Portaria n.º 325/2024/1 – Diário da República n.º 242/2024, Série I de 2024-12-13
Saúde
Estabelece a necessidade de um contacto telefónico prévio com a linha SNS 24 antes do acesso às Urgências de Obstetrícia e Ginecologia do Serviço Nacional de Saúde, implementando um projeto piloto na Região de Lisboa e Vale do Tejo, com previsão de alargamento a todo o território nacional após três meses.
«Portaria n.º 325/2024/1
de 13 de dezembro
A presente medida baseia-se em soluções de gestão de saúde amplamente implementadas e validadas em vários países europeus, onde se exige que as utentes com queixas agudas em obstetrícia e ginecologia efetuem um contacto telefónico prévio antes de se deslocarem às respetivas urgências, salvo em situações de risco iminente de vida ou quando devidamente referenciadas por outros profissionais de saúde.
Durante o referido contacto telefónico, os profissionais de saúde: i) fornecem orientações sobre medidas que podem ser adotadas em casa como forma de resposta a determinadas queixas; ii) encaminham as utentes para atendimento imediato nas Urgências de Obstetrícia e Ginecologia, ou iii) direcionam as utentes para outras formas de atendimento, como consultas hospitalares abertas, cuidados de saúde primários ou consultas regulares hospitalares. A definição das situações urgentes e não urgentes em Obstetrícia e Ginecologia encontra-se delineada na Norma n.º 1/2023 da Direção-Geral da Saúde (DGS).
O número de atendimentos diários nas Urgência de Obstetrícia e Ginecologia do Serviço Nacional de Saúde (SNS) é consideravelmente superior ao dos países do Norte e Centro da Europa, o que se deve, em grande medida, à ausência de controlo no acesso à urgência. Este fenómeno resulta do facto de as urgências serem percecionadas pela população como locais de atendimento especializado permanentemente à disposição, com apoio imagiológico e laboratorial completo, sem custos, sendo frequentemente procuradas para aconselhamento de todo o tipo de situações obstétricas e ginecológicas.
Embora essa oferta alargada e permanente de cuidados especializados possa parecer vantajosa, tem contribuído para o prolongamento de tempos de espera em casos verdadeiramente urgentes, além de colocar uma pressão insustentável sobre os recursos humanos, resultando em sobrecarga e situações de rotura nas equipas de saúde, com impactos negativos na qualidade dos cuidados prestados. Torna-se, portanto, imprescindível adotar medidas que promovam uma forma racional de canalizar a procura dos cuidados de saúde para os locais mais apropriados, retirando as situações não urgentes das Urgência de Obstetrícia e Ginecologia.
A implementação de um sistema de contacto telefónico prévio à inscrição nas Urgências de Obstetrícia e Ginecologia afigura-se, assim, como uma solução eficiente e racional, comprovada pela experiência bem-sucedida de outros países da União Europeia, que permitirá: i) reduzir o número de médicos diariamente alocados às Urgências de Obstetrícia e Ginecologia; ii) diminuir as horas extraordinárias necessárias, e iii) aumentar a disponibilidade dos profissionais de saúde para outras atividades essenciais não urgentes.
São medidas também importantes para este propósito a promoção de contactos não programados com os médicos e os enfermeiros especialistas de enfermagem de saúde materna e obstétrica (EEESMO) que asseguram a vigilância da gravidez ou a consulta de ginecologia, de forma a esclarecer as utentes sobre a relevância das queixas que apresentam. Igualmente relevante é a criação de condições em cada hospital para a operacionalização da Orientação n.º 002/2023 da DGS, relativa aos cuidados de saúde durante o trabalho de parto.
Nos termos da Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro, constitui fundamento da política de saúde a «gestão dos recursos disponíveis segundo critérios de efetividade, eficiência e qualidade», devendo o Estado assegurar os recursos necessários à efetivação do direito à proteção da saúde no quadro da organização e funcionamento do SNS que se sustenta em diferentes níveis de cuidados e tipologias de unidades de saúde, que trabalham de forma articulada, integrada e intersetorial.
