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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo: é admissível a atribuição cumulativa de juros indemnizatórios e de juros moratórios sobre a mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 4/2017 – Diário da República n.º 180/2017, Série I de 2017-09-18
Supremo Tribunal Administrativo
Uniformiza/confirma a jurisprudência do STA, nos seguintes termos: Face ao preceituado no n.º 5 do art. 43.º da LGT, na redacção dada pela Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro, é admissível a atribuição cumulativa de juros indemnizatórios e de juros moratórios, calculados nos termos deste preceito legal, sobre a mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo
«Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 4/2017
Acórdão do STA de 07-06-2017, no Processo n.º 279/17 – Pleno da 2.ª Secção
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
A Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada, recorre do acórdão proferido pelo TCA Sul, datado de 27.10.2016, que concedeu provimento ao recurso que havia sido interposto por “A…, CRL”, ao abrigo do disposto no artigo 152.º do CPTA, por o mesmo se encontrar em evidente oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o acórdão proferido pelo mesmo Tribunal Central Administrativo, datado de 28.04.2016, recurso n.º 08784/15.
Alegou, tendo concluído:
I. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência vem interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 27 de Outubro de 2016 no Proc. n.º 095549/16, o qual reconheceu o direito à então Recorrente a juros de mora, contados desde 01.01.2012, até à emissão da nota de crédito em 24.07.2012, nos termos do disposto no n.º 5 do art. 43 º da LGT, a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas do Estado e outras entidades públicas.
II. Todavia, o entendimento perfilhado no acórdão recorrido colide frontalmente com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul prolatado em 28 de Abril de 2016, no âmbito do Proc. n.º 08784/15, já transitado em julgado, bem como da jurisprudência emanada em acórdãos proferidos por aquele TCA Sul, entre os quais nos permitimos destacar o Acórdão proferido no Proc. n.º 08311/14 de 23.04.2015, mais recentemente o Acórdão do TCAS proferido no âmbito do Proc. n.º 09624/16 de 13.07.2016 e de jurisprudência emanada por esse Colendo Tribunal.
III. Ou seja, o acórdão sob escrutínio (acórdão do TCAS proferido no Proc. n.º 09549/16 de 27.10.2016), encontra-se em manifesta contradição com o acórdão fundamento proferido por aquele Colendo Tribunal no âmbito do Proc. n.º 08784/15 em 28 de Abril de 2016, pois, enquanto que o acórdão recorrido reconhece o direito a juros moratórios e indemnizatórios de forma cumulativa e no que respeita ao mesmo período de tempo (entre 01.01.2012 a 24.07.2012), em sentido diametralmente oposto se pronunciou o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 28 de Abril de 2016, no âmbito do Proc. n.º 08784/15, o qual reitera peremptoriamente, ser legalmente inadmissível a condenação de juros indemnizatórios e moratórios sobre a mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo.
IV. Antes de mais atente-se que, no caso vertente, se encontram reunidos os supra elencados requisitos para que se tenha por verificado o recurso por uniformização de jurisprudência, pois existe identidade entre as situações de facto, entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, tendo em conta que em ambos os arestos estava em causa a apreciação no mesmo período temporal do direito a juros indemnizatórios e moratórios, estando ainda em causa situações idênticas relativamente ao pagamento da quantia em dívida acrescida de juros indemnizatórios, e a apreciação, no mesmo período temporal, do direito a juros de mora.
V. Donde, entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento há uma identidade de situações de facto, na medida que em ambos os casos, é apreciada a condenação da Recorrente ao pagamento de juros indemnizatórios e moratórios sobre a mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo.
VI. A questão fundamental de direito apreciada, quer no acórdão recorrido quer no acórdão fundamento é ainda idêntica, – ou seja, saber se face ao preceituado no n.º 5 do Art. 43.º da LGT, na redacção dada pela Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro, é admissível a atribuição cumulativa de juros indemnizatórios e juros moratórios sobre a mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo, entendendo acórdão recorrido – secundado por alguma doutrina – que a norma constante do n.º 5 do Art. 43.º da LGT, é uma norma de carácter excepcional e de natureza sancionatória, e por esse facto são cumuláveis juros moratórios com juros indemnizatórios, enquanto que o acórdão fundamento entendeu em sentido diametralmente oposto, ou seja, ser legalmente inadmissível a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios e juros de mora sobre a mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo.
VII. Resulta assim que, entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir no presente recurso, devendo, consequentemente, ser anulada a decisão recorrida, que deve ser substituída por novo acórdão que, no sentido aqui defendido pela Recorrente, definitivamente, decida a questão controvertida.
VIII. Tendo a fundamentação vertida quer em decisões proferidas anteriormente por esse Colendo Tribunal quer em acórdão do TCAS, é inequívoca a conclusão de que é legalmente inadmissível a cumulação de juros indemnizatórios com juros moratórios relativamente ao mesmo período de tempo.
IX. Pois, o acórdão recorrido ao pugnar pela cumulação de juros indemnizatórios e moratórios relativamente ao mesmo período de tempo contrariou a jurisprudência desse STA cuja pronúncia uniformemente tem vindo a ser no sentido de que não há cumulação de juros indemnizatórios e juros de mora relativamente ao mesmo período temporal, pois ambos destinam-se a compensar o contribuinte pela mesma privação da disponibilidade da prestação tributária indevidamente paga, pelo que não são cumuláveis relativamente ao mesmo período de tempo por não se poder justificar uma dupla compensação pela mesma privação de disponibilidade da quantia indevidamente paga (v.d. a título de exemplo o acórdão de 19.12.2001, Proc. n.º 26608, de 20.10.2004, Proc. n.º 338/04, de 02.05.2007, Proc n.º 9/7, de 02.03.2011, no Proc. n.º 0880/11 cf. ac. STA-Pleno da 2.ª Secção, 17/6/2009, rec. 447/07; ac. STA-2.ª Secção, 22/5/2013, rec. 1008/12; ac TCA Sul 2.ª Secção, 21/5/2015, proc. 8379/15; ac. T.C.A. Sul-2.ª Secção, 10/9/2015, proc. 8862/15…
X. Justamente, a Recorrente adere a este entendimento da jurisprudência, mais entendendo que o mesmo, embora anterior à introdução do n.º 5 do artigo 43.º da LGT, aditado pela Lei n.º 64-B/2011, se mantém na íntegra, na medida em que, ambos os juros (indemnizatórios e moratórios) partilham a mesma natureza indemnizatória, inexistindo cumulação de juros de mora e juros indemnizatórios no mesmo período temporal, sob pena de duplicação injustificada de reparação do mesmo prejuízo.
XI. Significava assim que existindo incumprimento da execução espontâneo do julgado e havendo lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, aos respectivos períodos de retardamento aplica-se a mesma taxa legal de 4 % ao ano, inexistindo cumulação de juros indemnizatórios e juros de mora relativamente ao mesmo período temporal (v.d. acórdão desse Colendo Tribunal de 07.09.2011. no Proc. n.º 0352/11 e ainda acórdão de 02.07.2008, no Proc. n.º 0303/08, e acórdão de 17.06.2009, no Proc. n.º 0447/07).
