Estratificação dos Doentes Relativamente à sua Capacidade de Reparação do ADN é uma Linha de Investigação Bastante Promissora

A Academia das Ciências Sueca atribuiu, dia 7 de outubro, em Estocolmo, o Prémio Nobel da Química 2015 a Thomas Lindahl, investigador no Instituto Francis Crick e Laboratório Clare Hell (Reino Unido), Paul Modrich, investigador no Instituto Médico Howard Hughes e Faculdade de Medicina da Universidade Duke (Estados Unidos), e Aziz Sancar, investigador na Carolina do Norte (Estados Unidos). Os três cientistas conseguiram mapear, a nível molecular, a forma como reparar as células danificadas, permitindo também salvaguardar a informação genética.

Para perceber um pouco melhor o que são e como funcionam os mecanismos de reparação de ADN, conversamos com Maria João Silva, responsável pelo grupo de investigação em toxicologia genética do Departamento de Genética Humana do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (instituto Ricardo Jorge). Nesta entrevista, a investigadora explica também a relevância destes estudos na prevenção e tratamento do cancro e o trabalho desenvolvido pelo Instituto Ricardo Jorge nesta área.

Todos os dias o nosso material genético sofre erros e alterações. O que aconteceria se as nossas células não fossem capazes de corrigir esses erros e alterações?

O genoma das células constituintes do nosso organismo sofre, frequentemente, agressões externas causadas pela interação constante com os stressores ambientais, sendo absolutamente fundamental que as lesões sofridas pela molécula de ADN sejam fielmente corrigidas, por forma a manter a estabilidade da informação genética. A ocorrência de falhas na maquinaria celular com funções de reparação das lesões do ADN irá gerar a acumulação de alterações, ou mutações, e uma instabilidade no genoma da célula. Essa instabilidade conduz, frequentemente, a estados de envelhecimento e morte celular ou pode contribuir para uma transformação da célula no sentido da malignidade.

Os estudos das últimas décadas, que tiveram o enorme contributo dos laureados com o Prémio Nobel da Química deste ano, permitiram desvendar os mecanismos moleculares subjacentes a vários processos de reparação do ADN e, assim, compreender também as causas de algumas doenças. Efetivamente, sabe-se que uma redução dessa capacidade de reparação está, de uma forma geral, associada a uma aceleração do processo de envelhecimento e a um risco acrescido de desenvolvimento de cancro.

A título de exemplo, refiro as síndromes de instabilidade cromossómica cuja etiologia se relaciona com a deficiência na reparação do ADN (p.ex., a ataxia telangiectasia, anemia de Fanconi e Xeroderma pigmentosum), e cujos doentes manifestam uma elevadíssima predisposição para o desenvolvimento de cancro em idades muito jovens. São também já conhecidas formas hereditárias de cancro familiar (p.ex.,de cancro colo-rectal), relacionadas com uma deficiente capacidade de reparar erros no emparelhamento das bases da molécula do ADN.

Por que motivo acontecem estas modificações ao nível do ADN?

Existem inúmeros stressores ambientais, a que estaremos expostos ao longo da nossa vida, e que ao interagir com o genoma das células afetam a estrutura ou a integridade da molécula de ADN, os chamados agentes genotóxicos. Estes abrangem os agentes físicos (p.ex., raios X e raios ultravioleta) e uma enorme diversidade de agentes químicos (e suas misturas) de origem natural ou de síntese, incluindo algumas nanopartículas, o fumo do tabaco, poluentes orgânicos persistentes provenientes de processos industriais, ou toxinas produzidas por fungos ou bactérias. Para além da exposição de origem ambiental, existe uma preocupação particular com a exposição dos trabalhadores a agentes com potencial genotóxico em ambiente ocupacional, visto que se trata dos primeiros cidadãos a serem expostos aos produtos das tecnologias e, se não houver prevenção adequada, a sofrerem os seus efeitos potenciais.

