Criação do Comité de Ética para as Ciências e Novas Tecnologias da Saúde da Região Autónoma dos Açores

«Decreto Legislativo Regional n.º 20/2020/A

Sumário: Cria o Comité de Ética para as Ciências e Novas Tecnologias da Saúde da Região Autónoma dos Açores.

Cria o Comité de Ética para as Ciências e Novas Tecnologias da Saúde da Região Autónoma dos Açores

As exigências atuais no domínio da assistência e da investigação clínica, decorrentes das transformações das relações médico-doente, num distanciamento do modelo paternalista clássico, caracterizado pela hegemonia da beneficência clínica, e manifestação do princípio da autonomia, como o respeito pela capacidade de cada pessoa decidir sobre o que a si se reporta; a consciencialização da necessidade dos profissionais de saúde implementarem o bem maior da pessoa e não apenas a solução clínica; a dinâmica da investigação científica como área de estudo contínuo e de inovação terapêutica; o imperativo de promover a equidade na distribuição dos recursos disponíveis e o acesso a estes recursos; a integração harmoniosa do ser humano na natureza a que pertence e as necessárias transformações sociais decorrentes; os impactos na vida das pessoas e na organização das sociedades, dos progressos científicos e das inovações tecnológicas, nomeadamente no âmbito das ciências digitais e robótica inteligente, conduziram à criação do Comité de Ética para as Ciências e Novas Tecnologias da Saúde da Região Autónoma dos Açores (CECNTS-RAA). Este apresenta-se como entidade de articulação entre as Comissões de Ética (CE) hospitalares e a Comissão de Ética para a Investigação Clínica (CEIC), no que se refere à informação e acompanhamento da investigação clínica que decorre na Região, entre as várias CE hospitalares da Região, numa harmonização dos requisitos éticos para as boas práticas clínicas, e de cooperação com as Unidades de Saúde de Ilha ou outras instituições, na assessoria ética necessária. Neste âmbito de atuação, o CECNTS-RAA valorizará o trabalho das CE hospitalares, na sua vertente de investigação e assistencial; dará apoio a todas as Unidades de Saúde de Ilha ou outras instituições que, pela sua reduzida dimensão e escassez de recursos humanos, não disponham de Comissão de Ética; e poderá também intervir como organismo consultivo de recurso quando ocorram divergências na interpretação e aplicação circunstanciada das orientações bioéticas internacionais em matéria assistencial e de investigação clínica. Ainda neste âmbito, o CECNTS-RAA desenvolverá uma rede entre as CE da Região, mantendo uma relação próxima com a Rede Nacional das Comissões de Ética para a Saúde (RNCES).

O CECNTS-RAA atuará igualmente como entidade consultiva no âmbito alargado da ética das ciências da vida, no que se refere especificamente à proteção da diversidade animal e da sustentabilidade ambiental, sobretudo quando a introdução de novas tecnologias de interação humana com o meio ambiente ou novos procedimentos possam afetar o equilíbrio ecológico e a saúde humana.

O CECNTS-RAA poderá ainda atuar, na sua identitária função consultiva, no âmbito da introdução na Região das tecnologias digitais e a robótica no que se reporta ao seu impacto nas relações humanas, nomeadamente na prestação de cuidados de saúde.

O objetivo comum será o de promover a dignidade da pessoa e a justiça social, na Região, na interface dos cidadãos e das comunidades com o avanço científico e a inovação tecnológica, contribuindo para o bem-estar das pessoas e para o desenvolvimento social.

A nível nacional, o Decreto-Lei n.º 97/95, de 10 de maio, posteriormente revogado pelo Decreto-Lei n.º 80/2018, de 15 de outubro, estabeleceu a base legislativa para a criação das Comissões de Ética para a Saúde (CES), em 1995; e as atuais CE, desde 2018 nas instituições públicas do Serviço Nacional de Saúde.

Atenta a importância do desempenho das CE hospitalares na Região e a possibilidade efetiva de reforçar o desempenho de cada uma pela articulação entre todas, bem como estender o exercício destas funções a todas as Unidades de Saúde de Ilha e a outras instituições que dela careçam, integrando estes desideratos no contexto alargado da relevância social da evolução científica e das tecnologias emergentes, com as competências e atribuições próprias da Região consagradas no respetivo Estatuto Político-Administrativo, entende-se, agora, por oportuno e plenamente justificada, avançar para a criação do Comité de Ética para as Ciências e Novas Tecnologias da Saúde da Região Autónoma dos Açores (CECNTS-RAA).

Assim, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, o seguinte:

Artigo 1.º

Objeto

O presente diploma cria o Comité de Ética para as Ciências e Novas Tecnologias da Saúde da Região Autónoma dos Açores, doravante designado por CECNTS-RAA.

