«Parecer n.º 3/2017
Parecer Sobre Acesso ao Ensino Superior
Preâmbulo
No uso das competências que por lei lhe são conferidas e nos termos regimentais, após apreciação do projeto de Parecer elaborado pelo relator António Pedro Barbas Homem, o Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 20 de março de 2017, deliberou aprovar o referido projeto, emitindo assim o seu segundo Parecer do ano de 2017.
Parecer
Introdução
O Conselho Nacional de Educação (CNE) tem vindo a refletir ao longo dos anos acerca da natureza, missão e atribuições do ensino superior, quer na sua comissão especializada quer no plenário dos seus membros.
Mais recentemente e no âmbito dos estudos realizados por ocasião dos 30 anos da Lei de Bases do Sistema Educativo, teve ocasião de realizar diversos seminários e ainda de organizar, no âmbito da sua 3.ª Comissão Especializada Permanente – Ensino Superior, Investigação e Cultura Científica, debates sobre questões relevantes acerca do ensino superior na hora presente.
O Governo, através do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, decidiu lançar uma iniciativa no sentido de avaliar os mecanismos de acesso ao ensino superior. No Despacho 6930/2016, de 25 de maio, que cria o Grupo de Trabalho para a avaliação do acesso ao Ensino Superior, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior evoca a necessidade de refletir sobre o alargamento e o aprofundamento da democratização do ensino superior, visando em particular a modernização e a adequação do sistema de acesso a novos contextos.
Na preparação desse Relatório foi ouvida a 3.ª Comissão Especializada Permanente do CNE.
O Conselho Nacional de Educação deliberou realizar um debate alargado acerca do relatório final apresentado pelo grupo de trabalho para a avaliação do acesso ao ensino superior, com o título Relatório sobre a avaliação do acesso ao ensino superior (diagnóstico e questões para debate), abaixo referido como Relatório. Considerando a relevância social da temática, decidiu ainda emitir um Parecer sobre esta matéria.
O Conselho Nacional de Educação saúda a oportunidade deste debate público, tendo apreciado de modo muito positivo quer a metodologia adotada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de apresentar para discussão pública trabalhos preparatórios de eventuais reformas legislativas, quer a profundidade, seriedade e atualidade do estudo e das propostas que constam do referido Relatório.
Este Parecer está organizado do seguinte modo:
1 – Os princípios normativos no acesso ao ensino superior e as condições de sucesso escolar
2 – O regime de acesso ao ensino superior
3 – A situação atual do acesso ao ensino superior
4 – Objetivos e vias propostas de reforma
5 – Recomendações
1 – Os princípios normativos no acesso ao ensino superior e as condições de sucesso escolar
Atente-se, primeiro, nos parâmetros constitucionais e, seguidamente, no enquadramento da Lei de Bases do Sistema Educativo, no direito internacional e na legislação de acesso ao ensino superior.
I – Os parâmetros constitucionais de acesso ao ensino superior
A Constituição da República Portuguesa (adiante CRP) prevê, no artigo 43.º, da Parte I, Título II, Capítulo I – Direitos, liberdades e garantias pessoais – a liberdade de aprender e ensinar, que inclui a proibição de o Estado programar a educação segundo diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas, a proibição do ensino público confessional e a garantia de criação de escolas particulares e cooperativas (1).
Concomitantemente dedica os artigos 73.º a 77.º, da Parte I, Título III, Capítulo III – Direitos e deveres culturais – à educação e ao ensino (2). Especificamente em matéria de ensino superior, a CRP garante, na alínea d) do n.º 2 do artigo 74.º,
“a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino […].”
E determina que o regime de acesso assegure
“a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do país.” (art. 76.º).
Identifica-se, a este respeito, um princípio especial de igualdade que acresce ao princípio geral de igualdade dos cidadãos perante a lei. De outro lado prevê-se, como critério que se deve igualmente refletir no acesso aos cursos do ensino superior, que o Estado deve promover e apoiar o acesso dos cidadãos portadores de deficiência ao ensino e apoiar o ensino especial, quando necessário, e assegurar aos filhos dos imigrantes apoio adequado para efetivação do direito ao ensino (artigo 74.º).
A especial delicadeza destas disposições já se encontra refletida em vasta jurisprudência constitucional e de outros tribunais. Em especial, identificou-se que os critérios de avaliação do mérito dos candidatos ao ensino superior devem ser objetivos e que quaisquer alterações legislativas no regime de acesso devem respeitar eventuais expetativas que os interessados possam ter adquirido legitimamente (princípio da confiança).
