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Decreto Legislativo Regional n.º 5/2019/M – Diário da República n.º 135/2019, Série I de 2019-07-17
Região Autónoma da Madeira – Assembleia Legislativa
Cria o Estatuto do Cuidador Informal da Região Autónoma da Madeira
«Decreto Legislativo Regional n.º 5/2019/M
Sumário: Cria o Estatuto do Cuidador Informal da Região Autónoma da Madeira.
Cria o Estatuto do Cuidador Informal da Região Autónoma da Madeira
A relevância da intervenção de pessoas no domicílio, quer sejam familiares ou terceiros, denominados cuidadores informais, que assumem a responsabilidade e garantem efetivamente o apoio continuado necessário a pessoas que não podem, com autonomia, satisfazer as necessidades básicas da vida quotidiana, devido a doença crónica, incapacidade, deficiência e/ou dependência, envelhecimento, ou que se encontram em situação de fragilidade e que necessitam de cuidados específicos ou continuados, reclama o seu devido reconhecimento.
O papel desempenhado pelos cuidadores informais é complexo, absorvente e exigente, com impactos pessoais ao nível profissional, económico, físico e psicológico, envolvendo a prestação de tarefas diversificadas e de responsabilidade, nomeadamente o apoio ao nível da higiene pessoal e da higiene do domicílio da pessoa dependente, da confeção da sua alimentação, do seu vestuário, do acompanhamento às respetivas consultas nos serviços de saúde, da gestão e administração da sua medicação, entre outras.
Os cuidadores informais, que desempenham uma atividade não profissional e não remunerada, asseguram uma intervenção de cariz social e no âmbito da saúde, constituindo-se como verdadeiros parceiros nos setores da segurança social e da saúde.
Estes setores constituem responsabilidade das entidades públicas, expressa nas diversas respostas de equipamentos sociais garantidos pela segurança social ou com esta protocolados, do funcionamento do serviço de ajuda domiciliária, da ação do Sistema Prestador de Cuidados de Saúde e da Rede Regional de Cuidados Continuados Integrados.
Contudo, o atual contexto de envelhecimento demográfico conjugado com a limitação de recursos públicos exige uma resposta diferenciada.
Assim, é inquestionável a necessidade de colaboração da comunidade, em cumprimento do princípio da subsidiariedade expresso no artigo 11.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 83-A/2013, de 30 de dezembro, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social, sendo os cuidadores informais uma clara expressão deste princípio.
A importância do papel assumido pelos cuidadores informais tem vindo a crescer e merece uma atenção redobrada pelas entidades públicas regionais com competência na prossecução de uma política social inclusiva, tal como consta no Programa do XII Governo Regional da Madeira, que consagra como uma das prioridades fulcrais a valorização e a qualificação da ação dos cuidadores informais.
Neste contexto, importa, pois, criar o Estatuto do Cuidador Informal da Região Autónoma da Madeira, reconhecendo a estas pessoas a relevância da função social que desempenham, garantindo-lhes um apoio mais estruturado, através da implementação de medidas que criem condições ao desenvolvimento da respetiva atividade de forma mais adequada e informada e, bem assim, o seu bem-estar físico e mental e o combate à exaustão familiar.
O presente estatuto prevê ainda a atribuição de um apoio financeiro ao cuidador informal, mensal, de natureza compensatória, pela ação desenvolvida.
Simultaneamente, reforça-se a política de manutenção das pessoas dependentes no seu domicílio, o seu bem-estar físico e mental e qualidade de vida e ainda uma maior qualidade nos cuidados domiciliários prestados pelos cuidadores informais.
O Estatuto do Cuidador Informal da Região Autónoma da Madeira, criado pelo presente diploma, constitui desde já um passo decisivo no reconhecimento do papel desempenhado pelo cuidador informal, sem prejuízo de ao mesmo e à pessoa dependente se aplicarem igualmente as medidas legais que vierem a ser aprovadas e implementadas, quer no âmbito nacional quer regional, designadamente nas áreas da saúde, do trabalho, da educação, da segurança social e fiscal.
Assim:
A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira decreta, nos termos das disposições conjugadas do n.º 4 do artigo 112.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º e do n.º 1 do artigo 228.º da Constituição da República Portuguesa, na alínea c) do n.º 1 do artigo 37.º e nas alíneas m) e vv) do artigo 40.º e no n.º 1 do artigo 41.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho, e revisto e alterado pelas Leis n.os 130/99, de 21 de agosto, e 12/2000, de 21 de junho, o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
O presente diploma cria o Estatuto do Cuidador Informal da Região Autónoma da Madeira, adiante designado por estatuto.
