Assinala-se hoje o Dia Mundial do Autismo. Este dia foi criado pela Organização das Nações Unidas, em 18 de Dezembro de 2007, com o intuito de alertar as sociedades e governantes sobre esta doença que afeta cerca de 70 milhões de pessoas em todo o mundo.
Associando-se ao esforço global para aumentar a consciencialização sobre o Autismo, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge dá hoje destaque a este tema, respondendo a um conjunto de questões sobre o tema. O Instituto tem também em curso uma linha de investigação sobre as bases biológicas do autismo. Este trabalho desenvolve-se com parceiros nacionais e internacionais, e incide sobre áreas diversas, incluindo a epidemiologia, os biomarcadores, a genómica ou a medicina personalizada, numa abordagem integradora doe conhecimento. Tem como objetivo compreender quais as alterações fisiológicas que conduzem ao aparecimento do autismo e à variabilidade na sua apresentação clínica, progressão e resposta a intervenção. Ultimamente pretende contribuir para o desenvolvimento de métodos de diagnóstico precoce mais fiáveis e sensíveis e de novas terapêuticas mais eficazes e à medida de cada individuo com autismo.
Autismo: sabe o que é?
De acordo com os manuais médicos, o autismo, ou a Perturbação do Espetro do Autismo (PEA), é uma condição médica do sistema nervoso central que surge na infância e que se carateriza por dificuldades na comunicação e interação social e por comportamentos, interesses ou atividades repetitivas e estereotipadas.
Pessoas com autismo têm dificuldades de comunicação e de interação com os outros. Por exemplo, fazem comentários pouco adequados, interpretam literalmente as conversas, ou seja, não percebem trocadilhos ou ironia, têm dificuldade em interpretar a comunicação sem palavras e a linguagem corporal, e não fazem amizades facilmente. Além disso, são pessoas muito dependentes de rotinas, muito sensíveis a mudanças no seu dia-a-dia ou, por vezes muito preocupadas com certos objetos, ideias ou temas.
Com o autismo podem também aparecer outros problemas como a deficiência intelectual, a hiperatividade, a epilepsia, a ansiedade ou as perturbações do sono, que trazem dificuldades acrescidas. As pessoas com autismo podem também fazer coisas excecionais: por exemplo, por vezes fazem cálculos matemáticos extraordinários, ou pintam muito bem, ou desenham mapas de cor, ou tocam um instrumento de música maravilhosamente.
Os comportamentos diferentes das pessoas com autismo surgem com vários graus de gravidade, existindo pessoas que apresentam sintomas leves e outras com sintomas mais graves. Porque esta condição se apresenta de forma tão variada, como um contínuo de problemas de comportamento, é usado o termo espetro do autismo.
O autismo é muito frequente?
A Perturbação do Espetro do Autismo abrange um grande número de crianças com problemas de desenvolvimento e comportamento de maior ou menor gravidade. Em Portugal, um rastreio nacional mostrou que mais de uma em cada mil crianças tem uma forma grave de autismo. A nível mundial foram feitos estudos em muitos países, incluindo países da Europa (por exemplo os países nórdicos, o Reino Unido, a Alemanha, a Irlanda), os Estados Unidos da América, a China, o Japão, a Coreia do Sul, a Austrália e outros, que mostraram que a perturbação do espetro do autismo é muito comum em todo o mundo.
Os estudos realizados nos últimos anos têm encontrado um aumento no número de casos de autismo, o que possivelmente reflete uma maior consciência da existência desta doença nos dias de hoje.
O autismo é 4 a 5 vezes mais frequente nos rapazes do que nas raparigas, mas a razão por que isto acontece não é conhecida.
Porque é que aparece o autismo?
O autismo surge quando há alterações biológicas no funcionamento do cérebro. Estas alterações são ainda mal conhecidas, mas sabe-se que resultam, em grande parte, de problemas genéticos. Os genes são como um livro de instruções para o funcionamento dos sistemas e órgãos que constituem o nosso corpo. O cérebro, tal como os outros órgãos, é composto por tecidos, por sua vez constituídos por células. Os genes existem dentro das células, e organizam-se em estruturas chamadas cromossomas.
Nos genes, as instruções para o funcionamento das células estão escritas num código molecular chamado DNA. Por vezes, este código contém erros num ou em mais genes, os quais podem levar ao mau funcionamento das células. Isto também pode acontecer se as células tiverem cromossomas a mais ou a menos, duplicando ou apagando instruções no DNA. Quando o DNA nos genes que regulam o funcionamento do cérebro tem erros, surgem doenças cujos sintomas são problemas de comportamento.
Uma dessas doenças é o autismo. Outras são o síndrome de Down, a doença de Parkinson, a doença de Alzheimer e muitas outras. Muitas formas de deficiência intelectual são também devidas a alterações nos genes.
O autismo é sempre causado por alterações nos genes?
Os estudos mais recentes indicam que os genes são uma parte do problema, mas não explicam todas as situações, nem são sempre o único problema. Os fatores do ambiente podem também influenciar o efeito dos genes. O funcionamento correto do nosso cérebro depende de muitos fatores, e deverá ser a sua combinação que leva ao aparecimento da doença.
Genes do autismo, quais são?
Não foi encontrada até hoje nenhuma alteração genética responsável por todos os casos de autismo. Na realidade, parecem existir muitas alterações em genes diferentes que podem levar ao aparecimento desta doença.