II – Os parâmetros da Lei de Bases do Sistema Educativo
Por seu turno, a Lei n.º 46/86, de 14 de outubro (3), que aprovou as bases do sistema educativo, dedica a sua subsecção III ao ensino superior e determina que compete ao Governo definir, através de decreto-lei, os regimes de acesso e ingresso no ensino superior, em obediência, designadamente, aos princípios da democraticidade, equidade e igualdade de oportunidades, objetividade dos critérios utilizados para a seleção e seriação dos candidatos, universalidade de regras para cada um dos subsistemas de ensino superior, utilização obrigatória da classificação final do ensino secundário no processo de seriação e caráter nacional do processo de candidatura à matrícula e inscrição nos estabelecimentos de ensino superior público.
O caráter unitário do sistema de ensino decorre do princípio segundo o qual, como regra geral, têm acesso ao ensino superior os indivíduos habilitados com o curso do ensino secundário ou equivalente que façam prova de capacidade para a sua frequência (artigo 12.º).
Importa não perder de vista que as disposições relativas ao ensino superior da Lei de Bases resultam da redação que lhe foi conferida em 2005, na sequência do que se convencionou chamar processo de Bolonha (Lei n.º 49/2005, de 30 de agosto). A nova estrutura de três ciclos formativos e graus do ensino superior – licenciatura, mestrado e doutoramento – foi completada com o expresso reconhecimento de que os estabelecimentos de ensino superior podem realizar cursos não conferentes de grau académico cuja conclusão com aproveitamento conduza à atribuição de um diploma (novo artigo 13.º B).
De outro lado, consagrou-se a possibilidade de acesso ao ensino superior de pessoas sem a conclusão do ensino secundário em duas situações: maiores de 23 anos de idade que façam prova de capacidade para a sua frequência através da realização de provas especialmente adequadas, realizadas pelos estabelecimentos de ensino superior; e titulares de formações pós-secundárias adequadas (artigo 12.º, n.º 5).
Em termos paralelos, aponta-se para a previsão de regimes especiais de acesso, ingresso e de frequência do ensino superior para os trabalhadores-estudantes, de modo a garantir os objetivos da aprendizagem ao longo da vida e da flexibilidade e mobilidade dos percursos escolares (artigo 12.º, n.º 7).
Em conclusão, dos parâmetros constitucionais e da legislação de bases decorrem princípios de grande densidade no que respeita ao acesso ao ensino superior – igualdade e igualdade de oportunidades, mérito -, diretrizes programáticas de alargamento do acesso a pessoas que não tiveram possibilidade de aceder no tempo normal (trabalhadores estudantes e maiores de 23 anos) ou que têm naturais dificuldades (portadores de deficiência) e a possibilidade de ser concretizado um regime próprio para titulares de formações pós-secundárias.
III – O direito internacional de educação
A estas disposições acresce o modo como o direito internacional se tem ocupado do ensino superior, elevando o direito à educação, em geral, e, em particular, o direito de acesso ao ensino superior à dignidade de direito humano.
O n.º 2 do artigo 26.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem prevê que
“o acesso aos estudos superiores deve ser aberto a todos, em plena igualdade, em função do mérito.”
Concretizando esta disposição, o Protocolo Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (de acordo com a tradução oficial para a língua portuguesa, dada pela Lei n.º 45/78, de 11 de julho), veio determinar que, para assegurar o pleno exercício do direito à educação,
“o ensino superior deve ser tornado acessível a todos em plena igualdade, em função das capacidades de cada um, por todos os meios apropriados e nomeadamente pela instauração progressiva da educação gratuita.” (artigo 13.º)
Em termos similares, a Convenção sobre os direitos das crianças (de acordo com a versão oficial aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12 de setembro), estabelece que os Estados Partes reconhecem o direito da criança à educação e, tendo em vista assegurar progressivamente o exercício desse direito na base da igualdade de oportunidades, tornam o ensino superior acessível a todos, em função das capacidades de cada um, por todos os meios adequados (artigo 28.º).
IV – Os princípios democráticos e a justiça no acesso à educação
O acesso ao ensino superior constitui um tema central das teorias da justiça dos nossos dias.
Procura-se um equilíbrio complexo entre as aspirações sociais à elevação do nível educativo, cultural e científico da sociedade e dos cidadãos e o financiamento do sistema de ensino superior por parte de muitos que não vão poder ou não têm ambição de frequentar cursos e instituições de ensino superior. Os sistemas sociais exigem, deste modo, um equilíbrio entre a igualdade de oportunidades e a possibilidade de redistribuição de rendimentos através dos impostos ou através do financiamento privado do ensino superior.
