, referidos nas alíneas c) e d) do número anterior, que tenham manifestado objeção de consciência nos termos do artigo 21.º

3 – O mandato dos membros da CVA é de cinco anos, renovável uma única vez.

4 – A designação dos membros da CVA deve ser realizada no prazo de 20 dias úteis a contar da entrada em vigor da presente lei.

5 – A CVA elabora e aprova o seu regulamento interno e elege, de entre os seus membros, um presidente.

6 – A CVA funciona junto da Assembleia da República, que assegura os encargos com o seu funcionamento e o apoio técnico e administrativo necessários.

7 – Os membros da CVA não são remunerados pelo exercício das suas funções, tendo direito a senhas de presença por cada reunião em que participam, de montante a definir por despacho do Presidente da Assembleia da República, a ajudas de custo e a requisições de transporte nos termos da lei geral.

Artigo 26.º

Verificação

1 – A CVA avalia a conformidade do procedimento clínico de morte medicamente assistida, através de parecer prévio, nos termos do artigo 8.º, e através de relatório de avaliação, nos termos do número seguinte.

2 – Uma vez recebido o relatório final do processo de morte medicamente assistida, que inclui o respetivo RCE, a CVA examina o seu conteúdo e avalia, no prazo de cinco dias úteis após essa receção, os termos em que as condições e procedimentos estabelecidos na presente lei foram cumpridos.

3 – Nos casos em que a avaliação prevista no número anterior seja de desconformidade com os requisitos estabelecidos pela presente lei, a CVA remete o relatório ao Ministério Público, e às respetivas ordens profissionais dos envolvidos para efeitos de eventual processo disciplinar.

Artigo 27.º

Avaliação

1 – A CVA apresenta à Assembleia da República, anualmente, um relatório de avaliação da aplicação da presente lei, com informação estatística detalhada sobre todos os elementos relevantes dos processos de morte medicamente assistida e com eventuais recomendações.

2 – Para elaboração do relatório são avaliados, com garantia de anonimato e confidencialidade, os relatórios finais e respetivos RCE remetidos à CVA pelos médicos orientadores, que devem prestar todos os esclarecimentos adicionais que esta lhes solicite.

3 – A IGAS presta à CVA as informações solicitadas sobre os procedimentos de fiscalização realizados relativamente ao cumprimento da presente lei.

CAPÍTULO V

Alteração legislativa

Artigo 28.º

Alteração ao Código Penal

Os artigos 134.º, 135.º e 139.º do Código Penal passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 134.º

[…]

1 – […]

2 – […]

3 – A conduta não é punível quando realizada no cumprimento das condições estabelecidas na Lei n.º 22/2023.

Artigo 135.º

[…]

1 – […]

2 – […]

3 – A conduta não é punível quando realizada no cumprimento das condições estabelecidas na Lei n.º 22/2023.

Artigo 139.º

[…]

1 – (Atual corpo do artigo.)

2 – Não é punido o médico ou enfermeiro que, não incitando nem fazendo propaganda, apenas preste informação, a pedido expresso de outra pessoa, sobre o suicídio medicamente assistido, de acordo com o n.º 3 do artigo 135.º»

CAPÍTULO VI

Disposições finais e transitórias

Artigo 29.º

Seguro de vida

1 – Para efeitos do contrato de seguro de vida, a morte medicamente assistida não é fator de exclusão.

2 – Os profissionais de saúde que participam, a qualquer título, no procedimento clínico de morte medicamente assistida de uma pessoa segura perdem o direito a quaisquer prestações contratualizadas.

3 – Para efeitos de definição de causa de morte da pessoa segura, deve constar da certidão de óbito a realização de procedimento de morte medicamente assistida.

4 – Uma vez iniciado o procedimento clínico de morte medicamente assistida, a pessoa segura não pode proceder à alteração das cláusulas de designação dos beneficiários.

Artigo 30.º

Divulgação de informação na Internet

A Direção-Geral da Saúde disponibiliza, no seu sítio da Internet, uma área destinada a informação sobre a morte medicamente assistida não punível, com os seguintes campos:

a) Informação sobre os procedimentos clínicos;

b) Formulários e documentos normalizados;

c) Legislação aplicável.

Artigo 31.º

Regulamentação

O Governo aprova, no prazo de 90 dias após a publicação da presente lei, a respetiva regulamentação.

Artigo 32.º

Prazos

Os prazos previstos na presente lei contam-se nos termos do disposto no artigo 87.º do Código do Procedimento Administrativo.

Artigo 33.º

Disposição transitória

Nos dois primeiros anos de vigência da presente lei, a CVA apresenta semestralmente à Assembleia da República o relatório de avaliação a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º

Artigo 34.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor 30 dias após a publicação da respetiva regulamentação.

Aprovada em 31 de março de 2023.

O Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva.

Promulgada em 16 de maio de 2023.

Publique-se.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Referendada em 18 de maio 2023.

O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.»