É possível explicar sucintamente de que forma estes mecanismos de reparação da informação genética funcionam?

A reparação do ADN é um processo geral de manutenção da integridade do genoma dos organismos vivos em resposta à agressão genotóxica. De uma forma muito simplificada, pode dizer-se que todas as células do nosso organismo possuem um sistema de vigilância que emite sinais de alerta imediatamente após a ocorrência de uma lesão no ADN, por forma a acionar a maquinaria complexa e perfeitamente articulada que visa reparar essa lesão. Essas funções concertadas de vigilância e reparação são de tal forma fundamentais para a célula que, embora existindo uma certa especificidade das vias de reparação consoante o tipo de lesão detetada, verifica-se também uma apreciável sobreposição para que nada falhe. Por exemplo, quando ocorre a ligação de um grupo químico estranho a uma base azotada da molécula de ADN, a primeira ação será no sentido de remover essa lesão através do corte da cadeia de ADN por um conjunto de proteínas específicas, sendo que seguidamente ocorrerá a reconstrução fiel da lacuna formada com o auxílio das chamadas polimerases de ADN.

Qual a relevância dos estudos dos mecanismos do ADN para a prevenção e tratamento do cancro?

Muito embora o resultado concertado da atuação da maquinaria de reparação deva resultar num complemento genómico inalterado, por vezes tal não se verifica, resultando antes em instabilidade genómica que, como já foi referido, poderá conduzir ao desenvolvimento de neoplasias malignas. O conhecimento da implicação de deficiências em sistemas de reparação do ADN na etiologia de algumas formas hereditárias de cancro familiar tem contribuído primordialmente para a sua prevenção através da disponibilização do seu diagnóstico pré-sintomático aos familiares de doentes em risco.

É, por exemplo, o caso de doentes com cancro colo-rectal ou cancro da mama familiar, cujo diagnóstico é realizado na Unidade de Genética Molecular do Departamento de Genética Humana do Instituto Ricardo Jorge. Ainda ao nível do diagnóstico, também a Unidade de Citogenética em colaboração com o meu grupo disponibiliza o diagnóstico citogenético de algumas síndromes de instabilidade cromossómica, tal como a ataxia telangiectasi. No caso do tratamento do cancro, a estratificação dos doentes relativamente à sua capacidade de reparação do ADN é uma linha de investigação bastante promissora, permitindo no futuro uma intervenção terapêutica mais personalizada.

Qual tem sido o trabalho desenvolvido pelo Departamento de Genética Humana do Instituto Ricardo Jorge nesta área e que resultados têm sido conseguidos?

O meu grupo de investigação em Toxicologia Genética tem desenvolvido o seu trabalho na área da genotoxicidade ambiental, no sentido caracterizar os efeitos genotóxicos e carcinogénicos decorrentes da exposição humana a stressores químicos, físicos e biológicos e os mecanismos moleculares subjacentes a esses efeitos. De entre esses mecanismos, temo-nos focado também nos mecanismos de reparação de ADN, recorrendo a sistemas experimentais in vitro (células humanas) e in vivo.

No sentido de investigar o papel de uma proteína central em alguns processo de reparação de ADN, a poli (ADP-ribose) polimerase-1 (Parp1) criámos um novo modelo de ratinho Knockout/transgénico, ou seja, com inativação do gene Parp1 e contendo um gene bacteriano para análise de mutações. A utilização deste modelo permitiu-nos contribuir para a compreensão dos mecanismos de reparação de lesões induzidas in vivo, tendo em conta toda a complexidade de um organismo.

Outra linha igualmente importante tem sido a caracterização de indicadores de suscetibilidade genética relacionados com a capacidade individual de reparação do ADN numa tentativa de relacionar essa variabilidade genética com o risco de desenvolvimento de cancro em grupos populacionais expostos a determinados stressores, particularmente em ambiente ocupacional.