De um lado, o acesso ao ensino superior constitui um instrumento essencial para a construção de uma sociedade democrática, assente na igualdade de oportunidades de sucesso escolar, frequentemente a condição para a realização pessoal e profissional.
De outro lado, o acesso ao ensino superior deve fazer-se em função do mérito individual, e de acordo com as capacidades individuais. Em especial, devem respeitar-se as aspirações individuais, fundamento de uma sociedade livre. Mesmo quando podem aparecer como opostas a tópicos como empregabilidade, sempre se deve entender que a liberdade de escolha dos interessados prevalece sobre a programação da oferta de cursos.
Finalmente, a situação das pessoas com deficiência é sempre merecedora da atenção da sociedade e do Estado e merece diferenciação positiva, especialmente quando se trata do acesso à educação e ao ensino.
2 – O regime de acesso ao ensino superior
I – As soluções legislativas
Em cumprimento do disposto no artigo 12.º da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), foram sucessivamente aprovados, desde 1988 à atualidade, diversos regimes de acesso ao ensino superior através dos Decretos-Leis n.os 354/88, de 12 de outubro (4), 189/92, de 3 de setembro (5), e 28-B/96, de 4 de abril (6), entretanto revogados.
Os procedimentos que estruturam o Concurso Nacional de Acesso, destinado ao ensino superior público, bem como os procedimentos dos Concursos Institucionais, organizados por cada estabelecimento de ensino superior particular e cooperativo, foram genericamente estabelecidos há cerca de 20 anos, num cenário que era caraterizado por uma grande procura do ensino superior, quando comparada com a oferta de vagas, sendo os candidatos quase exclusivamente oriundos dos cursos cientifico-humanísticos do ensino secundário. A via científico-humanista era então predominante nos percursos formativos do ensino secundário.
As experiências de anteriores sistemas de ingresso fizeram com que as instituições do ensino superior, de acordo com as possibilidades abertas pela LBSE, tenham optado por utilizar os exames finais do ensino secundário para avaliar a capacidade para a frequência do ensino superior (art. 12, n.º 1, LBSE).
Quer o Concurso Nacional de Acesso quer os Concursos Institucionais assentam nas classificações internas do ensino secundário, nos seus exames finais e nos resultados das disciplinas consideradas nucleares para o ingresso em cada uma das licenciaturas ou mestrados integrados. De facto, exige-se, para cada área de formação, a fixação de disciplinas nucleares.
Ao lado do Concurso Nacional e dos Concursos Institucionais, admitem-se os chamados concursos locais, destinados a perfis profissionais específicos, normalmente associados a algumas das artes performativas (música, teatro e dança). Uma vez autorizados pelo Governo e aprovado o respetivo regime de candidatura, os candidatos a estes concursos submetem-se às provas específicas das suas áreas vocacionais.
O regime de acesso prevê ainda regimes especiais, decorrentes de compromissos internacionais (bolseiros dos PALOP e os naturais de Timor-Leste) ou de particulares estatutos profissionais (os diplomatas em missão no estrangeiro ou os praticantes desportivos de alto rendimento).
Assim, as vagas definidas no âmbito do Concurso Nacional de Acesso, tal como as vagas definidas para os Concursos Institucionais, integram, para além do contingente geral, obrigatória e prioritariamente diversos contingentes especiais que preenchem uma certa percentagem das vagas globais. Falamos dos seguintes contingentes, com as respetivas quotas máximas: candidatos oriundos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, que pretendem escolher cursos não ministrados, respetivamente, nas Universidades dos Açores e da Madeira (3,5 % para cada caso); candidatos emigrantes portugueses e familiares (7 %); candidatos a prestar serviço militar efetivo (2,5 %); candidatos portadores de deficiência física ou sensorial (2 %).
A existência destes regimes especiais e quotas de acesso é problematizada no Relatório, em termos que abaixo se desenvolvem.
II – Desenvolvimento
O regime geral atualmente em vigor consta do Decreto-Lei n.º 296-A/98, de 25 de setembro (7), com sucessivas alterações.
O Decreto-Lei n.º 99/99, de 30 de março, alterou o artigo 22.º de modo a contemplar um elemento omitido por lapso na caraterização dos pré-requisitos na alínea c) do n.º 1.