XII. Propalou-se assim nesse douto Tribunal no acórdão de 2013.10.09, proferido no Proc. n.º 01235/12, referindo se a impossibilidade de cumulação de juros moratórios e juros indemnizatórios que: «visando estes ressarcir os prejuízos da privação da importância indevidamente paga, não se pode justificar uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade daquela quantia…
XIII. Resulta assim que a jurisprudência firmada por esse douto tribunal, tem reiteradamente entendido que é legalmente inadmissível a cumulação de juros indemnizatórios e moratórios, sobre o mesmo período temporal.
XIV. O aditamento do n.º 5 do artigo 43.º da LGT pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, em nada contraria o entendimento acolhido na mencionada jurisprudência do STA, pois não alterou a razão de ser dos juros de mora, que continua a ser o direito do contribuinte a ser compensado pela privação de uma disponibilidade financeira, tendo por fundamento a inexecução espontânea de uma decisão judicial transitada em julgado que condena a restituição do imposto.
XV. O contexto específico do incumprimento de uma decisão judicial transitada em julgado justifica a aplicação de uma taxa de juro agravada para o dobro, que esteja em harmonia com a mora naquele incumprimento, por forma a cumular a sua função reparadora com uma função sancionatória pelo incumprimento do prazo para pagamento de dívida já reconhecida por sentença judicial.
XVI. Não se vislumbra, por conseguinte, como defende o acórdão recorrido, que o disposto no n.º 5 do Art. 43.º da LGT se esgote na prossecução de uma finalidade sancionatória, destinada a compelir a Recorrente a executar tempestivamente as decisões transitadas em julgado, uma vez que essa finalidade já é prosseguida por outros mecanismos legais que garantem o direito a tutela judicial efectiva na vertente do direito a execução das decisões judiciais, como são o disposto no Art. 159.º do CPTA, sob a epígrafe «Inexecução ilícita das decisões judiciais», que prevê a responsabilidade civil, disciplinar e criminal quando a Recorrente não cumpre os deveres que lhe incumbem em virtude de decisão judicial e o disposto no Art. 169.º do CPTA sob a epígrafe «Sanção pecuniária compulsória».
XVII. Aquele agravamento destina-se, por conseguinte, a reforçar as medidas legislativas já existentes, destinadas a compelir ao cumprimento do julgado, e, simultaneamente, a manter a função reparadora que desde sempre foi reconhecida aos juros de mora, inexistindo na letra ou no espírito da lei elementos que permitam justificar a intenção de alteração da natureza ou essência dos juros de mora, tanto mais que a integração sistemática dos juros de mora no Art. 43.º da LGT revela a partilha da sua manifesta identidade teleológica com os juros indemnizatórios, porquanto, recorde-se, tem por base e fundamento a privação da prestação tributária paga.
XVIII. Foi esse o entendimento acolhido nos mais recentes acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de que se destaca o acórdão de 23.04.2015, Proc. n.º 08311/14, o acórdão fundamento, e mais recentemente o acórdão do TCAS proferido no âmbito do Proc. n.º 09624/16 de 13.07.2016 (todos anteriores ao acórdão recorrido).
XIX. Por fim, a acolher-se o entendimento propugnado no acórdão recorrido, o legislador teria, necessariamente, acolhido no n.º 5 do Art. 43.º da LGT, uma solução legislativa manifestamente desproporcional, destituída de qualquer justificação razoável, conducente ao pagamento de juros de mora, “a uma taxa equivalente ao dobro da taxa de juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”, em cúmulo com juros indemnizatórios, o que na prática conduz ao pagamento de juros pelo retardamento a uma taxa de 11,5 % a título de juros de mora acrescida de 4 % a título de juros indemnizatórios, a que poderá ainda acrescer eventual sanção pecuniária compulsória prevista no Art. 169.º do CPTA, todos durante o mesmo período temporal.
XX. Em face da jurisprudência uniforme dos Tribunais, e caso a intenção do legislador fosse a de retirar aos juros de mora a sua natureza reparadora, era expectável que o tivesse expresso, o que de todo não fez.
XXI. Por outro lado, a leitura adoptada pela decisão recorrida não só se afigura ilegal, mas manifestamente inconstitucional, pois a lei já estabelece outros mecanismos legais para compelir a Recorrente a agir, sancionando-a pelo seu atraso na execução de decisões judiciais, mormente para assegurar o direito a tutela jurisdicional efectiva (Art. 204.º da CRP), designadamente a sanção pecuniária compulsória, para além de que a admitir-se a cumulação, a taxa de juros global a suportar pelo Estado cifrar-se-ia num juro verdadeiramente usurário, e sem paralelo na legislação vigente.
XXII. A penalização para os contribuintes, assente no dever fundamental de pagar impostos (cf. Art. 103.º, n.º 1 da CRP) e ínsita no mencionado Art. 44.º, n.º 3 da LGT, igualmente introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30.12, não faz com que tais juros corram, em paralelo no tempo, com quaisquer outros juros, não obstante a natureza aqui marcadamente sancionatória da opção pelo legislador na consagração da taxa agravada, o que leva a concluir pela inconstitucionalidade dos Artigos 43.º, 100º e 102.º, n.º 2 da LGT e 61.º do CPPT, na interpretação normativa segundo a qual há cumulação de juros indemnizatórios e de juros de mora pelo mesmo período temporal, com início após o termo do prazo para execução espontânea do julgado, porquanto tal viola o princípio constitucional da igualdade (Art. 13.º da CRP), na medida em que se estabelece um regime de taxa de juros global a suportar pelo Estado após o termo do prazo de execução espontânea da decisão judicial, bastante mais gravoso (mormente face ainda da possibilidade de cumulação de outros mecanismos coercivos, como a sanção pecuniária compulsória) do que o previsto para os contribuintes.
XXIII. Pelo exposto, a solução jurídica consagrada no acórdão recorrido colide com a jurisprudência anteriormente firmada por esse Colendo Tribunal, e com a vasta jurisprudência do TCAS, relativamente à inadmissibilidade da cumulação de juros indemnizatórios e moratórios no mesmo período temporal, encontrando-se em manifesta contradição com o entendimento propugnado no acórdão fundamento.
XXIV. Recorta-se assim, que entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir no presente recurso, devendo, consequentemente, ser anulada a decisão recorrida, que deve ser substituída por novo acórdão que, no sentido aqui defendido pela Recorrente, definitivamente, decida a questão controvertida.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogado o acórdão recorrido e substituído por outro acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente e a jurisprudência.
