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Implementação e reforço da identificação sistemática do risco nutricional em todos os níveis de cuidados do SNS

Despacho n.º 9984/2023 – Diário da República n.º 188/2023, Série II de 2023-09-27
Saúde – Gabinete da Secretária de Estado da Promoção da Saúde
Implementação e reforço da identificação sistemática do risco nutricional em todos os níveis de cuidados do SNS – cuidados de saúde primários, cuidados hospitalares e cuidados continuados integrados, de modo a reduzir o risco de complicações associadas à desnutrição


«Despacho n.º 9984/2023

O XXIII Governo Constitucional, no seu programa para a saúde, estabelece como prioridade um Serviço Nacional de Saúde (SNS) mais justo e inclusivo que responda melhor às necessidades da população. As propostas para a saúde estão enquadradas numa abordagem centrada nas pessoas, de forma a proteger e melhorar a sua qualidade de vida desde que nascem até ao final da vida. A prevenção e controlo da exposição a fatores de risco, bem como a prossecução de políticas de promoção da saúde, particularmente na área da alimentação e nutrição, são apostas essenciais do Governo.

A malnutrição é, de acordo com os dados do Global Burden of Disease de 2019, o principal fator de risco para a carga da doença em Portugal. A desnutrição é uma forma de malnutrição associada ao aumento do risco de complicações clínicas, morbilidade, mortalidade, diminuição da qualidade de vida, bem como ao aumento da necessidade de tratamentos e internamentos hospitalares.

A utilização sistemática de um método de rastreio nutricional, em diferentes níveis de prestação de cuidados de saúde, possibilita a identificação precoce de pessoas em risco de desnutrição e subsequente referenciação para uma avaliação nutricional mais detalhada, sinalizando aqueles que podem beneficiar de um plano de cuidados nutricionais. Na maioria das situações de desnutrição ou de risco nutricional, a identificação precoce permite implementar, com elevado nível de eficácia, tratamentos baseados em abordagens alimentares. Mais, a identificação, o diagnóstico e o tratamento precoces são essenciais para reduzir o risco de complicações associadas à desnutrição e para prevenir a necessidade de cuidados de saúde mais especializados.

Assim, a implementação da identificação sistemática do risco nutricional em todos os níveis de cuidados de saúde, seguindo as boas práticas internacionais e as guidelines das sociedades internacionais e nacionais da área da nutrição clínica, considera-se fulcral, sendo uma das medidas já previstas no Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável 2022-2030 – «Implementação da identificação sistemática do risco nutricional e da intervenção nutricional necessária, em diferentes níveis de prestação de cuidados».

Em Portugal já foram dados passos importantes nesta área, nomeadamente com a criação, pelo Despacho n.º 5479/2017, de 23 de junho, de um grupo de trabalho para a criação de medidas para combater a desnutrição hospitalar, com a publicação do Despacho n.º 6634/2018, de 6 de julho, que determinou a implementação da identificação sistemática do risco nutricional a todos os utentes internados nos estabelecimentos hospitalares do SNS, com a publicação do Manual de Dietas Hospitalares pela Direção-Geral da Saúde (DGS) e com o Despacho n.º 10511/2021, de 26 de outubro, que determina a sua efetiva implementação nas unidades hospitalares do SNS. Cabe agora dar o passo seguinte, a par do trajeto de integração e continuidade de cuidados que caracteriza a nova organização do SNS, e concretizar um modelo de prevenção, identificação, diagnóstico e tratamento da desnutrição para todos os níveis de cuidados de saúde, que vá além dos serviços hospitalares e seja mais centrado nos utentes e suas necessidades, independentemente do contexto de prestação de cuidados. Para tal, a implementação da identificação sistemática do risco nutricional em todos os níveis de cuidados de saúde, de forma integrada e sustentada, é central enquanto garantia do acesso e qualidade da intervenção nesta área. Este passo ganha uma relevância adicional, uma vez que se alinha com a nova organização projetada para o SNS, em unidades locais de saúde, a qual facilitará a implementação generalizada.

Assim, ao abrigo da competência delegada pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro da Saúde, através dos Despachos n.os 11842/2022, de 10 de outubro, e 12167/2022, de 18 de outubro, respetivamente, determina-se o seguinte:

1 – A implementação ou reforço das atividades de identificação sistemática do risco nutricional em todos os níveis de cuidados do SNS: cuidados de saúde primários (CSP), cuidados hospitalares (CH) e cuidados continuados integrados (CCI), incluindo todas as unidades de saúde do SNS, bem como as que integram a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), nos termos descritos nos n.os 2, 3 e 4 do presente despacho, de modo a permitir instituir atempadamente um plano individual de cuidados nutricionais e, consequentemente, reduzir o risco de complicações associadas à desnutrição e reduzir a necessidade de cuidados de saúde.