Resumo das Comunicações Orais Apresentadas na 4ª Reunião da Vigilância Epidemiológica da Gripe em Portugal – INSA

O Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Instituto Ricardo Jorge), através do seu Departamento de Doenças Infeciosas, promoveu, dia 6 de outubro, em colaboração com a Direção-Geral da Saúde, a 4ª Reunião da Vigilância Epidemiológica da Gripe em Portugal. O evento teve lugar no auditório do Instituto Ricardo Jorge, em Lisboa, e foi transmitido por videoconferência para o Centro de Saúde Pública Doutor Gonçalves Ferreira, no Porto, e Hospital Dr. Nélio Mendonça, no Funchal.

Fortalecer a comunicação entre todos os interessados nas questões da vigilância epidemiológica da gripe e no programa de vigilância, contribuindo para a melhoria contínua do Programa Nacional da Vigilância da Gripe (PNVG) nas suas múltiplas vertentes, foi um dos objetivos da sessão. Compete ao DDI, através do através do seu Laboratório Nacional de Referência para o Vírus da Gripe, a vigilância epidemiológica da gripe, em colaboração com o Departamento de Epidemiologia do Instituto Ricardo Jorge.

A reunião contou com a presença de mais de 100 pessoas, entre estas o vogal do Conselho Diretivo do Instituto Ricardo Jorge, José Maria Albuquerque, e a subdiretora-geral da Saúde, Graça Freitas. No encontro foram divulgados os resultados da vigilância clínica e laboratorial da época 2014/2015, incluindo informação sobre casos graves, mortalidade e severidade, sistemas de deteção precoce da epidemia de gripe, vacinação antigripal, bem como estratégias de intervenção em saúde pública em situações de baixa efetividade vacinal. Foi também feito um ponto de situação sobre a vigilância da gripe aviária e a situação atual do Síndrome Respiratória do Médio oriente (MERS-CoV) em Portugal.

Consulte o resumo das comunicações orais apresentadas na 4ª Reunião da Vigilância Epidemiológica da  Gripe em Portugal. No âmbito desta reunião, o Instituto Ricardo Jorge divulgou as seguintes publicações sobre a vigilância da gripe em Portugal referentes à época 2014/2015.

Veja aqui o resumo das comunicações orais

Veja a página do resumo das comunicações orais

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Relatório EuroEVA: Efetividade da Vacina Antigripal em Portugal: Época 2014/2015 – INSA

No âmbito da 4ª Reunião da Vigilância Epidemiológica da Gripe em Portugal, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Instituto Ricardo Jorge) divulga o relatório anual Influenza Vaccine Effectiveness in Portugal, Season 2014/2015, elaborado pelo Departamento de Epidemiologia e pelo Laboratório Nacional de Referência para o Vírus da Gripe do Departamento de Doenças Infeciosas do Instituto Ricardo Jorge.

Esta publicação divulga a descrição da componente portuguesa (EuroEVA) do projeto europeu I-MOVE (Monitoring the effectiveness of antiflu vaccine during seasonal epidemics and pandemics in the European Union). Algumas das principais conclusões são:

  • Na época 2014/2015, verificou-se que a efetividade da vacina antigripal para a população alvo foi 65%, valor ligeiramente superior em relação à efetividade estimada na população em geral (63,4%);
  • Estes resultados indicam que a vacina antigripal nesta época conferiu uma proteção moderada para a infeção pelo vírus da gripe.

Os resultados obtidos no relatório constituem informação útil para a orientação e planeamento de medidas de prevenção e controlo da gripe de forma precisa.

Veja o Relatório EuroEVA: época 2014/2015 – Em língua inglesa

Veja a página do Relatório EuroEVA: época 2014/2015

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Relatório “Vacinação Antigripal da População Portuguesa na Época 2014/2015” – INSA

No âmbito da 4ª Reunião da Vigilância Epidemiológica da Gripe em Portugal, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Instituto Ricardo Jorge) divulga o relatório “Vacinação antigripal da população portuguesa na época 2014/2015”, elaborado pelo seu Departamento de Epidemiologia.