Contra-alegou a recorrida, nos seguintes termos:
I. Entende a Recorrida que, com as alterações introduzidas pela LOE 2012, nomeadamente, a modificação da redacção do artigo 100.º da LGT e a introdução do regime excepcional previsto no artigo 43.º, n.º 5 da LGT, o legislador pretendeu, inequivocamente, modificar a Lei no sentido de separar conceptualmente os fundamentos do pagamento de juros indemnizatórios e de juros de mora resultantes no atraso de execução do julgado, precisamente tendo em vista inflectir o sentido da jurisprudência deste Supremo Tribunal.
II. O regime de pagamento de juros de mora em caso de inexecução tempestiva de julgado, estabelecido no artigo 43.º, n.º 5 da LGT, tem uma natureza distinta do regime de juros indemnizatórios. Enquanto aqueles procuram sancionar a Administração Tributária pelo incumprimento tempestivo de decisão judicial, estes procuram ressarcir o contribuinte pela indisponibilidade de um determinado montante pecuniário. Não estão, pois, em causa institutos afins.
III. O regime hoje em vigor é especialmente severo tanto para a Administração Tributária como para o contribuinte. Contudo, a realidade demonstra uma actuação da Administração tributária sistematicamente violadora dos prazos de execução dos julgados.
IV. Refira-se, finalmente, que ao contrário do alegado, o regime de juros de mora instituído pelo artigo 43.º, n.º 5 da LGT é perfeitamente conciliável com a possibilidade de imposição de sanção pecuniária compulsória, conforme prevista no artigo 169.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), na medida em que, o regime ali previsto (artigo 43.º, n.º 5 da LGT) somente tem em vista sancionar o atraso de execução de decisão judicial, na componente relativa a imposto que deva ser restituído.
Deverá, pois, ser mantido o sentido da decisão do acórdão recorrido, aliás, em consonância com os acórdãos do Tribunal Central Administrativo de 18.02.2016 (Proc. 09163/15) e de 27.10.2016 (Proc. 09549/16).
Termos em que, deverá o Acórdão recorrido ser confirmado, mantendo-se a condenação da Administração tributária ao pagamento de juros de mora no valor de (euro) 295.453,766.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.
Cumpre decidir.
No acórdão recorrido julgou-se provada a seguinte matéria de facto:
1 – Em 17 de março de 2003 a ora Exequente foi notificada da liquidação oficiosa de IVA n.º 03020776 referente ao período de 1999 no montante de EUR 3.753.759,29 e das liquidações de juros compensatórios n.os 03020764 a 03020775, no montante total de EUR 4.614.566,50;
2 – Em 30 de julho de 2003 a ora Exequente apresentou no serviço de finanças de Oeiras 3 (Algés) impugnação judicial das liquidações de IVA e juros identificadas no ponto anterior, que correu termos no TAF de Sintra com o n.º 68/03 – 4J2S
3 – Em 16 de dezembro de 2002 a ora Exequente pagou o montante de EUR 3.753.759,29 correspondente à liquidação oficiosa de IVA n.º 03020776 “ao abrigo do DL 248-A/2002”.
4 – Em 28 de janeiro de 2011 foi proferida sentença no TAF de Sintra julgando procedente a impugnação judicial n.º 68/03-4J2S, determinando-se no respetivo segmento decisório a anulação das liquidações oficiosas de IVA e de juros compensatórios e condenando-se a Fazenda Nacional a pagar à ora Exequente juros indemnizatórios contados desde 16 de dezembro de 2002, data em que o pagamento foi efetuado, até à data da emissão da respetiva nota de crédito.
5 – Em 31 de janeiro de 2011 foi expedida pelo TAF de Sintra a notificação à representação da Fazenda Pública do teor da sentença identificada no ponto anterior.
6 – Em 11 de fevereiro de 2011 deu entrada no TAF de Sintra requerimento de recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul apresentado pela Fazenda Pública da sentença proferida pelo TAF de Sintra identificada no ponto 4.
7 – O objeto do recurso identificado no ponto anterior consistiu na parte da sentença recorrida “relativamente ao corte do direito à dedução do IVA na dedução de Rapell pela impugnante aos seus associados na importância de EUR 97.927,90”.
8 – Por despacho proferido em 15 de fevereiro de 2011 foi atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso identificado no ponto anterior.
9 – Em 4 de outubro de 2011 foi proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul acórdão, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, negando provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e confirmando a sentença identificada no ponto 4.
10 – O requerimento inicial do presente processo de execução deu entrada no TAF de Sintra em 21 de abril de 2011.
11 – Em 24/07/2012, a Administração Fiscal emitiu a favor da Exequente o cheque n.º5284068813, no montante de (euro)3.753.759,29.
12 – Em 04/09/2012, a Administração Fiscal emitiu a favor da Exequente o cheque n.º 7384069134, no valor de (euro)1.486.797,21.
No acórdão fundamento deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
A. A autora é uma instituição de crédito com sede na … que investe em obrigações dos Estados da União Europeia.
B. No dia 15-5-2002, a autora adquiriu obrigações do Tesouro (OT 5.85) da República Portuguesa (ISIN PTO-TEHOE0008), pelo valor bruto de (euro)109.189.863,01 e líquido de (euro) 100.000.000,00, através de uma central de liquidação internacional denominada “C., S. A.”, a qual opera no mercado de valores mobiliários em Portugal através do “Banco …”, na qualidade de sub-custodiante e responsável pela retenção na fonte de imposto.
C. No dia 20-5-2002, o Tesouro Português procedeu ao pagamento de juros à autora no valor de (euro)5.850.000,00, através do “Banco …”, que remeteu os juros para a “C.” e esta para a autora.
D. Na mesma data, o “Banco …” procedeu a retenção na fonte da quantia de (euro)1.170.000,00, aplicando a taxa de 20 %.
E. O “Banco …” procedeu de seguida à entrega dessa quantia de imposto retida ao IGCP.
F. No dia 21-8-2002, a autora dirigiu requerimento à Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais, intitulado “pedido de reembolso parcial do imposto português retido na fonte sobre juros, nos termos da Convenção para evitar a Dupla Tributação entre a Alemanha e Portugal”, do qual constam os dizeres “Attached please find our claim for repayment of the portuguese tax reduction at source on interests and the certificate from C. which is confirming that EURO 1.170.000,00 have been deducted. Please repay this amount to our account (…)”.
G. A autora juntou em anexo um pedido de reembolso do imposto retido, no montante de (euro)1.170.000,00, através de formulário MOD. 5 – RFI (denominado pedido de reem-bolso parcial do imposto português retido na fonte sobre dividendos, juros e royalties, nos termos da convenção para evitar a dupla tributação), nos termos que constam de fls. 19/22 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, bem como de certificado das autoridades fiscais da Alemanha, atestando a sua qualidade de residente fiscal nesse país, e de documento emitido pela “C.” atestando a data do pagamento dos juros das obrigações do Tesouro.
H. No dia 5-11-2002, a autora dirigiu novo pedido à Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais, solicitando a confirmação do recebimento do requerimento indicado no ponto F.