2 – Para os cuidados de saúde primários:

a) A identificação do risco nutricional deve ser efetuada a todo o utente adulto com probabilidade aumentada de deterioração do estado nutricional, o que corresponde às seguintes situações:

i) No adulto com idade superior a 65 anos;

ii) No utente com doença crónica em situação clínica que possa comprometer o estado nutricional e que não esteja a ser acompanhada pelo Serviço de Nutrição nos CH. Incluem-se a doença pulmonar obstrutiva crónica, a doença oncológica, a doença renal, a doença hepática, a doença gastrointestinal e a doença inflamatória intestinal;

iii) No utente com doença neurodegenerativa avançada;

iv) No utente em cuidados de reabilitação;

v) No utente em cuidados domiciliários;

vi) No utente institucionalizado;

vii) Para além das situações previstas anteriormente, podem ser também considerados os seguintes indicadores clínicos para rastreio nutricional: perda de peso não intencional, anorexia, alterações do paladar e/ou olfato com grande impacto na ingestão alimentar, doença mental e limitações físicas e funcionais que comprometam a ingestão alimentar (situações de disfagia e de problemas graves de dentição e mastigação), cansaço e fraqueza muscular, apatia e letargia, presença de úlceras por pressão, alterações da tonicidade da pele que sugiram hipo-hidratação e intercorrências infeciosas recorrentes e/ou prolongadas. Deverão também ser submetidos a rastreio nutricional pessoas que por razões sociais possam ter a sua ingestão alimentar comprometida;

b) Para efeitos do disposto na alínea a), a ferramenta de identificação do risco nutricional a utilizar deve ser a Malnutrition Screening Tool, ou outra ferramenta validada, para os CSP, que esteja implementada;

c) Para efeitos do disposto na alínea a), a primeira identificação do risco nutricional deve efetuar-se em consulta da equipa de saúde familiar no primeiro contacto com o utente, devendo ser repetida:

i) Anualmente, para o utente sem risco nutricional identificado e não institucionalizado, nem em cuidados domiciliários; e

ii) Trimestralmente, para o utente sem risco nutricional identificado e institucionalizado, ou em cuidados domiciliários;

d) Para o utente sem risco nutricional deve incentivar-se a adoção de um estilo de vida saudável, de acordo com o modelo de aconselhamento breve para uma alimentação saudável. Adicionalmente, no utente sem risco nutricional, mas como IMC superior a 30 kg/m2 (obesidade), deve considerar-se a referenciação para o núcleo/unidade/serviço de nutrição;

e) Para o utente com risco nutricional, deve ser realizada uma intervenção breve no momento da identificação do risco que vise promover uma alimentação adequada através do seu enriquecimento nutricional;

f) Para o utente com risco nutricional, deve ser efetuada a referenciação prioritária para o núcleo/unidade/serviço de nutrição, após o esclarecimento e informação, prestada pelo profissional de saúde que realizou o rastreio nutricional, sobre os motivos da referenciação;

g) A consulta de nutrição para o utente com risco nutricional alto deve realizar-se num período máximo de 30 dias após a sinalização.

3 – Para os cuidados hospitalares:

a) A identificação sistemática do risco nutricional deve ser efetuada aos utentes internados nos estabelecimentos hospitalares por um período superior a 24 horas (h) e aos doentes oncológicos em regime de ambulatório;

b) Para efeitos do disposto na alínea anterior, a primeira identificação do risco nutricional deve ocorrer durante as primeiras 48 h após a admissão hospitalar, e deve ser repetida semanalmente para os utentes não acompanhados pelo serviço de nutrição, durante o período de internamento, sendo o procedimento realizado de acordo com os protocolos estandardizados. Para os doentes oncológicos em regime de ambulatório, quando o doente não se encontre a ser acompanhado pelo serviço de nutrição, a periodicidade da identificação do risco nutricional deverá ser considerada no início de uma nova etapa no contínuo de cuidados e/ou quando exista indicação clínica;

c) O disposto nas alíneas anteriores deve aplicar-se igualmente aos doentes em contexto de hospitalização domiciliária;

d) Para efeitos do disposto na alínea a), as ferramentas de identificação do risco nutricional a utilizar devem ser a Nutritional Risk Screening 2002 (NRS 2002), no caso do doente adulto e STRONGkids, no caso do doente em idade pediátrica;