No que toca à organização dos serviços, o Estatuto do SNS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de agosto, veio consagrar, efetivamente, a existência de níveis de cuidados no SNS, salientando-se neste particular os Cuidados de Saúde Primários, que representam o primeiro nível de contacto dos indivíduos, da família e da comunidade com os cuidados de saúde e que constituem uma resposta de proximidade e continuidade no processo assistencial e os cuidados hospitalares, que envolvem intervenções de maior diferenciação de meios técnicos, mediante referenciação clínica ou em contexto de urgência ou emergência. Por seu turno, o direito à proteção da saúde é exercido tomando em consideração as regras de organização dos serviços de saúde, impendendo sobre os utentes o dever de respeito das regras sobre a organização, o funcionamento e a utilização dos estabelecimentos e serviços de saúde.
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 32/2024, de 10 de maio, e nos artigos 7.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de agosto, ambos na sua redação atual, manda o Governo, pela Ministra da Saúde, o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
1 – O projeto piloto abrange as Urgências de Obstetrícia e Ginecologia do SNS na Região de Lisboa e Vale do Tejo, incluindo o Hospital Distrital de Leiria (ULS da Região de Leiria) e outros hospitais de diferentes regiões que manifestem interesse em participar.
2 – O atendimento telefónico é realizado pela linha SNS Grávida/Ginecologia, baseado nos algoritmos constantes do anexo vi da presente portaria. A pré-triagem telefónica deverá ser preferencialmente realizada por EEESMO.
3 – Os hospitais usarão os mesmos algoritmos na triagem presencial da Urgência de Obstetrícia e Ginecologia, também realizada por EEESMO, a qual prevalece sobre a triagem telefónica. Os hospitais poderão adicionalmente criar uma pré-triagem telefónica própria, em articulação direta com a linha SNS Grávida/Ginecologia.
4 – Após três meses de implementação do projeto piloto, será realizada uma avaliação dos resultados, conforme indicadores descritos no anexo v da presente portaria. Caso a avaliação seja positiva, o projeto será estendido aos hospitais do SNS de todo o país.
Artigo 2.º
Informação à população
1 – Será realizada uma campanha de informação à população transmitindo como mensagem principal «Antes de ir a uma Urgência de Obstetrícia e Ginecologia é necessário ligar para a linha SNS Grávida/Ginecologia – 808 24 24 24».
2 – Nas portas exteriores das Urgências de Obstetrícia e Ginecologia será afixado um cartaz com a informação: «Urgência com pré-triagem telefónica – Apenas atende situações urgentes – Antes de entrar por favor ligue: 808 24 24 24». O cartaz incluirá uma lista sucinta e compreensível das situações urgentes em Obstetrícia e Ginecologia, conforme os anexos i e ii da presente portaria.
3 – Esta informação poderá também ser divulgada em consultas hospitalares e nos cuidados de saúde primários.
Artigo 3.º
Acesso à Urgência de Obstetrícia e Ginecologia
O acesso à Urgência de Obstetrícia e Ginecologia do SNS deve, nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de agosto, na sua redação atual, ser precedido de referenciação através de um dos seguintes meios:
a) Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU-INEM);
b) SNS 24 – Linha SNS Grávida/Ginecologia;
c) Cuidados de saúde primários (CSP), com informação clínica assinada por médico ou EEESMO;
d) Outra instituição de saúde, pública, privada ou social, com informação clínica assinada por médico ou EEESMO;
e) Urgência geral ou urgência pediátrica da mesma instituição de saúde.
Artigo 4.º
Acesso excecional à Urgência de Obstetrícia e Ginecologia
1 – Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, as utentes que acorram à Urgência de Obstetrícia e Ginecologia sem referenciação prévia devem ser informadas da necessidade de efetuar o contacto telefónico antes da admissão, sendo-lhes assegurado um meio de contacto com a linha SNS 24 para efeitos de correta referenciação, através do serviço administrativo e de disponibilização de telefone instalado no local.
2 – São excecionadas do disposto no número anterior as utentes com forte suspeita de situações que possam representar risco iminente de vida, designadamente:
a) Perda de consciência;
b) Convulsões;
c) Dificuldade respiratória;
d) Hemorragia abundante;
e) Traumatismo grave;
f) Dores muito intensas.
3 – Quando, em circunstâncias excecionais, uma utente recuse efetuar o contacto telefónico, ou por qualquer outra razão não seja possível o encaminhamento através da linha SNS 24, deve ser assegurada a sua inscrição na urgência e posterior triagem presencial, de acordo com os algoritmos constantes do anexo vi da presente portaria.