Artigo 2.º
Âmbito
O presente estatuto é aplicável aos cuidadores informais e às pessoas cuidadas, residentes no território da Região Autónoma da Madeira.
Artigo 3.º
Definições
Para os efeitos do presente diploma, entende-se por:
a) «Cuidador informal» a pessoa familiar ou terceiro, com laços de afetividade e de proximidade que, fora do âmbito profissional ou formal e não remunerada, cuida de outra pessoa, preferencialmente no domicílio desta, por se encontrar numa situação de doença crónica, incapacidade, deficiência e/ou dependência, total ou parcial, transitória ou definitiva, ou em situação de fragilidade e necessidade de cuidados, com falta de autonomia para a prática das atividades da vida quotidiana;
b) «Dependência» a situação, temporária ou permanente, em que se encontra a pessoa que, por motivos de doença crónica, incapacidade, deficiência, demência ou doença do foro mental, sequelas pós-traumáticas, envelhecimento e/ou situação de fragilidade e necessidade de cuidados, não consegue, por si só, realizar as atividades da vida quotidiana;
c) «Pessoa cuidada» a pessoa, criança, jovem ou adulto, dependente que, por motivos de doença crónica, incapacidade, deficiência, demência ou doença do foro mental, sequelas pós-traumáticas, envelhecimento e/ou situação de fragilidade, devidamente reconhecida através de declaração médica, recebe cuidados e apoio para a prática das atividades da vida diária.
Artigo 4.º
Objetivos
A criação do presente estatuto visa prosseguir os seguintes objetivos:
a) Reconhecer e valorizar a função social dos cuidadores informais, assegurando um conjunto de direitos e garantias;
b) Melhorar as condições e promover o bem-estar dos cuidadores informais, de modo a garantir um maior poder de decisão e qualidade nos cuidados domiciliários às pessoas cuidadas;
c) Reforçar a política de manutenção das pessoas cuidadas no seu domicílio.
Artigo 5.º
Perfil do cuidador informal
O cuidador informal deverá cumprir os seguintes requisitos:
a) Ter idade superior a 18 anos;
b) Não ser portador de doença, deficiência física e/ou psíquica incapacitante para o cumprimento dos deveres previstos no presente estatuto;
c) Idoneidade;
d) Não ser remunerado para o exercício da atividade de cuidador informal da pessoa cuidada.
Artigo 6.º
Reconhecimento da qualidade de cuidador informal
1 – O reconhecimento da qualidade de cuidador informal da Região Autónoma da Madeira para efeitos do presente estatuto é efetuado através da atribuição de um cartão de identificação precedido de registo e candidatura.
2 – Na eventualidade de a pessoa cuidada ser menor de idade, a qualidade de cuidador informal será reconhecida aos dois progenitores, sendo extensível ao adotante, tutor ou pessoa a quem for deferida a confiança judicial ou administrativa do menor, bem como ao cônjuge ou pessoa com quem viva em união de facto.
3 – A qualidade de cuidador informal cessa quando simultaneamente cessarem os cuidados prestados à pessoa cuidada.
4 – O disposto nos números anteriores será objeto de regulamentação, através de portaria conjunta dos membros do Governo Regional responsáveis pelas áreas da saúde e da inclusão e assuntos sociais.
Artigo 7.º
Plano de cuidados
1 – Ao cuidador informal deverá ser estabelecido um plano de cuidados que compreende nomeadamente:
a) A identificação dos cuidados formais de que beneficia a pessoa cuidada;
b) A identificação dos cuidados informais prestados pelo cuidador informal;
c) Os tempos de descanso do cuidador informal;
d) A formação e a capacitação do cuidador informal;
e) O acesso às medidas de apoio social, saúde e outras previstas no presente estatuto.
2 – O plano previsto no número anterior será definido com a participação do cuidador e, sempre que possível, da pessoa cuidada.
3 – O plano poderá ser objeto de avaliação e revisão, de acordo com a evolução da situação da pessoa cuidada e do cuidador informal.
4 – O disposto nos números anteriores será objeto de regulamentação, através de portaria conjunta dos membros do Governo Regional responsáveis pelas áreas da saúde e da inclusão e assuntos sociais.