I. No dia 30/04/2003, a Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais remeteu à autora carta registada com aviso de recepção, com devolução do formulário MOD. 5 – RFI, para efeito de correcção do pedido de reembolso no sentido de:
– estar preenchido e ser identificada a entidade residente em Portugal/entidade devedora;
– ser indicado o intermediário financeiro residente em território português que interveio na operação.
J. No dia 28-7-2003, a autora entregou à Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais novo formulário MOD. 5 – RFI, para efeito do pedido de reembolso.
K. No dia 27-11-2003, a Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais remeteu à Autora carta registada com aviso de recepção, notificando-a para, no prazo de 15 dias, juntar os seguintes elementos:
– identificação do número de identificação fiscal da entidade emitente dos títulos;
– identificação do código do valor mobiliário (código ISIN, número internacional de identificação de valores mobiliários);
– indicação da quantidade total de títulos, indicando a data de aquisição e data do vencimento dos mesmos;
– identificação do intermediário financeiro residente em Portugal que interveio na operação, ou do intermediário financeiro não residente em Portugal que seja cliente direto do intermediário financeiro residente neste país, sendo ainda necessário que os valores mobiliários relativos à dívida pública portuguesa tenham sido registados pela entidade registadora em território português.
L. No dia 10-12-2003, a autora informou a Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais que o intermediário financeiro residente em Portugal que interveio na operação é o “Banco …” e novo formulário MOD. 5 – RFI.
M. No dia 02/02/2004, a Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais remeteu à autora carta registada com aviso de recepção, notificando-a para, no prazo de 30 dias, juntar os seguintes elementos:
– identificação do código do valor mobiliário (código ISIN, número internacional de identificação de valores mobiliários);
– indicação da quantidade total de títulos, indicando a data de aquisição e data do vencimento dos mesmos, de acordo com os registos efetuados no vosso banco.
N. No dia 2-3-2004, o “Banco …” informou a Direção de Serviços dos Benefícios Fiscais não ter qualquer registo que os referidos títulos tenham sido detidos pelo requerente.
O. Por despacho datado do dia 6-4-2004, o subdiretor-geral dos Impostos indeferiu o pedido de reembolso de IRC retido na fonte sobre juros de obrigações do tesouro relativos ao ano de 2002, com fundamento na inexistência de qualquer registo junto do intermediário financeiro residente em território português, impossibilitando a verificação da autora ter sido titular das referidas obrigações, nos termos que constam de fls. 12 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
P. No dia 3-5-2007, o subdiretor-geral dos Impostos autorizou o reembolso à autora do montante de (euro) 292.500,00, correspondente à diferença entre o imposto liquidado e cobrado à taxa de 20 % e a taxa de 15 % que é o limite máximo devido nos termos da CDT entre Portugal e a Alemanha, por se ter confirmado que a requerente suportou na totalidade o imposto retido em Portugal, pelo que é parte legítima para o pedido de reembolso do mesmo, apesar de não ter retido os títulos durante todo o período.
Q. No dia 17-9-2004, a exequente apresentou neste Tribunal Tributário de Lisboa ação administrativa especial contra o despacho de indeferimento do pedido de reembolso de IRC retido na fonte sobre juros de obrigações do tesouro relativos ao ano de 2002, proferido pelo subdiretor-geral dos Impostos no dia 6-4-2004.
R. Aí formulou como pedido a anulação do ato de indeferimento e o reembolso integral das quantias retidas à autora.
S. No âmbito daquele processo de acção administrativa especial, foi proferido acórdão no dia 28-9-2012, que julgou nos seguintes termos:
a) improcedente o pedido de impugnação da idoneidade da tradução;
b) extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, no que se refere ao montante de (euro) 292.500,00, integrado no montante global cuja restituição se requer;
c) no mais, julgar procedente por provada a presente ação administrativa especial e, em consequência, anular o ato sindicado;
d) condenar a entidade demandada a restituir à autora o montante de (euro) 877.500,00;
d) improcedente o pedido de condenação da entidade demandada como litigante de má fé;
e) condenar a entidade demandada no pagamento das custas do processo.
T. Este acórdão veio a ser confirmado por decisão do Tribunal Central Administrativo Sul, que transitou em julgado no dia 26-6-2013.
U. No dia 30-8-2013, a Direcção dos Serviços de Relações Internacionais da Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu cheque a favor da exequente, para pagamento da quantia de (euro) 877.500,00.
V. A entrega postal do referido cheque não foi conseguida.
W. No dia 7-11-2013, a Direção dos Serviços de Relações Internacionais da Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu novo cheque a favor da exequente, para pagamento da quantia de (euro) 877.500,00.
X. O qual foi entregue ao mandatário da exequente no dia 18-11-2013.
Há que apreciar.
Nos termos do disposto no artigo 152.º do CPTA, para que o recurso seja admissível têm que se verificar 4 pressupostos de verificação cumulativa, a) contradição entre acórdãos dos TCAs, entre acórdãos do STA, ou entre um acórdão do TCA e outro do STA, b) trânsito em julgado do acórdão impugnado e do acórdão fundamento, c) contradição entre a mesma questão fundamental de direito e d) a orientação perfilhada no acórdão recorrido estar desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
No presente caso estão verificados os quatro requisitos.
Apesar de este Supremo Tribunal já se ter pronunciado quanto à questão essencial, em sentido contrário ao propugnado neste recurso, ainda não se formou jurisprudência consolidada sobre a mesma, pelo que há que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
A recorrente identifica nos seguintes termos a questão fundamental de direito que os acórdãos decidiram de forma contraditória:
saber se face ao preceituado no n.º 5 do art. 43.º da LGT, na redacção dada pela Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro, é admissível a atribuição cumulativa de juros indemnizatórios e juros moratórios sobre a mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo.
Em ambos os processos estão em causa os mesmos pressupostos de facto, ou seja, estão em causa execuções de sentença de anulação de liquidações de impostos que implicavam a restituição do imposto já pago, o pagamento de juros indemnizatórios e a não devolução pela AT da quantia paga pelo contribuinte, a título de imposto, até ao fim do prazo de execução voluntária da sentença anulatória.
As normas aplicáveis são as que se encontram em vigor, em especial o disposto no artigo 43.º, n.º 5 da LGT, introduzido pela Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2012.
Como já se disse, esta questão já não é nova neste Supremo Tribunal, tendo mesmo sido decidida de forma consentânea com o que se decidiu no acórdão recorrido.
A propósito da mesma escreveu-se no acórdão datado de 01.02.2017, recurso n.º 0285/16:
A questão que se coloca nos presentes autos passa por saber se os juros de mora com taxa agravada previstos no artigo 43.º, n.º 5 da LGT, são ou não cumuláveis, no mesmo período de tempo – compreendido entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado até à data da emissão da nota de crédito – com os juros indemnizatórios que sejam devidos, cf. artigos 100.º e 43.º, n.º 1 da LGT e 65.º do CPPT…
A Recorrente defende que não … e o recorrido, tal como a sentença recorrida, defendem que sim, por entenderem que os juros de mora previstos neste n.º 5 constituem uma sanção à administração devedora e não uma reparação ao contribuinte.