e) Após a identificação do doente com risco nutricional, este deve ser referenciado para o serviço de nutrição da respetiva unidade de saúde, o qual deve proceder à avaliação do estado nutricional do doente, estabelecer o diagnóstico nutricional, e definir a sua intervenção nutricional e respetiva monitorização, em articulação com a equipa multidisciplinar responsável pelo internamento do doente;

f) A avaliação e intervenção pelo serviço de nutrição para os doentes internados com risco nutricional deve realizar-se num período máximo de 24 h após a sinalização;

g) Para os doentes oncológicos em regime de ambulatório e sem risco nutricional devem ser efetuados os procedimentos definidos na alínea d) do n.º 2 deste despacho. Para os doentes oncológicos em regime de ambulatório e com risco nutricional devem ser efetuados os procedimentos definidos nas alíneas e) e f) do n.º 2 do presente despacho;

h) A consulta de nutrição para os doentes oncológicos em regime de ambulatório e com alto risco nutricional deve realizar-se num período máximo de 15 dias após a sinalização;

i) As unidades hospitalares podem identificar serviços de internamento para os quais a implementação da identificação sistemática do risco nutricional poderá não se justificar, tendo em conta a baixa percentagem de doentes em risco. As unidades/serviços de cuidados intensivos também se podem excluir da implementação sistemática do risco nutricional, uma vez que todos os doentes hospitalizados nestas unidades/serviços devem ser considerados doentes em risco nutricional;

j) O doente com risco nutricional no momento da alta hospitalar deve ser referenciado para acompanhamento em ambulatório nos CH ou para o núcleo/unidade/serviço de nutrição dos CSP, de acordo com a sua situação clínica e com o nível de diferenciação dos cuidados de saúde exigidos, que deve ter acesso aos registos de nutrição efetuados no processo eletrónico do doente;

k) A identificação sistemática do risco nutricional em contexto de ambulatório pode ser implementada em outras situações clínicas para a além da doença oncológica, mediante critérios a definir por cada unidade hospitalar.

4 – Para os cuidados continuados integrados:

a) A identificação sistemática do risco nutricional deve ser efetuada aos utentes internados nas unidades que integram a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI);

b) Para efeitos do disposto na alínea anterior, a primeira identificação do risco nutricional deve ocorrer durante as primeiras 48 h após a admissão e deve ser repetida mensalmente para os utentes não acompanhadas pelo serviço de nutrição durante o período de internamento, sendo o procedimento realizado de acordo com os protocolos estandardizados;

c) Para efeitos do disposto na alínea a), a ferramenta de identificação do risco nutricional a utilizar deve ser a Nutritional Risk Screening 2002 (NRS 2002), no caso do doente adulto e STRONGkids, no caso do doente em idade pediátrica;

d) Após a identificação do utente com risco nutricional, esta deve ser referenciada para o núcleo/unidade/serviço de nutrição da respetiva unidade de saúde, o qual deve proceder à avaliação do estado nutricional do utente, estabelecer o diagnóstico nutricional, e definir a sua intervenção nutricional e respetiva monitorização, em articulação com a equipa multidisciplinar responsável pelo internamento.

5 – A aplicação das ferramentas de identificação do risco nutricional pode ser efetuada por qualquer elemento da equipa multidisciplinar – médico, enfermeiro, nutricionista -, desde que, devidamente capacitados. Cada unidade de saúde deve definir orientações para a implementação do disposto neste despacho e assegurar uma capacitação técnica adequada para a identificação sistemática do risco nutricional, de modo a permitir a implementação de um modelo organizacional ajustado à capacidade instalada a nível local.

6 – A avaliação antropométrica, quando necessária para efeitos de aplicação das ferramentas de identificação do risco nutricional, deve ser realizada nos termos da Orientação 17/2013 da Direção-Geral da Saúde.

7 – Devem ser implementados mecanismos que permitam garantir a adequada articulação entre profissionais e cuidados de saúde, bem como a transmissão de informação clínica entre os profissionais de saúde nos diferentes níveis de cuidados de saúde, designadamente através do processo clínico eletrónico, da nota de alta e de modelos de referenciação, de modo a assegurar a continuidade assistencial, a utilização eficaz de recursos e não duplicação de procedimentos e cuidados de saúde. Para facilitar a comunicação e articulação entre os profissionais de saúde, o sistema eletrónico de registo clínico deve permitir a emissão de alertas sempre que é identificada uma pessoa em risco nutricional para avaliação e intervenção pelo serviço de nutrição.

8 – O Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável deve desenvolver um manual técnico de apoio à implementação deste despacho, incluindo os modelos de aconselhamento breve previstos.