O Decreto-Lei n.º 26/2003, de 7 de fevereiro, adaptou o Decreto-Lei n.º 296-A/98 à orgânica do XV Governo Constitucional que autonomizou a educação e o ensino superior, e introduziu alterações ao regime de acesso ao ensino superior nos seguintes aspetos.
O número de elencos alternativos de provas não poderia ultrapassar três, salvo em situações de exceção devidamente fundamentadas, a apreciar e decidir, caso a caso, pela Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior (CNAES); O conjunto de provas poderá, por iniciativa da Comissão, ser organizado em subconjuntos por áreas de estudo, ficando a escolha das provas para cada par estabelecimento/curso circunscrita a um subconjunto específico. Relativamente às provas de ingresso, torna-se obrigatória a obtenção de uma classificação mínima de 95 pontos (num total de 200), assegurando que os estudantes que ingressam no ensino superior demonstram um nível mínimo de conhecimentos em disciplinas nucleares para a frequência dos cursos que pretendem realizar. A valorização do percurso educativo do candidato no ensino secundário, nas suas componentes de avaliação contínua e provas nacionais, traduzindo a relevância para o acesso ao ensino superior do sistema de certificação nacional do ensino secundário, está presente de forma inequívoca, quer nas provas de ingresso quer na nota de candidatura, onde a classificação final do ensino secundário tem de ter um peso de pelo menos 50 %, que pode chegar (por decisão de cada estabelecimento de ensino) a 65 %. A classificação dos cursos de ensino secundário português passou a ser, para efeitos de acesso ao ensino superior, calculada até às décimas, sem arredondamento, antes da conversão para a escala de 0 a 200; A classificação dos cursos de ensino secundário não portugueses equivalentes ao ensino secundário português foi convertida para a escala de 0 a 200 através da aplicação de normas que assegurem um adequado paralelismo com o sistema português de classificação. Também para uma maior equidade no tratamento dos candidatos, as regras contidas no anterior n.º 2 do artigo 20.º, autonomizadas num artigo específico, o 20.º-A, referentes à substituição das provas de ingresso por exames finais de disciplinas de cursos não portugueses legalmente equivalentes ao ensino secundário português, foram modificadas acolhendo os princípios essenciais da orientação fixada pela CNAES e algumas das suas recomendações. Visando uma maior transparência na informação aos candidatos, tornou-se obrigatória a publicação no Diário da República dos regulamentos dos pré-requisitos.
O Decreto-Lei n.º 76/2004, de 27 de março, alterou o artigo 42.º, relativo à melhoria da classificação final do ensino secundário.
O Decreto-Lei n.º 158/2004, de 30 de junho, alargou a possibilidade de utilização, na primeira fase dos concursos de acesso, de resultados dos exames realizados na segunda fase de exames para melhoria da classificação final do ensino secundário, quando o estudante não tenha realizado o mesmo exame na primeira fase.
O Decreto-Lei n.º 147-A/2006, de 31 de julho, alterou o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 296-A/98, de modo a permitir que a classificação final do ensino secundário utilizada na 1.ª fase do concurso de acesso e ingresso no ensino superior possa integrar melhorias de classificação obtidas na 2.ª fase dos exames nacionais em circunstâncias excecionais verificadas no processo de avaliação e que sejam fundamentadamente reconhecidas como suscetíveis de prejudicar gravemente os candidatos ou de pôr em causa o princípio da igualdade entre candidaturas.
O Decreto-Lei n.º 40/2007, de 20 de fevereiro, instituiu e regulou um concurso especial para acesso ao curso de Medicina por titulares do grau de licenciado e procedeu à alteração do Decreto-Lei n.º 296-A/98, fixando as áreas que devem integrar obrigatoriamente as provas de ingresso no curso de Medicina.
O Decreto-Lei n.º 45/2007, de 23 de fevereiro, promoveu a introdução progressiva do recurso à Internet como forma de divulgar, informar das condições e realizar o concurso nacional de acesso ensino superior.