O principal argumento da recorrente é o seguinte, e que resulta das conclusões E) e F): ambas as espécies de juros, indemnizatórios e moratórios, têm uma natureza indemnizatória atribuída com base em responsabilidade civil e destinando-se a reparar os prejuízos advindos ao contribuinte do desapossamento e consequente indisponibilidade de um determinado montante pecuniário – a prestação tributária. Tratam-se de duas realidades jurídicas afins com um regime semelhante, que não podem ser cumuláveis em relação ao mesmo período de tempo.
Ou seja, tendo a recorrente já pago um valor correspondente aos juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 61.º, n.º 5 do CPPT – dispõe esta norma que os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos -, não teria aplicação o disposto naquele artigo 43.º, n.º 5 da LGT – dispõe o seguinte: no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas – uma vez que os dois tipos de juros não são cumuláveis relativamente à mesma quantia e ao mesmo período de tempo por se destinarem ao mesmo fim.
Portanto, no caso dos autos, e no entender da recorrente, como já se mostram pagos os juros indemnizatórios não há lugar à aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 5 da LGT.
Ou seja, para a recorrente o disposto neste preceito legal é absolutamente inútil quando já se mostrem pagos os juros indemnizatórios relativamente ao período de tempo que vai além do termo do prazo de execução espontânea da decisão judicial transitada em julgado e até à data da emissão da nota de crédito; nem sequer tem a virtualidade de fixar uma taxa de juro diferente aos juros indemnizatórios, uma vez que a taxa dos juros indemnizatórios é a que resulta do disposto no n.º 4 do mesmo artigo 43.º
Evidentemente que esta interpretação do preceito em apreço não tem qualquer correspondência com a letra da lei e com a inserção sistemática da norma e, portanto, viola o disposto nos artigos 9.º do Código Civil e 11.º da LGT.
É certo que este n.º 5 foi aditado ao artigo 43.º por via da Lei do Orçamento de Estado de 2012 “…em conformidade como previsto no ponto 3.34-ii do Memorando de Entendimento Sobre Condicionalidades de Política Económica entre Portugal e a Troika UE/BE/FMI. Trata-se de uma disposição legal claramente destinada a dissuadir os atrasos da administração tributária na restituição aos contribuintes, dos valores indevidamente pagos, após o trânsito em julgado das decisões judiciais. Esta norma tem como contrapartida outra de idêntico teor destinada a dissuadir o atraso dos contribuintes no pagamento das dívidas fiscais em contencioso após o trânsito em julgado das decisões judiciais que confirmem os respectivos actos tributários, que foi introduzida pelo legislador no mesmo contexto, no n.º 3 do artigo 44.º- da LGT.”, cf. José M. F. Pires e outros, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, pág. 376.
Mas diferentemente deste artigo 44.º, para os casos de incumprimento por parte do contribuinte, a previsão da aplicação da taxa em dobro aos juros de mora a pagar pela AT foi introduzida no preceito legal que dispõe sobre os juros indemnizatórios, levando mesmo alguns autores a referir que tal taxa de juro “dobrada” só será devida quando forem devidos os juros indemnizatórios a que alude o artigo 43.º, cf. mesmo autor citado, pág. 377.
Ou seja, da leitura atenta que se faz deste preceito legal (artigo 43.º, n.º 5 da LGT), podemos perceber que a consideração de tal taxa de juro sancionatória justifica-se nos casos em que sejam devidos juros indemnizatórios, e no período expressamente assinalado no referido preceito legal – período de tempo que vai além do termo do prazo de execução espontânea da decisão judicial transitada em julgado e até à data da emissão da nota de crédito a favor do contribuinte; haverá, por isso, uma cumulação dos “normais” juros indemnizatórios, com os juros de mora “dobrados”, uma vez que estes mais não configuram do que uma sanção à administração relapsa.
Efectivamente, estes juros “dobrados” a favor do contribuinte, ao contrário dos juros indemnizatórios, perdem a natureza indemnizatória/reparatória que poderiam ter e apenas assumem a natureza de sanção.
De resto, se assim não fosse, mal se compreenderia que o legislador ao fixar idêntica regra para os juros que se vencem a favor da AT se tenha limitado a prever a duplicação dos juros de mora que já eram devidos, cf. artigo 44.º, n.º 3, ao passo que neste artigo 43.º, n.º 5 previu uma nova categoria de juros de mora que acompanham os juros indemnizatórios, não se tendo limitado, como naquele artigo 44.º, n.º 3, a “dobrar” os juros que sempre seriam legalmente devidos, cf. na doutrina, tal como referido na sentença recorrida, Diogo Leite Campos e outros, Lei Geral Tributária, anotada e comentada, págs. 344 e 345.
Contra esta argumentação contrapõe a recorrente, no essencial e neste recurso, os seguintes cinco argumentos (ou questões):
1 – ambos os juros, indemnizatórios e moratórios, partilham a mesma natureza indemnizatória, inexistindo cumulação de juros de mora e juros indemnizatórios no mesmo período temporal, sob pena de ocorrer dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade daquela quantia;
2 – o disposto no n.º 5 do Art. 43.º da LGT não se esgota na prossecução de uma finalidade sancionatória, destinada a compelir a Recorrente a executar tempestivamente as decisões transitadas em julgado, uma vez que essa finalidade já é prosseguida por outros mecanismos legais que garantem o direito a tutela judicial efectiva na vertente do direito a execução das decisões judiciais, como são o disposto no Art. 159.º do CPTA, sob a epígrafe «Inexecução ilícita das decisões judiciais», que prevê a responsabilidade civil, disciplinar e criminal quando a Recorrente não cumpre os deveres que lhe incumbem em virtude de decisão judicial e o disposto no Art. 169.º do CPTA sob a epígrafe «Sanção pecuniária compulsória»;
3 – a acolher-se o entendimento propugnado no acórdão recorrido, o legislador teria, necessariamente, acolhido no n.º 5 do Art. 43.º da LGT, uma solução legislativa manifestamente desproporcional, destituída de qualquer justificação razoável, conducente ao pagamento de juros de mora, “a uma taxa equivalente ao dobro da taxa de juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”, em cúmulo com juros indemnizatórios, o que na prática conduz ao pagamento de juros pelo retardamento a uma taxa de 11,5 % a título de juros de mora acrescida de 4 % a título de juros indemnizatórios, a que poderá ainda acrescer eventual sanção pecuniária compulsória prevista no Art. 169.º do CPTA, todos durante o mesmo período temporal;
4 – a admitir-se a cumulação, a taxa de juros global a suportar pelo Estado cifrar-se-ia num juro verdadeiramente usurário, e sem paralelo na legislação vigente;
5 – a penalização para os contribuintes, assente no dever fundamental de pagar impostos (cf. Art. 103.º, n.º 1 da CRP) e ínsita no mencionado Art. 44.º, n.º 3 da LGT, igualmente introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30.12, não faz com que tais juros corram, em paralelo no tempo, com quaisquer outros juros, não obstante a natureza aqui marcadamente sancionatória da opção pelo legislador na consagração da taxa agravada, o que leva a concluir pela inconstitucionalidade dos Artigos 43.º, 100.º e 102.º, n.º 2 da LGT e 61.º do CPPT, na interpretação normativa segundo a qual há cumulação de juros indemnizatórios e de juros de mora pelo mesmo período temporal, com início após o termo do prazo para execução espontânea do julgado, porquanto tal viola o princípio constitucional da igualdade (Art. 13.º da CRP), na medida em que se estabelece um regime de taxa de juros global a suportar pelo Estado após o termo do prazo de execução espontânea da decisão judicial, bastante mais gravoso (mormente face ainda da possibilidade de cumulação de outros mecanismos coercivos, como a sanção pecuniária compulsória) do que o previsto para os contribuintes.