Artigo 8.º
Direitos do cuidador informal
1 – O reconhecimento da qualidade de cuidador informal confere-lhe o direito a:
a) Cartão de identificação:
b) Aceder à informação e ao apoio jurídico, no âmbito das matérias relativas a cuidadores informais;
c) Receber informação e formação técnica como forma de desenvolver a sua capacitação para a prestação de cuidados à pessoa cuidada e reduzir o desgaste pelos cuidados prestados, nos termos que vierem a ser definidos por portaria conjunta dos membros do Governo Regional responsáveis pelas áreas da saúde e da inclusão e assuntos sociais;
d) Receber informação relativa a ajudas técnicas como forma de aumentar a qualidade dos cuidados prestados e a redução do desgaste físico na prestação do mesmo;
e) Ser apoiado na sua saúde, particularmente no foro psicológico, durante o tempo em que desenvolve a sua atividade, bem como no período posterior à morte da pessoa cuidada, sendo apoiado na gestão do processo do luto da pessoa cuidada;
f) Gozar de descanso e períodos de férias, em articulação com as respostas da área da saúde e da área social existentes na Região com a possibilidade de a resposta ser dada no domicílio da pessoa cuidada;
g) Participar na planificação de cuidados a conceder à pessoa cuidada;
h) Ser apoiado regular e permanentemente na prestação de cuidados à pessoa cuidada, ao nível de cuidados de saúde primários, tais como cuidados médicos, de enfermagem e de fisioterapia e na administração de fármacos;
i) Ter prioridade nas consultas médicas da pessoa cuidada;
j) Ter acesso a programas públicos que visem a eliminação de barreiras arquitetónicas e ações promotoras de melhorias habitacionais, que se revelem necessárias à promoção de autonomia e segurança da pessoa cuidada, bem como garantir as características adequadas de uso e segurança funcional dos espaços;
k) Ter prioridade no acesso aos serviços de apoio domiciliário para a pessoa cuidada;
l) Acompanhar a pessoa cuidada em caso de internamento hospitalar, nas consultas médicas e outras do âmbito da saúde e participar no processo de cuidados à pessoa cuidada;
m) Acompanhar a pessoa cuidada nos procedimentos em que esta requeira a sua presença ou a mesma seja considerada necessária;
n) Ter atendimento prioritário nos serviços públicos para tratar de assuntos relacionados com a pessoa cuidada;
o) Ter a possibilidade de visitas do médico ao domicílio, no caso de atendimento à pessoa cuidada;
p) Ser ouvido, supletivamente e na ausência de familiares de referência, sempre que se trate da decisão de cuidados médicos, no caso em que a pessoa cuidada, pelo seu estado clínico, não o puder fazer;
q) Requerer um apoio financeiro, nos termos e nas condições definidos no artigo 12.º do presente diploma;
r) Aceder às medidas e mecanismos de apoio à sua atividade de cuidador informal que vierem a ser legalmente consagrados, conforme o previsto no artigo 15.º do presente diploma;
s) Integrar grupos de autoajuda.
2 – Os direitos consagrados nas alíneas h), i), l) e m) do número anterior são extensíveis ao cuidador informal que, pela sua idade, doença, atividade laboral, ou necessidades e condição da pessoa cuidada, ou outras razões atendíveis, o determine, após análise da comissão referida no artigo 14.º
Artigo 9.º
Deveres do cuidador informal
O cuidador informal no âmbito da sua ação em relação à pessoa cuidada, preferencialmente no domicílio desta, assume, designadamente, os seguintes deveres:
a) Demonstrar solidariedade e respeito pela privacidade e intimidade da pessoa cuidada e incentivar a sua participação na definição dos cuidados, garantindo o seu consentimento sobre os cuidados a prestar;
b) Intermediar, sempre que necessário, a pessoa cuidada e os profissionais da área da saúde ou social;
c) Comunicar aos profissionais da área da saúde ou da área social as mudanças verificadas no estado de saúde ou outras, para a melhoria e qualidade de vida da pessoa cuidada;
d) Prestar auxílio à pessoa cuidada e os cuidados definidos, sob orientação de profissionais da área da saúde ou social, e com o conhecimento dos familiares de referência;
e) Garantir a respetiva alimentação e administração de medicamentos;
f) Garantir cuidados de higiene pessoal e do domicílio, e bem assim lavagem e tratamento de roupa;
g) Assegurar a vigilância e o acompanhamento;
h) Acompanhar a pessoa cuidada nas deslocações, nomeadamente aos serviços de saúde e outros que se revelem necessários;
i) Colaborar na gestão e na aquisição de bens e serviços necessários à satisfação das necessidades básicas da pessoa cuidada, a seu pedido;
j) Comunicar aos familiares de referência todos os assuntos e matérias respeitantes à saúde, segurança e bem-estar da pessoa cuidada;
k) Promover a autonomia e o exercício da cidadania da pessoa cuidada, designadamente a participação em atividades ocupacionais e outras consagradas pelos usos e costumes.