O Decreto-Lei n.º 90/2008, de 30 de maio, alterou o Decreto-Lei n.º 296-A/98 nos seguintes aspetos: o procedimento de fixação das vagas foi alterado em consonância com o regime fixado pelo artigo 64.º da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro (Regime jurídico das instituições de ensino superior). Estabeleceu que os exames de cursos não portugueses equivalentes ao ensino secundário português podem ser utilizados como provas de ingresso por um prazo idêntico ao fixado pela CNAES para a utilização dos exames nacionais do ensino secundário, de forma a assegurar a igualdade de tratamento entre todos os candidatos, qualquer que seja a sua origem académica. Cometeu à CNAES a aprovação dos regulamentos de realização dos pré-requisitos, sob proposta das instituições de ensino superior que os solicitam, e não apenas a sua homologação, de forma a assegurar uma mais adequada coordenação daqueles. Atribuiu à CNAES competência para fixar os critérios a adotar para a atribuição de um valor à classificação final do ensino secundário aos candidatos cujo diploma de ensino secundário, nos termos da lei, a não inclui. Suprimiu a restrição à inscrição simultânea em dois ciclos de estudos superiores.
III – O processo de candidatura
Assim, em breve síntese, para poder apresentar a candidatura a cada par instituição/curso o aluno deve ser titular de um curso do ensino secundário ou habilitação legalmente equivalente, ter realizado as provas de ingresso fixadas para o par instituição/curso a que se candidata, ter obtido em cada uma das provas de ingresso fixadas para esse par instituição/curso a classificação mínima fixada, ter satisfeito os pré-requisitos quando fixados para ingresso no par instituição/curso e ter obtido, na nota de candidatura, a classificação mínima fixada para o par instituição/curso pelo órgão legal e estatutariamente competente da instituição de ensino superior nos termos do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 296-A/98.
O ingresso no ensino superior público e privado está sujeito a limitações quantitativas decorrentes do número de vagas fixado anualmente pelas instituições de ensino superior para cada um dos seus cursos.
Qualquer curso do ensino secundário permite concorrer ao ingresso em qualquer curso do ensino superior, desde que realizadas as provas de ingresso e, se exigidos, satisfeitos os pré-requisitos.
As provas de ingresso exigidas para cada curso são fixadas por cada instituição de ensino superior [uma ou duas (8)] e realizam-se através dos exames finais nacionais do ensino secundário.
As provas de exame realizadas na 1.ª época do calendário dos exames finais nacionais podem ser utilizadas na candidatura à 1.ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior. As provas de exame realizadas na 2.ª época só podem ser utilizadas na candidatura à 2.ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior.
No âmbito do Concurso Nacional, a ordenação dos candidatos é feita tendo em consideração as preferências manifestadas e por ordem decrescente da nota de candidatura, calculada utilizando as classificações finais do ensino secundário, com um peso não inferior a 50 %, das provas de ingresso, com um peso não inferior a 35 %, e dos pré-requisitos, quando exigidos, com um peso não superior a 15 %. A nota mínima de candidatura exigida pela maioria das instituições de ensino superior é de 9,5 valores, sendo, nalguns casos, superior.
No âmbito dos Concursos Institucionais (9), organizados por cada uma das instituições de ensino superior privado para preenchimento das suas vagas, cada candidato terá de se dirigir à instituição pretendida e formalizar a sua candidatura ao par curso/estabelecimento. A ordenação dos candidatos em cada par curso/estabelecimento é feita em obediência às mesmas regras fixadas para o ensino superior público.
O Concurso Nacional, válido para o ano em que se realiza, está organizado em três fases e contempla, para além do contingente geral, os contingentes especiais de vagas para candidatos oriundos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, para candidatos emigrantes portugueses e familiares que com eles residam, para candidatos que se encontrem a prestar serviço militar efetivo no regime de contrato e para candidatos portadores de deficiência física ou sensorial.
Os candidatos podem concorrer às várias fases do concurso. Aos candidatos colocados na 1.ª fase que concorram à 2.ª fase e nela sejam colocados é automaticamente anulada a colocação na 1.ª fase e, consequentemente, a matrícula e a inscrição realizadas. O procedimento é igual para os candidatos colocados nas 1.ª ou 2.ª fases que concorram à 3.ª fase e nela sejam colocados (10).
A par do regime geral descrito, existem regimes especiais (11) de acesso e ingresso no ensino superior destinados aos estudantes que reúnam condições habilitacionais e pessoais específicas, i.e., aos funcionários portugueses de missão diplomática portuguesa no estrangeiro e seus familiares que os acompanhem; aos cidadãos portugueses bolseiros ou equiparados, do governo português no estrangeiro, funcionários públicos em missão oficial no estrangeiro ou funcionários portugueses da União Europeia (UE) e seus familiares que os acompanhem; aos oficiais do quadro permanente das forças armadas portuguesas, no âmbito da satisfação de necessidades específicas de formação das forças armadas; aos estudantes nacionais dos países africanos de expressão portuguesa bolseiros do governo português, dos governos respetivos, da Fundação Calouste Gulbenkian, ao abrigo de convenções com a UE ou outros; aos funcionários estrangeiros de missão diplomática acreditada em Portugal e seus familiares aqui residentes, em regime de reciprocidade; aos praticantes desportivos de alto rendimento; e aos naturais e filhos de naturais de Timor Leste.