Como bem se percebe das alegações apresentadas pela recorrente, a mesma respalda a argumentação que aqui vem pedir que se acolha, não só da interpretação que faz dos preceitos legais aplicáveis, mas, essencialmente, na jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal sobre a impossibilidade de incidência de juros de mora sobre juros indemnizatórios, bem como a impossibilidade de se cumular, relativamente ao mesmo período de tempo e sobre a mesma quantia, a contagem de juros indemnizatórios e juros de mora.
Todas as decisões contrárias à decisão agora recorrida, e que seguem a mesma linha de raciocínio do acórdão fundamento, têm invocado em favor da sua argumentação essa mesma jurisprudência, toda ela emitida por referência a situações materiais e processuais anteriores à da entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2012, que veio introduzir o referido n.º 5 naquele artigo 43.º da LGT, bem como alterou outras disposições legais referentes esta matéria.
Que para essa jurisprudência era inadmissível a incidência dos juros de mora sobre os juros indemnizatórios, tal como a recorrente alega, é ponto pacífico, bem como era inadmissível a contagem de juros indemnizatórios cumulativamente com juros moratórios, sobre a mesma quantia e durante o mesmo período de tempo, porque quando há lugar a juros indemnizatórios, não tem aplicação o regime dos juros de mora previsto no artº. 102.º, pois toda a dívida de juros é paga a título de juros indemnizatórios, cf. por todos, o acórdão datado de 08.05.2013, recurso n.º 033/13.
Porém, tal jurisprudência não é compaginável, pelo menos, com a redacção do disposto no artigo 43.º, n.º 5 da LGT.
Já vimos que este inciso legal veio impor uma sanção à AT no caso de ter que devolver, na sequência de decisão judicial transitada em julgado, quantias respeitantes a impostos cuja liquidação não era devida, se o não fizer até ao termo do prazo de execução espontânea de tal decisão judicial.
E a sanção é precisamente o pagamento de juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.
Tal como anteriormente, e pelas mesmas razões, também agora se deve considerar que sendo devidos pela AT juros indemnizatórios respeitantes a imposto indevidamente pago, cf. artigo 100.º (a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei) e 43.º, n.º 1 (são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido), ambos da LGT e artigo 61.º, n.º 5 (os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos) do CPPT, tais juros destinam-se a compensar o contribuinte do prejuízo provocado pelo pagamento indevido da prestação tributária, cf. acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 08.05.2013, recurso n.º 01114/12.
E igualmente, os juros de mora, quando devidos, cf. artigo 102.º, n.º 2 (em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, são devidos juros de mora a partir do termo do prazo da sua execução espontânea) da LGT, têm como função, também uma função indemnizatória, tal como este Supremo Tribunal explicou de modo suficientemente esclarecedor nos acórdãos indicados pela recorrente: os juros moratórios a favor do contribuinte e os juros indemnizatórios perseguem a mesma finalidade: os indemnizatórios destinam-se “a compensar o contribuinte do prejuízo provocado pelo pagamento indevido da prestação tributária” e os moratórios visam “reparar prejuízos presumivelmente sofridos [pelo sujeito passivo], derivados da indisponibilidade da quantia não paga pontualmente”. Estas duas espécies de juros têm, pois, a mesma função, “correspondendo ambos a uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil e destinando-se a reparar os prejuízos advindos ao contribuinte do desapossamento e consequente indisponibilidade de um determinado montante pecuniário, recte, da prestação tributária. Ainda que os respectivos factos geradores sejam diferentes – num caso a liquidação ilegal, no outro o atraso no pagamento -, sempre está presente uma obrigação indemnizatória derivada da produção de determinados danos ou prejuízos provocados por aquela indisponibilidade. Juros indemnizatórios e juros moratórios a favor do contribuinte são, portanto, duas realidades jurídicas afins que têm um regime semelhante e desempenham a mesma função.
Era precisamente esta semelhante natureza e fundamento – obrigação indemnizatória que pretende ressarcir idênticos prejuízos – de ambos os tipos de juros que, tal como hoje, impedem que os mesmos pudessem ser cumulados relativamente à mesma quantia e ao mesmo período temporal.
Ou seja, se eram devidos juros indemnizatórios já não poderiam ser pagos juros moratórios, e vice-versa.
E, por esta razão, é que a recorrente defendeu no recurso 0285/16 que não teria que pagar qualquer quantia a título de juros de mora devidos nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 43.º da LGT, uma vez que já havia pago os juros indemnizatórios.
Ou seja, nos casos como os dos autos, a seguir-se o entendimento da recorrente, nunca seria aplicável o disposto no artigo 43.º, n.º 5 sempre que já tivessem sido pagos os juros indemnizatórios ou devessem ser pagos.
Portanto, tal como no recente acórdão de Fevereiro último, poderíamos chegar à conclusão que a introdução de tal norma pela Lei do Orçamento de Estado para 2012 seria uma norma sem sentido, ou sem aplicação prática, sempre que fossem devidos juros indemnizatórios, e no caso de serem devidos os juros moratórios, apenas teria como finalidade agravar a taxa para o dobro, sempre que estivesse em causa uma execução de sentença.
Já vimos, nesse referido acórdão, que não é assim.
O disposto no artigo 43.º, n.º 5, bem como o disposto no artigo 44.º, n.º 3 (a taxa de juros de mora é a definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas, excepto no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data do pagamento da dívida relativamente ao imposto que deveria ter sido pago por decisão judicial transitada em julgado, em que será aplicada uma taxa equivalente ao dobro daquela), ambos introduzidos pela referida LOE para 2012, tiveram unicamente como objectivo exercer pressão sobre os devedores para que solvam rapidamente as suas obrigações. Na verdade, não se encontra na previsão de tais preceitos qualquer fundamento ressarcitório ou indemnizatório.