4 – Quando, nos termos do número anterior, a utente seja triada com a cor «azul» ou «verde», não havendo assim motivo para ser avaliada por um médico na Urgência de Obstetrícia e Ginecologia, a utente será orientada para o local de atendimento mais adequado (consulta aberta no hospital ou nos CSP, consulta no hospital ou nos CSP), sendo garantido o agendamento efetivo no prazo máximo de um dia útil. Nestas situações, o EEESMO encerrará o episódio de urgência sem necessidade de avaliação médica.
Artigo 5.º
Condições necessárias para as Urgências de Obstetrícia e Ginecologia iniciarem o projeto
As Urgências de Obstetrícia e Ginecologia podem iniciar o projeto quando estejam verificadas as seguintes condições:
a) Criação de uma consulta aberta hospitalar para situações obstétricas e ginecológicas, em horário adaptável à procura, mas em funcionamento todos os dias úteis;
b) Criação de mecanismos dentro da Unidade Local de Saúde (ULS) para possibilitar o agendamento célere na consulta aberta hospitalar, nas consultas abertas nos CSP e em consultas regulares no hospital. Necessidade de garantir a existência de vagas diárias para este efeito nas diversas consultas;
c) Integração dos algoritmos constantes do anexo vi nos registos informáticos da triagem da Urgência de Obstetrícia e Ginecologia, com garantia de acessibilidade a esta informação pelos restantes profissionais de saúde;
d) Formação dos EEESMO alocados à triagem na utilização dos algoritmos do anexo vi da presente portaria;
e) Colocação de cartazes informativos na porta de entrada da Urgência de Obstetrícia e Ginecologia, nos termos dos anexos i e ii da presente portaria, e publicitação desta informação às utentes e profissionais de saúde (médicos, enfermeiros e assistentes técnicos) nas diversas unidades da ULS;
f) Formação do pessoal administrativo presente na entrada da Urgência de Obstetrícia e Ginecologia para aconselhar e orientar adequadamente as utentes que aí recorrem;
g) Disponibilização de um telefone junto da entrada da Urgência de Obstetrícia e Ginecologia para que as utentes que aí recorrem possam contactar a linha SNS 24.
Artigo 6.º
Disposições finais
1 – Da aplicação do disposto na presente portaria não pode resultar falta de resposta em saúde no SNS ajustada à condição clínica do utente, devendo ser garantida a triagem nos termos previstos, bem como aconselhamento e encaminhamento adequados aos utentes e seus acompanhantes. Caso não exista capacidade de resposta em tempo adequado na consulta aberta dos CSP, os cuidados de saúde deverão ser assegurados na consulta aberta hospitalar e caso não exista capacidade de resposta em tempo adequado na consulta aberta hospitalar, os cuidados de saúde necessitam de ser garantidos nas Urgências de Obstetrícia e Ginecologia.
2 – A Direção-Geral da Saúde e o Instituto Nacional de Emergência Médica, I. P., devem, em articulação com a DE-SNS, I. P., e a SPMS – Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, E. P. E., manter permanentemente ajustados os algoritmos do SNS 24 e do CODU-INEM, de forma a assegurar alinhamento com a triagem presencial nas Urgências de Obstetrícia e Ginecologia dos hospitais do SNS.
Artigo 7.º
Entrada em vigor
A presente portaria entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, devendo a DE-SNS, I. P., definir o calendário da sua efetiva implementação.
A Ministra da Saúde, Ana Paula Martins, em 7 de dezembro de 2024.
ANEXO I
Cartaz a colocar na porta das Urgências de Obstetrícia e Ginecologia com pré-triagem telefónica
ANEXO II
Versão em inglês do cartaz a colocar na porta das Urgências de Obstetrícia e Ginecologia com pré-triagem telefónica
ANEXO III
Princípios gerais da constituição da equipa médica de Obstetrícia e Ginecologia para o funcionamento das Urgências de Obstetrícia e Ginecologia/Blocos de Partos com pré-triagem telefónica (aprovada em reunião da Direção do Colégio de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos do dia 6 de setembro de 2024).
ANEXO IV
Níveis de contingência
ANEXO V
Indicadores a avaliar ao fim de 3 meses do projeto piloto
ANEXO VI
Algoritmos a utilizar na pré-triagem e triagem
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