Artigo 2.º

Natureza e missão

1 – O CECNTS-RAA é um órgão consultivo e tem como missão proceder à análise e reflexão sobre as questões éticas suscitadas pela evolução científico-tecnológica nos domínios das ciências biológicas e da saúde, na sua vertente assistencial e de investigação, incluindo a sua dimensão humana e ambiental, e também das tecnologias digitais e da robótica, tendo em conta o impacto dos progressos destes domínios no desenvolvimento social e bem-estar das populações.

2 – Ao CECNTS-RAA compete-lhe ainda a emissão de parecer no processo de transposição ou adequação de normas, de caráter legal ou regulamentar, na área da bioética quando o âmbito das referidas disposições for regional.

Artigo 3.º

Competências do CECNTS-RAA

1 – Compete ao CECNTS-RAA:

a) Acompanhar a evolução dos problemas éticos suscitados pelos progressos científico-tecnológico nos domínios das ciências biológicas e da saúde, na sua vertente assistencial e de investigação, incluindo a sua dimensão humana e ambiental, e também das tecnologias digitais e da robótica, na influência que possam ter no desenvolvimento social e bem-estar das populações;

b) Emitir pareceres sobre os problemas a que se refere a alínea anterior, quando tal lhe seja solicitado nos termos do artigo 8.º ou por sua iniciativa;

c) Colaborar, a nível regional, nacional e internacional, com outras entidades relevantes no âmbito da ética aplicada, tendo em vista a partilha das melhores práticas;

d) Colaborar com os serviços e profissionais das instituições de saúde, no domínio da ética aplicada, promovendo a harmonização dos pronunciamentos e das práticas, e muito particularmente com as CE hospitalares, no âmbito do desempenho das suas funções e necessidade de formação;

e) Promover a formação em ética aplicada às ciências da vida de profissionais de saúde e de investigadores no domínio humano e animal;

f) Manter registo atualizado de todos os projetos de investigação em saúde, clínicos e observacionais, em curso na Região, a partir da sua notificação ao CECNTS-RAA pela CEIC, pelas CE hospitalares, pela Universidade dos Açores, ou por outros organismos em que possam decorrer;

g) Pronunciar-se, a pedido das CE, ou outros organismos sem CE, sobre a aprovação de projetos de investigação clínica e sobre a suspensão ou revogação da autorização para a sua realização;

h) Divulgar legislação, normativas e demais informações regionais, nacionais e internacionais relevantes no âmbito das suas competências;

i) Prestar assistência ética e mediação na tomada de decisões que afetem a prática assistencial e a integridade científica, sempre que solicitado, nomeadamente por técnicos ou utentes do Serviço Regional de Saúde (SRS).

2 – O CECNTS-RAA pode delegar as competências previstas nas alíneas c), d), e), h) e i) do número anterior, na comissão coordenadora prevista no n.º 2 do artigo 5.º

Artigo 4.º

Composição

1 – O CECNTS-RAA é constituído por nove membros, oriundos da comunidade científica e técnica superior na área da Ética, Ciências Biológicas e da Saúde, Ciências Sociais e Humanas e Ciências Jurídicas, e preferencialmente dos Hospitais da RAA e das Unidades de Saúde de Ilha, da Universidade dos Açores e centros de investigação, tendo em conta a diversidade de competências e o equilíbrio de género.

2 – A nomeação dos membros do CECNTS-RAA é efetivada por portaria do membro do Governo Regional com competência em matéria de saúde.

3 – O mandato dos membros do CECNTS-RAA inicia-se com a tomada de posse perante o membro do Governo Regional com competência em matéria de saúde.

4 – O CECNTS-RAA elege, de entre os seus membros, um presidente e um vice-presidente.

Artigo 5.º

Funcionamento

1 – O CECNTS-RAA estabelece em regulamento interno a disciplina do seu funcionamento.

2 – O CECNTS-RAA elege, de entre os seus membros, um membro para integrar uma comissão coordenadora, de natureza executiva e caráter permanente.

3 – A comissão coordenadora é composta por três membros, incluindo, por inerência, o presidente e o vice-presidente do CECNTS-RAA.

4 – Compete à comissão coordenadora:

a) Acompanhar a gestão do CECNTS-RAA;

b) Exercer as competências que lhe tenham sido delegadas pelo CECNTS-RAA.

5 – Por deliberação em plenário podem ainda ser criadas comissões especializadas para análise de questões específicas.

Artigo 6.º

Mandato

O mandato dos membros do CECNTS-RAA é de três anos, podendo ser renovado por iguais períodos.