Como já vimos, o contribuinte é ressarcido – relativamente ao período de tempo em que esteve indevidamente desapossado do imposto pago e não devido – por via dos juros indemnizatórios ou moratórios, a administração tributária é ressarcida – relativamente ao período de tempo em que esteve indevidamente desapossada do imposto devido – por via dos juros compensatórios, cf. artigo 35.º, n.º 1 (são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária) e por via dos juros moratórios, cf. artigo 44.º, n.º 1 (são devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto devido no prazo legal), ambos da LGT, sendo que os juros compensatórios se integram na dívida de imposto, cf. art. 35.º, n.º 8 e, portanto, sobre os mesmos incidirão os respectivos juros moratórios quando devidos.
Ou seja, o legislador ao elevar para o dobro a taxa dos juros de mora devidos pelo contribuinte, nos termos do artigo 44.º, n.º 3 e ao instituir a obrigação do pagamento de juros de mora, a favor do contribuinte, a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas, cf. artigo 43.º, n.º 5, sendo que incluiu tal obrigação de pagamento de juros de mora no preceito legal que dispõe sobre os juros indemnizatórios também a favor do contribuir, não pretendeu, claramente, estabelecer um regime legal em que os juros indemnizatórios e moratórios fossem alternativos ou que mutuamente se excluíssem.
Antes pretendeu instituir uma sanção para as situações de incumprimento grave, e tal como refere a recorrente, a par das restantes sanções já legalmente previstas, a sanção pecuniária compulsória, cf. artigo 169.º e a responsabilidade civil e disciplinar da administração e dos seus órgãos, cf. artigo 159.º, ambos do CPTA. Enquanto que os normais juros indemnizatórios, compensatórios e de mora são estabelecidos, essencialmente, na perspectiva do credor, de modo a que se diminuam as suas perdas pela privação da quantia que lhe é devida, estes juros de mora agravados são estabelecidos na perspectiva do devedor, de modo a que o mesmo se sinta efectivamente compelido a efectuar o pagamento em falta.
E, na verdade, compreende-se que assim seja, uma vez que tal sanção foi estabelecida numa época de grandes dificuldades económicas (que parcialmente se mantêm) em que era essencial que todos contribuíssem atempadamente para a economia comum, uns por via do rápido pagamento de impostos, outra, a administração tributária, pela rápida devolução aos contribuintes das quantias indevidamente pagas a título de impostos (sobre a razão de ser do regime dos juros de mora agravados, diz J. Maria Fernandes Pires e outros, Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, págs. 378 e 392: “O legislador estabeleceu uma taxa de juros de mora agravada no n.º 3 do artigo 44.º da LGT. A excepção constante do n.º 3 do artigo 44.º -foi introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012). A introdução deste regime no ordenamento jurídico tributário foi um dos compromissos assumidos por Portugal no âmbito do plano de assistência financeira assinado em 11 de Maio de 2011. Essa medida consta do ponto 3.34-ii do Memorando de Entendimento entre Portugal, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI (a chamada Troika). O objectivo do regime dos juros de mora agravados foi o de aplicar um juro legal especial ao não cumprimento das decisões dos tribunais tributários pelos sujeitos passivos. Para o efeito, estabeleceu-se a aplicação de uma taxa de juros de mora agravada, correspondente ao dobro da taxa de juros de mora por dívidas ao Estado e outras entidades públicas (prevista nos n.os 1 e 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, com a redacção da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, e do Decreto-Lei n.º 32/2012, de 13 de Fevereiro) sempre que houver uma decisão transitada em julgado, ou seja, definitiva (porque insusceptível de recurso), e da qual resulte a obrigação de pagamento (pelo contribuinte) de certo montante de imposto, e que não seja cumprida no prazo de execução espontânea da sentença. Esta medida tinha como objectivo diminuir a litigância, o excesso de pendências de processos nos tribunais tributários, o tempo médio de resolução dos processos e ainda o incumprimento das decisões judiciais com expedientes dilatórios utilizados nos processos executivos.
Na verdade, a razão fundamental que está na origem da instituição do mecanismo dos juros de mora em dobro é a dissuasão do incumprimento do dever de pagamento pelos contribuintes, nos casos em que a litigância é utilizada até ao extremo para protelar o pagamento do imposto, incluindo no processo executivo (como resulta do n.º 3 do artigo 44.º da LGT). A instituição do mecanismo dos juros demora a favor do contribuinte é uma opção de política legislativa reflexa daquela que se encontra prevista no n.º 3 do artigo 44.º da LGT, destinando-se a garantir um princípio de igualdade e de reciprocidade nas relações entre os sujeitos da relação jurídica tributária.”.
Aliás, e como já anteriormente se disse, a única interpretação das normas legais em apreço que respeita o disposto nos artigos 9.º do Código Civil e 11.º da LGT, que dispõem sobre a interpretação dos preceitos legais, é precisamente aquela que leva à conclusão de que nas situações previstas no artigo 43.º, n.º 5 há uma efectiva cumulação dos juros indemnizatórios com os juros de mora contados ao dobro da taxa dos juros legais para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas, sob pena de tal norma perder qualquer sentido útil.
Se assim não fosse, e nas situações de incumprimento grave, ou seja, quando se mantém o incumprimento já após o fim do prazo de cumprimento voluntário das decisões transitadas em julgado, apenas o contribuinte seria onerado com tal “sanção”, à AT bastar-lhe-ia proceder ao pagamento dos juros indemnizatórios para não mais lhe ser aplicável tal preceito legal. Efectivamente, nas situações em que o contribuinte se mantenha faltoso após a data do termo do prazo de execução espontânea da decisão judicial transitada em julgado, e até ao pagamento efectivo do imposto devido, tem que arcar sempre com os juros de mora contados ao dobro da taxa legal, sendo certo que tais juros agravados incidem, também, sobre o montante dos juros compensatórios que sejam devidos.
Portanto, não tem, assim, qualquer sentido a referência que a recorrente faz ao facto de tais juros de mora em dobro, devidos conjuntamente com os juros indemnizatórios, se tratarem de juros usurários, nos termos do disposto nos artigos 559.º-A e 1146.º, ambos do Código Civil. Às concretas obrigações de juros, e às concretas taxas de juros agravadas estabelecidas como novidade pela LOE para 2012, não são aplicáveis tais preceitos legais uma vez que tais juros não se destinam a exercer função remuneratória ou reparadora, antes se destinam a exercer uma função sancionatória, desincentivadora de comportamentos omissivos das obrigações que resultam para as partes das decisões judiciais transitadas em julgado.