Artigo 10.º
Reconhecimento de pessoa cuidada
O reconhecimento da dependência de pessoa cuidada para efeitos do presente estatuto é efetuado através de declaração médica, a definir em regulamentação.
Artigo 11.º
Descanso do cuidador informal
1 – A substituição dos períodos de descanso do cuidador informal, e os termos em que este se efetiva, devem ser definidos e acompanhados pela comissão referida no artigo 14.º, em articulação com as instituições que desenvolvam respostas adequadas à situação.
2 – A efetivação do direito ao descanso prevista no número anterior é assegurada pelos recursos afetos às valências de apoio domiciliário, centros de dia ou outros que se mostrem adequados, a qual depende de avaliação realizada pela comissão referida no artigo 14.º e da capacidade de resposta das entidades competentes.
3 – O descanso do cuidador informal, durante o seu período de férias, poderá determinar o acolhimento temporário da pessoa cuidada em estruturas residenciais, de acolhimento familiar, na Rede de Cuidados Continuados Integrados da Região Autónoma da Madeira, ou outras respostas que se mostrem adequadas.
4 – Em caso de impossibilidade das prestações de apoios previstos nos números anteriores, o direito ao descanso do cuidador informal, ou ao suprimento do seu impedimento, pode ser assegurado através da prestação de cuidados que se mostrem necessários à pessoa cuidada.
Artigo 12.º
Apoio
1 – O cuidador informal tem direito a requerer um apoio financeiro, mensal, de natureza compensatória, pela ação desenvolvida de acordo com o artigo 9.º, nos termos e condições estabelecidas nos números seguintes e em portaria conjunta dos membros do Governo Regional responsáveis pelas áreas das finanças, da saúde e da inclusão e assuntos sociais.
2 – Estão excluídas do previsto no número anterior as despesas que constituem encargos da responsabilidade direta da pessoa cuidada, nomeadamente despesas com medicamentos, vestuário, calçado, higiene pessoal, alimentação, bem como as que se mostrem necessárias à sua saúde, segurança, conforto e bem-estar.
3 – A atribuição e o montante do apoio dependem dos seguintes critérios:
a) A condição económica do cuidador informal e da pessoa cuidada;
b) O grau de dependência da pessoa cuidada;
c) A atribuição de outros apoios ao cuidador informal e à pessoa cuidada;
d) O nível de prestação de cuidados por parte do cuidador informal;
e) O número de pessoas cuidadas.
4 – O apoio não é considerado rendimento para efeitos da verificação da condição de recursos estabelecida no Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de junho, na redação atual.
Artigo 13.º
Integração e promoção do estatuto
Os serviços e organismos da administração direta, indireta e autónoma da Região Autónoma da Madeira devem disponibilizar a informação e promover campanhas de divulgação na comunidade dos apoios previstos neste diploma, bem como devem desenvolver as iniciativas necessárias à sua adequada implementação.
Artigo 14.º
Comissão de acompanhamento ao cuidador informal
1 – A comissão de acompanhamento ao cuidador informal é uma estrutura que visa a implementação do presente estatuto, bem como a fiscalização e o acompanhamento da sua ação.
2 – A comissão de acompanhamento é constituída por uma equipa multidisciplinar de três elementos, designados por despacho conjunto dos membros do Governo Regional com competência na área da saúde e da segurança social, designadamente:
a) Um coordenador, nomeado pela área da segurança social;
b) Um representante da área da saúde;
c) Um representante das associações de cuidadores informais.
Artigo 15.º
Disposições finais
A criação do presente estatuto não prejudica a aplicação aos cuidadores informais e às pessoas cuidadas de outras medidas legais que vierem a ser aprovadas e implementadas, quer de âmbito nacional quer regional, designadamente nas áreas da saúde, do trabalho, da educação, da segurança social e fiscal.
Artigo 16.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no prazo de 90 dias após a sua publicação.
Aprovado em sessão plenária da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em 13 de junho de 2019.
O Presidente da Assembleia Legislativa, José Lino Tranquada Gomes.
Assinado em 4 de julho de 2019.
Publique-se.
O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira, Ireneu Cabral Barreto.»