Esta publicação divulga a cobertura e caraterísticas do ato vacinal referente a 2014/2015. Alguns dos principais resultados são:

  • As estimativas da cobertura da vacina antigripal na época 2014-2015:
    • 17,1% na população geral;
    • 50,9% nos indivíduos com 65 e mais anos;
    • 33,0% nos indivíduos portadores de doenças crónicas.
  • A estimativa pontual da taxa de cobertura da vacina antigripal na população em geral é equivalente à estimada na época anterior (2013/2014);
  • Na população com 65 ou mais anos verifica-se um aumento absoluto de 1% em comparação com a estimativa de cobertura na época anterior 2013-2014 (49,9%);
  • O aumento da cobertura vacinal na população com 65 e mais anos de idade observado na época 2014/2015 encontra-se em linha com o verificado na época anterior (2013/2014) e pode estar relacionado com o início da gratuidade da vacina distribuída à população idosa, iniciada na época 2012/2013.

Veja o Relatório ECOS – época 2014/2015

Veja a página do Relatório ECOS – época 2014/2015

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Programa Nacional de Vigilância da Gripe: Relatório da Época 2014/2015 – INSA

No âmbito da 4ª Reunião da Vigilância Epidemiológica da Gripe em Portugal, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Instituto Ricardo Jorge) divulga o relatório anual do Programa Nacional de Vigilância da Gripe referente à época 2014/2015.

As atividades do Programa Nacional de Vigilância da Gripe (PNVG) são desenvolvidas pelo Laboratório Nacional de Referência para o Vírus da Gripe, do Departamento de Doenças Infeciosas, e pelo Departamento de Epidemiologia do Instituto Ricardo Jorge, em colaboração com a Direção-Geral da Saúde, assegurando a vigilância epidemiológica da gripe em Portugal através da caraterização clínica e laboratorial da doença.

Esta publicação divulga a descrição da atividade gripal no inverno de 2014/2015. Algumas das principais conclusões são:

  • Durante o inverno 2014/2015 a atividade gripal foi elevada. O período epidémico prolongou-se entre as semanas 1 e 8/2015, com um valor máximo da taxa de incidência de 175,3 casos de SG por 100 000 habitantes na semana 1/2015;
  • Os vírus influenza B circularam de forma predominante, com especial destaque no início do período epidémico. Mais tardiamente verificou-se a co-circulação do vírus do tipo B com o vírus influenza A(H3);
  • A análise antigénica e genética dos vírus que circularam, com maior predomínio, durante a presente época mostrou diferenças relativamente às estirpes vacinas de 2014/2015;
  • No âmbito da vigilância da gripe em UCI, foram reportados 93 casos de gripe na época de 2014/2015. As admissões por gripe em UCI foram mais elevadas na semana 6/2011 sendo que os vírus influenza dos tipos A e B foram detetados em proporções semelhantes nestes casos de infeção respiratória grave.

Os resultados obtidos no relatório constituem informação útil para a orientação e planeamento de medidas de prevenção e controlo da gripe de forma precisa.

Veja aqui o Relatório PNVG: época 2014/2015

Veja aqui a página do Relatório PNVG: época 2014/2015

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Boas Práticas na Promoção da Saúde e Prevenção Primária de Doenças Crónicas

O projeto europeu JA-CHRODIS (Joint Action on Chronic Diseases and Promoting Healthy Ageing Across the Life Cycle) publicou recentemente um relatório sobre boas práticas na promoção da saúde e prevenção primária de doenças crónicas. Esta publicação tem como objetivo fundamental promover o intercâmbio de boas práticas no combate às doenças crónicas entre os vários países e regiões da União Europeia (EU).