Artigo 7.º

Competências do presidente e do vice-presidente

1 – Compete ao presidente do CECNTS-RAA:

a) Convocar as reuniões do CECNTS-RAA;

b) Presidir às reuniões;

c) Representar o CECNTS-RAA junto de outros organismos e instituições relacionadas;

d) Emitir relatório final de todos os pareceres a enviar aos requerentes;

e) Zelar pelo normal funcionamento do CECNTS-RAA, nomeadamente no cumprimento dos prazos estabelecidos em regulamento interno para emissão de pareceres;

f) Zelar pelo cumprimento de todos os requisitos éticos para investigação científica em curso na RAA.

2 – Compete ao vice-presidente:

a) Substituir o presidente nas suas faltas ou incapacidade;

b) Coadjuvar o presidente nas tarefas de gestão documental e emissão de relatórios.

Artigo 8.º

Pareceres

1 – Podem solicitar ao CECNTS-RAA a emissão de pareceres:

a) A Presidência, os Grupos e Representações Parlamentares da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores;

b) O Governo da Região Autónoma dos Açores;

c) Órgãos de gestão de instituições públicas ou privadas, nomeadamente universidades, escolas ou institutos superiores de saúde;

d) Qualquer profissional de saúde do SRS, ou de instituições ou organismos privados da área da saúde com sede na Região, investigadores de universidades e de escolas ou institutos superiores de saúde;

e) O Provedor do Utente de saúde;

f) Os doentes ou seus representantes através de pedido efetuado diretamente ou junto das instituições onde ocorre o dilema ou conflito ético assistencial;

g) As delegações regionais das ordens profissionais, no âmbito das suas competências específicas.

2 – O CECNTS-RAA pode também emitir pareceres por iniciativa própria sobre matérias no âmbito das suas competências.

3 – Os pareceres emitidos pelo CECNTS-RAA serão sempre transmitidos sob a forma escrita, sem caráter vinculativo, sem prejuízo do disposto no regime legal relativo à realização de ensaios clínicos em seres humanos.

4 – O CECNTS-RAA pode ouvir as pessoas e as entidades que considere necessárias para a emissão de pareceres.

5 – Os pareceres emitidos pelo CECNTS-RAA não são públicos, salvo decisão das entidades requerentes e desde que garantida a privacidade e confidencialidade da matéria envolvida.

Artigo 9.º

Independência

No exercício das suas funções, os membros do CECNTS-RAA gozam de total independência relativamente a todos os órgãos de gestão do SRS, bem como das suas instituições de origem.

Artigo 10.º

Confidencialidade

Os membros do CECNTS-RAA estão sujeitos ao dever de sigilo sobre todos os assuntos que apreciem ou tenham conhecimento no exercício das suas funções.

Artigo 11.º

Impedimentos

1 – Os membros do CECNTS-RAA estão sujeitos ao regime de impedimentos consagrado no Código do Procedimento Administrativo.

2 – Os membros do CECNTS-RAA que se encontrem numa situação de conflito de interesses em relação a determinada questão levada ao CECNTS-RAA, comunicam essa situação antes da análise do processo, não se encontrando presentes na discussão e votação da mesma e ficando tal facto registado em ata.

3 – A omissão de declaração de impedimento ou conflito de interesses terá como consequência a inexistência do parecer.

Artigo 12.º

Apoio logístico, administrativo e financeiro

1 – O apoio logístico, administrativo e financeiro necessário ao funcionamento do CECNTS-RAA é da responsabilidade do gabinete do membro do Governo Regional com competência em matéria de saúde em termos a definir por portaria.

2 – O CECNTS-RAA mantém atualizado um arquivo, do qual consta toda a documentação, o qual oferece garantias de segurança que salvaguarda a confidencialidade e privacidade dos dados e documentos.

Artigo 13.º

Remuneração

1 – Aos membros do CECNTS-RAA não é devida, por esta atividade, qualquer remuneração, gozando dispensa de serviço na origem quando em trabalho no CECNTS-RAA.

2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, sempre que haja deslocações de qualquer membro em serviço do CECNTS-RAA, devem ser atribuídas ajudas de custo, transporte e alojamento nos moldes a definir por portaria do membro do Governo Regional responsável.

Artigo 14.º

Relatório anual

O CECNTS-RAA elabora um relatório anual sobre a sua atividade, o qual deve ser enviado à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, ao membro do Governo Regional com competência em matéria de Saúde e posteriormente publicado nas respetivas páginas eletrónicas.

Artigo 15.º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no dia seguinte à respetiva publicação.

Aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na Horta, em 9 de julho de 2020.

A Presidente da Assembleia Legislativa, Ana Luísa Luís.

Assinado em Angra do Heroísmo em 30 de julho de 2020.

Publique-se.

O Representante da República para a Região Autónoma dos Açores, Pedro Manuel dos Reis Alves Catarino.»