9 – As unidades de saúde devem assegurar que estão dotadas de equipamentos (balanças, balança cama, balança cadeira, balança plataforma, estadiómetro, fitas métricas e segmómetro) e recursos humanos adequados à implementação da identificação sistemática do risco nutricional, nos termos definidos por este despacho.

10 – As unidades de saúde devem assegurar a formação contínua e a adequada capacitação dos profissionais envolvidos na identificação do risco nutricional.

11 – A Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, E. P. E. (SPMS, E. P. E.), deve garantir a adaptação das funcionalidades disponíveis no âmbito da plataforma informática do Registo de Saúde Eletrónico, as quais devem estar concluídas até 31 de agosto de 2024.

12 – Para efeitos de acompanhamento do desempenho assistencial das unidades de saúde, deve a Administração Central do Sistema de Saúde, I. P. (ACSS, I. P.), em articulação com a SPMS, E. P. E., a Direção-Geral da Saúde (DGS) e a direção executiva do SNS (DE-SNS, I. P.), assegurar os desenvolvimentos necessários para a adequada monitorização dos seguintes indicadores:

a) Indicador 1: Proporção de utentes submetidos a rastreio para a identificação do risco nutricional:

i) Nos utentes dos CSP com critério para identificação do risco nutricional no primeiro contacto da equipa de saúde familiar com o utente (%);

ii) Nos doentes internados na admissão até às primeiras 48 h após a admissão (%);

iii) Nos doentes oncológicos (ambulatório/consulta externa) em avaliação ou estadiamento até a consulta multidisciplinar de decisão terapêutica (%);

iv) Nos doentes internados em CCI, na admissão até às primeiras 48 h após a admissão (%);

b) Indicador 2: Proporção de doentes em risco nutricional submetidos a intervenção nutricional:

i) Nos adultos submetidos a rastreio nutricional nos CSP, até 30 dias após a sinalização (%);

ii) Nos doentes internados, 24 h após a sinalização (%);

iii) Nos doentes oncológicos (ambulatório/consulta externa) (%) até 30 dias após a sinalização (%);

iv) Nos utentes internados em CCI, 24 h após a sinalização (%);

c) Indicador 3: Proporção de doentes em idade pediátrica classificados com risco nutricional que foram submetidos a intervenção nutricional:

i) Nos doentes internados (%);

ii) Nos doentes oncológicos (ambulatório/consulta externa) (%);

iii) Nos utentes internados em CCI, 24 h após a sinalização (%);

d) Indicador 4: Proporção de doentes adultos classificados com risco nutricional que foram submetidos a intervenção nutricional:

i) Nos adultos submetidos a rastreio nutricional nos CSP (%);

ii) Nos doentes internados (%);

iii) Nos doentes oncológicos (ambulatório/consulta externa) (%);

iv) Nos utentes internados em CCI (%).

13 – Os indicadores do número anterior devem ser considerados pela DE-SNS, I. P., em articulação com a ACSS, I. P., no processo de contratualização de cuidados de saúde primários, cuidados hospitalares e cuidados continuados integrados.

14 – No processo clínico eletrónico dos utentes deve ser registada de forma adequada a seguinte informação:

a) A identificação do risco nutricional e sua subsequente monitorização;

b) As intervenções breves realizadas;

c) Dados relativos à avaliação do estado nutricional, diagnóstico nutricional e o plano individual de cuidados nutricionais instituído e a sua monitorização pelo núcleo/unidade/serviço de nutrição;

d) As recusas relativas à referenciação para o núcleo/unidade/serviço de nutrição;

e) A codificação do diagnóstico de desnutrição e de risco nutricional, que deve ser realizado através do Sistema de Classificação Internacional de Doenças, CID-10 MC e/ou ICPC2, Catálogo Português de Nutrição, devendo ficar registado nos problemas clínicos no respetivo processo clínico eletrónico do utente.

15 – As unidades de saúde devem criar um grupo multidisciplinar, constituído por nutricionistas, médicos e enfermeiros, para a definição da abordagem a implementar na identificação do risco nutricional, tendo em conta capacidade instalada a nível local, bem como para a definição das responsabilidades a atribuir a cada profissional da equipa multidisciplinar e das orientações para o modelo de articulação entre os diferentes profissionais de saúde.

16 – O presente despacho revoga o Despacho n.º 6634/2018, de 6 de julho.

17 – O presente despacho entra em vigor e produz efeitos no primeiro dia útil seguinte ao da sua publicação.

18 de setembro de 2023. – A Secretária de Estado da Promoção da Saúde, Margarida Fernandes Tavares.»

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