O relatório em questão contém 41 exemplos de boas práticas de 13 países parceiros do projeto JA-CHRODIS, refletindo uma ampla gama de áreas das diversas, em todo o ciclo de vida do ser humano. Dentro destes exemplos contam-se igualmente políticas e estratégias desenvolvidas a nível governamental.

Para esta iniciativa agora apresentada, cada parceiro do JA-CHRODIS apresentou três ou mais exemplos promissores ou já baseados em evidências mensuráveis, com a colaboração de instituições públicas e da sociedade civil. Procurou-se dar uma especial atenção a práticas que demonstraram ter um impacto positivo sobre o estado de saúde das populações, com foco em grupos vulneráveis.

Aspetos como a transferibilidade e aplicabilidade a outras realidades regionais ou nacionais foram também explorados, através de uma descrição detalhada dos parceiros e estruturas e do contexto local onde as práticas foram implementadas. Isto porque se considera que a avaliação da aplicabilidade e possibilidade de transferência dos projetos poderia ser melhorada através de um conhecimento completo da intervenção realizada e da sua configuração e estruturas local, uma vez que a intervenção em saúde pública depende muito do contexto.

Portugal contribuiu com as seguintes boas práticas:

  • Diabetes Prevention and Screening in Vulnerable Populations of the Metropolitan Lisbon Area;
  • Up-to-date health – Running and Walking Centre in Tondela;
  • National Programme for the Promotion of Healthy Eating

O JA-CHRODIS é uma iniciativa desenvolvida por um consórcio europeu, tendo como principal objetivo é a prevenção de doenças crónicas e a promoção do envelhecimento saudável na população europeia ao longo do ciclo de vida. Este projeto conta com o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Instituto Ricardo Jorge), através do seu Departamento de Promoção da Saúde e Prevenção de Doenças Não Transmissíveis, como parceiro associado.

Um dos principais objetivos do JA-CHRODIS é precisamente facilitar o intercâmbio de boas práticas entre países e regiões da UE no combate às doenças crónicas, através da identificação e divulgação de intervenções eficazes na promoção da saúde e prevenção das doenças crónicas. Entre estas, com especial destaque para as doenças cardiovasculares, incluindo o acidente vascular cerebral e a diabetes.

Dentro deste quadro, os principais fatores de risco – como a dieta, inatividade física, a redução de danos álcool e do tabaco – são abordados juntamente com os determinantes sociais e económicos mais amplos que os criam. Este objetivo é conseguido através da recolha de experiências, intervenções e planos, envolvendo 38 organizações de 22 Estados-Membros, bem como a Noruega e a Islândia, que apoiam a identificação e seleção das intervenções potencialmente efetivas para a troca ou transferência dessas intervenções para outras configurações, adaptadas à realidade de outros países que as pretendam implementar.

Fique a conhecer aqui as 41 boas práticas

Mais informações sobre o JA-CHRODIS aqui

Entrevista a Peter Jordan: Fator Genético no Cancro é Baixo Comparado com Alterações no Sentido de um Estilo de Vida Mais Saudável

Peter Jordan, Departamento de Genética Humana
PETER JORDAN: “FATOR GENÉTICO NO CANCRO É BAIXO COMPARADO COM ALTERAÇÕES NO SENTIDO DE UM ESTILO DE VIDA MAIS SAUDÁVEL”

Peter Jordan é investigador do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Instituto Ricardo Jorge). Numa breve entrevista, fala-nos sobre a investigação que vem sendo desenvolvida pela sua equipa, sobre o cancro e a genética e sobre a complexidade da luta contra esta doença.

Uma equipa de investigadores por si coordenada, que envolve Investigadores do Instituto Ricardo Jorge e do Instituto de Biosistemas e Ciências Integrativas (BioISI), da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, identificaram um passo molecular no início do desenvolvimento de subtipo de tumores do cólon. Os resultados desse trabalho foram publicados na versão online da revista Cancer Letters. Peter Jordan é investigador do Departamento de Genética Humana e Doutorado em Biologia.