Os investigadores procuram agora saber quais são os processos biológicos do cérebro que são perturbados por alterações genéticas, de forma a conseguir encontrar tratamentos que possam repor o seu normal funcionamento. Um exemplo são os processos de transmissão de sinais nervosos entre células do cérebro (transmissão sináptica) que se sabe estarem alterados. Outros poderão ser processos associados ao desenvolvimento do cérebro durante os primeiros tempos de vida.
Não existe um único gene para o autismo, mas muitas alterações genéticas que, independentes ou em conjunto, podem levar às alterações do funcionamento do cérebro e aos sintomas de autismo
Existe um teste genético para o autismo?
Os investigadores ainda não compreendem bem o que acontece no cérebro de pessoas com autismo e leva ao aparecimento dos sintomas. Porém, sabem que muitos genes diferentes têm alterações que surgem em pessoas com autismo, mas também aparecem em pessoas com deficiência intelectual, ou epilepsia, ou ainda com outras patologias neurológicas e psiquiátricas.
Embora não exista um teste genético específico para o autismo, é possível fazer um rastreio completo de todos os genes (que no seu conjunto constituem o genoma) para encontrar alterações que podem levar ao aparecimento de sintomas. Algumas alterações foram encontradas muitas vezes em pessoas com autismo, e nunca ou muito raramente em crianças sem problemas de desenvolvimento, pelo que se consideram causadoras da doença.
Este rastreio pode ser feito numa amostra de sangue por uma técnica que se chama aCGH (hibridação genómica comparativa por tecnologia de array). Pode também ser feito por sequenciação do genoma, uma técnica de ainda maior resolução, em que todo o código genético é lido.
Estes testes podem-nos explicar qual a razão do autismo numa pessoa em particular. O rastreio do genoma encontra alterações genéticas em cerca de 20% dos casos. A maior vantagem é que, quando alguma alteração genética é identificada, é possível fazer um aconselhamento genético e estimar qual o risco de ter outro filho com autismo.
Os investigadores pretendem encontrar um teste cada vez mais específico para o autismo, por duas razões principais: 1) porque permite fazer um diagnóstico mais cedo, numa idade em que o diagnóstico clínico pode ser mais difícil ou mais instável; 2) porque permite fazer um diagnóstico diferenciado, isto é, saber se a criança tem autismo ou outro problema diferente. Responder a estas questões permitirá iniciar uma terapia mais cedo, melhor dirigida para o autismo e, por isso, melhorar os resultados.
É possível ter mais que um filho com autismo?
O risco de ter outro filho com autismo dependerá sempre de vários fatores, nomeadamente da história familiar, de ter sido ou não encontrada uma alteração genética na pessoa com autismo e, caso tenha sido encontrada uma alteração genética, se um dos pais também a tem.
Todas as instruções genéticas, incluindo aquelas que regulam o funcionamento do cérebro, são passadas de pais para filhos através dos genes, como uma mistura do pai e da mãe. É por isso que, além de serem semelhantes fisicamente, pais e filhos têm muitas vezes personalidades parecidas. É por isso também que, por vezes, tanto os pais como os filhos sofrem da mesma doença.
Quando um dos pais ou, mais raramente, ambos os pais têm uma mesma alteração genética que é transmitida ao filho, a probabilidade de terem um segundo filho com autismo é maior. Frequentemente os pais têm uma alteração genética que transmitem ao filho com autismo, e no entanto não têm autismo. Isto não é inesperado porque os sintomas de autismo, que variam bastante de pessoa para pessoa, são frequentemente devidos a uma combinação de alterações genéticas. O pai ou a mãe poderão não ter esta combinação, e por isso não ter sintomas. Nesse caso a probabilidade de ter mais do que um filho com autismo é mais baixa. Por vezes, o teste de rastreio só deteta uma das alterações e não conseguimos perceber se outras poderão estar presentes. Por essa razão, estimar o risco de ter outro filho com autismo pode não ser fácil.
Para saber o risco de ter outro filho com autismo deve sempre falar com um especialista em Genética Clinica.
O que querem os investigadores quando me perguntam se queremos participar num estudo?
Existem, por todo o mundo, muitos investigadores que se dedicam a procurar as causas do autismo, a tentar encontrar marcadores biológicos, novas formas de diagnóstico ou melhores formas de tratamento. Assim, se tem um filho com autismo, é possível que durante consultas médicas, na escola, em associações ou noutras situações, lhe perguntem se querem participar numa investigação. Antes de participar assegure-se que:
- Compreende bem que tipo de investigação se trata e quais são os objetivos;
Se sente confortável com as pessoas que lhe pedem para participar;
O seu filho está de acordo;
- Sabe que tipo de resposta lhe vão dar neste estudo – As conclusões gerais? Ou resultados sobre si ou sobre o seu filho?
- Percebe que a sua participação e a do seu filho são opcionais e que poderá desistir em qualquer momento, se quiser;
- Percebe que o profissional que o convida a participar não lhe vai dar um tratamento preferencial;
- Percebe bem o que lhe estão a pedir e ao seu filho: Para responder a um questionário? Para dar uma amostra de sangue? Para tomar um medicamento em teste? Para fazer um procedimento complicado?
- Percebe quanto tempo e as dificuldades que resultam da participação: Demora duas horas? Um dia inteiro? Vários dias? Meses ou anos de seguimento? Onde tem que se deslocar e onde é feito o estudo?
- Sabe se irão ou não pagar despesas que possa ter por participar? Lembre-se sempre que a sua participação é preciosa para o avanço dos conhecimentos sobre o autismo e da medicina, mas pode não trazer nenhuma solução para o problema do seu filho.
Os progressos na investigação biomédica são forçosamente morosos e o mais provável é que o estudo em que participa agora só venha a trazer avanços após alguns anos.