A propósito da natureza deste regime dos juros de mora agravados, referem Diogo Leite Campos e outros, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, pág. 344: “A Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, aditou um n.º 5 a este art. 43.º em que se atribui ao sujeito passivo o direito a juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro dos juros de mora previstos para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. Trata-se de um regime excepcional, com evidente natureza sancionatória e compulsória, visando compelir a administração tributária a executar tempestivamente as decisões transitadas em julgado, o que é reclamado pelo direito à tutela judicial efectiva (art. 20.º, n.os 1 e 4, da CRP) que inclui o direito à execução (art. 2.º, n.º 1, do CPC). Por outro lado, estabelecendo-se que estes juros de mora agravados são devidos relativamente ao período entre o termo do prazo de execução e a emissão da nota de crédito, é de concluir que, nos casos em que esteja em causa executar uma decisão e se trate de uma situação enquadrável no n.º 1, em que são devidos juros indemnizatórios, estes juros de mora serão cumuláveis com os indemnizatórios, pois estes são «contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos» (art. 61.º, n.º 5, do CPPT). Isto significa que, nos casos em que esteja em causa a execução de uma decisão judicial e seja excedido o prazo de execução espontânea da decisão, não se aplicará o entendimento que o STA tem vindo a adoptar sobre a não cumulação de juros de mora com juros indemnizatórios relativamente ao mesmo período de tempo, por não se justificar uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade da quantia indevidamente paga… No caso previsto neste novo n.º 5 do art. 43.º não deixa de valer, naturalmente, este juízo, mas a atribuição dos juros de mora não é explicada pela intenção de compensar o sujeito passivo pela privação da quantia que pagou indevidamente, mas sim pela ideia de sancionar a administração tributária pelo incumprimento do dever que a lei lhe impõe de executar as decisões judiciais nos prazos previstos na lei e, nos casos em que incorreu em incumprimento, compeli-la a pôr rapidamente termo a essa situação de incumprimento, para não sofrer a consequência do pagamento de juros de mora fortemente agravados. Isto é, a atribuição de juros de mora agravados, nesta específica situação, tem afinidade funcional com sanção pecuniária compulsória, prevista no art. 179.º, n.º 3, do CPTA, para impor à administração a execução das decisões judiciais e não identidade teleológica com os juros indemnizatórios, sendo estas diferentes finalidades que permitem justificar a cumulação de juros.”.
Por último, importa referir que não se vê que esta interpretação que se faz dos artigos 43.º, 100.º e 102.º, n.º 2 da LGT e 61.º do CPPT, possa violar o princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.
O estabelecimento pelo legislador de obrigações de juros de mora com taxa agravada e de taxas agravadas de juros de mora, visa o sancionamento de comportamentos omissivos graves e, portanto, tais regimes são estabelecidos em função da necessidade de dissuasão de tais comportamentos.
O princípio da igualdade estabelecido naquele artigo 13.º da CRP visa, no essencial, que ninguém, face à lei ou às decisões dos tribunais, seja beneficiado ou prejudicado em função da sua própria condição pessoal.
Estando toda a actividade da administração tributária sujeita ao princípio da legalidade, nos termos do disposto no artigo 55.º da LGT, bem como está especialmente obrigada ao cumprimento das decisões judiciais nos termos do disposto no artigo 158.º, n.º 1 do CPTA, ex vi, do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPPT, impende sobre si uma obrigação acrescida, face aos particulares, de cumprimento das decisões judiciais transitadas em julgado. Por esta razão é que a inexecução ilícita das decisões judiciais importa para a Administração responsabilidade civil e para os que nela prestem funções, responsabilidade civil e disciplinar, cf. artigo 159.º do CPTA, pelo contrário, o legislador não previu que sobre os particulares recaia tal obrigação acrescida e consequentemente também as suas omissões são sancionadas de modo menos gravoso (já anteriormente referimos que a taxa de juro de mora em dobro, nos termos do disposto no artigo 44.º, n.º 3, incidirá sobre o valor respeitante ao imposto propriamente dito, bem como sobre o valor respeitante aos juros compensatórios, pelo que, sendo o valor base do cálculo dos juros de mora em dobro, a favor da administração, superior àquele que serve de cálculo aos juros de mora em dobro devidos aos contribuintes, estamos em crer que o agravamento sancionatório da taxa de juro não será diferente, ao contrário do que refere a recorrente, para os contribuintes e para a administração tributária).
É certo que a sanção pecuniária compulsória a que alude o artigo 169.º do CPTA (não se discutirá agora se tal sanção poderá incidir sobre as dívidas de quantia certa), tal como o agravamento dos juros de mora, é um meio de constrangimento destinado a induzir o devedor a cumprir a obrigação a que se encontra adstrito e a obedecer à injunção judicial. A sanção pecuniária compulsória é uma condenação acessória da condenação principal do devedor no cumprimento da prestação que deve, visando tal sanção exercer pressão sobre a sua vontade e determiná-lo a cumprir, cf. acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 26.09.2013, recurso n.º 01052/12.
Poder-se-á, porventura, entender que a aplicação cumulativa de tal sanção, que terá de ser decretada pelo juiz, com a contagem, ope legis, dos juros de mora agravados, seria suficiente para incorrer na violação do princípio da proporcionalidade – cf. art. 18.º, n.º 2 da CRP -, e também os princípios da adequação, exigibilidade e da justa medida que se compreendem naquele, que deve presidir à aplicação de ambas as sanções, no entanto, mesmo que se concluísse pelo desrespeito de tais princípios em caso de cumulação de sanções, a taxa de juro agravada, porque é específica e própria do sistema jurídico tributário, e é de aplicação ope legis, deve então prevalecer sobre a aplicação da sanção pecuniária compulsória e afastá-la, tanto mais que esta sanção tem identidade funcional com a sanção pecuniária compulsória a que se refere o artigo 829.º-A, n.º 4 do Código Civil – quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5 % ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar – e não com a que se encontra prevista no artigo 169.º do CPTA, incluída no Capítulo II do mesmo Código, respeitante à execução para prestação de factos ou coisas.
Assim, e por estas razões, não se pode concluir que a interpretação que se faz dos preceitos legais em questão afecte o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, uma vez que estamos perante situações concretas diferentes, relativamente às quais o legislador pode, e quis, dispor de modo diverso.
Pelo exposto, temos que concluir que o recurso não merece provimento, tendo mesmo que se concluir que face ao preceituado no n.º 5 do art. 43.º da LGT, na redacção dada pela Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro, é admissível a atribuição cumulativa de juros indemnizatórios e de juros moratórios, calculados nos termos deste preceito legal, sobre a mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo.
Pelo exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, manter o acórdão recorrido, e fixar jurisprudência nos seguintes termos:
face ao preceituado no n.º 5 do art. 43.º da LGT, na redacção dada pela Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro, é admissível a atribuição cumulativa de juros indemnizatórios e de juros moratórios, calculados nos termos deste preceito legal, sobre a mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo.
Custas pela recorrente.
Publique-se (artigo 152.º, n.º 4, do CPTA).
D.n.
Lisboa, 7 de Junho de 2017. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – António José Pimpão – Joaquim Casimiro Gonçalves – Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado – Ana Paula da Fonseca Lobo.»