As recentes conclusões a que a sua equipa de investigação chegou no cancro do cólon trazem que melhorias concretas para o tratamento da doença?

Os resultados agora publicados foram obtidos em linhas celulares cultivadas em laboratório, e não a partir de material de doentes. Eles demostram um princípio molecular que poderá ocorrer em cerca de 15 por cento dos tumores do cólon, mas trata-se de um resultado da investigação fundamental obtido num modelo celular que terá ainda um caminho longo para chegar a melhorias concretas no tratamento. Para isso, terá de ser primeiro determinado o valor preditivo da proteína codificada por Rac1b como biomarcador neste subtipo de tumores do cólon designado, por adenomas serreados. De seguida, será preciso identificar as condições que levam ao aumento da produção desta proteína, e de momento estudamos a hipótese de que uma condição inflamatória do intestino poderá estar envolvida. Só no seguimento destes conhecimentos novos poderíamos propor uma terapêutica anti-inflamatória para prevenir o desenvolvimento deste subtipo de tumores.

Algo que o público talvez não tenha ainda grande noção é que a componente genética tem, também, uma forte importância em diversos tipos de cancros. Somos vítimas dos nossos próprios genes? Como podemos alterar a herança genética que carregamos para reduzir a probabilidade de sofrer alguns tipos de cancro?

Uma causa verdadeiramente genética por detrás de alguns tipos de cancro, como o do cólon, da mama ou do estômago, existe de facto, mas só torna ‘vitimas de genes defeituosos’ uma percentagem muito reduzida dos doentes com cancro, nomeadamente à volta de cinco por cento. A grande maioria dos doentes tem genes perfeitamente normais e desenvolvem cancros ‘esporádicos’, ou seja, sem história familiar.

Entretanto, poderão ter no seu património genético variantes de genes normais que modulam a eficácia de alguns genes e dos seus produtos, as proteínas, e desta forma permitir que tumores se formam com mais facilidade. No entanto, a evidência epidemiológica de que o cancro poderá ser prevenido por simples medidas que alteram o estilo de vida, é esmagadora e indica que não somos puramente vítima dos genes que herdamos mas antes da influência do fator externo, do  ‘ambiente’.

Para além disso, desde há 15 anos conhecemos a sequência completa do genoma humano e inúmeros estudos tem procurados essas variantes de genes que possam tornar uma pessoa mais suscetível ao desenvolvimento do cancro, ou de outras doenças crónicas. Mas, de um modo geral, só foram descobertas variantes com efeitos reduzidos sobre a progressão da doença. Isto significa que existem de facto variantes de genes na população que possam nos tornar mais suscetível para desenvolvermos um certo tipo de tumor, mas o peso que este fator tem é baixo comparado com alterações no sentido de um estilo de vida mais saudável, como por exemplo de não-fumar, ter atividade física regular, reduzir o consumo de carne e evitar gordura abdominal e excesso de peso.

No caso das famílias com cancro hereditário em que o gene mutado seja conhecido existe a possibilidade teórica de corrigir o defeito por terapia génica. Mas seria necessário poder alvejar as células responsáveis pela regeneração constante que, por exemplo o cólon apresenta e não existe tecnologia para tal. Na prática um acompanhamento clínico apertado e o recurso a cirurgia ou profilaxia farmacológica, permite na maioria dos casos uma vida de muitas décadas.

A luta contra o cancro é feita de muitos pequenos passos. No caso do trabalho que vem desenvolvendo, existe alguma espécie de “luta contra o tempo”?

Já se fala há muito tempo da luta contra o cancro e temos aprendido ao longo dos anos com progressos e retrocessos que a doença é muito complexa. Neste sentido, continua ser importante continuar a investigação dos pequenos passos, mas uma solução revolucionária para acabar com a maioria dos tipos de cancro não está a vista ou ao alcance de um esforço contra o tempo.