Por fim, existem concursos especiais (12) que regulam a candidatura ao ensino superior público e ao ensino superior privado para estudantes com condições habilitacionais específicas: exame para acesso ao ensino superior de maiores de 23 anos, cursos de especialização tecnológica, cursos técnicos superiores profissionais e outros cursos superior.
Refira-se que o Regulamento dos Regimes de Reingresso e de Mudança de Par Instituição/Curso no Ensino Superior encontra-se previsto na Portaria n.º 181-D/2015, de 19 de junho, alterada pela Portaria n.º 305/2016, de 6 de dezembro.
3 – A situação atual do acesso ao ensino superior
I – Os compromissos do Estado português
Ao longo das últimas décadas o país tem feito um grande investimento no alargamento da oferta de formação superior, designadamente aumentando o número de instituições e de cursos, quer públicos quer privados, e criando um sistema de avaliação da qualidade do ensino, assim realizando o normativo constitucional que associa autonomia e qualidade das instituições (artigo 76.º, n.º 2).
De outro lado, no plano europeu, Portugal comprometeu-se com as metas ambiciosas da Estratégia 2020 definidas pela União Europeia.
Assim, um dos objetivos dos países da União Europeia através da definição desta estratégia visa aumentar a percentagem da população com idade entre 30 e 34 anos que completou o ensino superior para, pelo menos, 40 % em 2020. Este objetivo foi definido com outras metas igualmente quantificadas, designadamente ter 75 % da população de idade compreendida entre 20 e 64 anos empregada e investir 3 % do PIB da UE em I&D.
De acordo com as estatísticas do EUROSTAT relativas a 2015, Portugal não ultrapassa ainda os 32 % da população com idade entre 30 e 34 anos que completou o ensino superior, enquanto na União Europeia (UE28) os diplomados atingiam já os 39 % do referido grupo etário.
As razões que justificam este diferencial entre Portugal e a União Europeia são diversas.
Para além de um decréscimo continuado de candidatos ao sistema de ensino superior desde 2010, devem referir-se, entre estas razões justificativas, as tendências demográficas verificadas nos últimos vinte anos. A perceção social resultante do fluxo de jovens diplomados que nos últimos anos emigraram e procuraram desenvolver as suas atividades profissionais no estrangeiro pode ter transmitido uma mensagem errada acerca das vantagens pessoais e sociais do acesso ao ensino superior.
As estatísticas apontam para que 11.6 % dos diplomados portugueses residia em 2014 no estrangeiro; portanto, mais de 27 mil diplomados na idade entre 30-34 anos reduziram o peso da população com formação superior.
Em termos estruturais, subsiste o expressivo défice de qualificações na população portuguesa (55 % dos adultos entre os 25-64 anos não completaram o ensino secundário, cerca de 45 % da força de trabalho possui poucas ou nenhumas competências digitais e apenas 26 % da população empregada tem formação superior).
Importa também assinalar que é, com alguma frequência, divulgada entre os jovens que frequentam o ensino secundário uma mensagem de falta de interesse na realização de um curso superior. Mensagem errada, desde logo porque o desemprego entre os recém-licenciados é de 26,4 %, inferior à taxa média de desemprego juvenil, de 35 %.
As remunerações são também em média superiores nos adultos habilitados com ensino superior relativamente aos adultos com ensino secundário. De acordo com o relatório Education at a Glance 2015, quanto maior for o nível de educação, maiores são as remunerações relativas.
Enquanto contributo para esta meta da Europa 2020, o Programa Nacional de Reformas de 2016 apresentado por Portugal à União Europeia estima atingir um aumento de mais 20.000 diplomados com o nível de qualificação 5 do Quadro Europeu de Qualificações (Cursos Técnicos Superiores Profissionais), compromisso que acresce ao referido anteriormente quanto à percentagem de pessoas com conclusão de um diploma de ensino superior.
II – Reforma do ensino superior e reformas educativas
O CNE observa que as reformas do sistema educativo apenas devem ser introduzidas com uma ponderação global da sua unidade e tomando em atenção os subsistemas particulares.
Nem sempre se tem observado esta preocupação.
Assim, importa tomar em consideração duas tendências, uma relativa aos processos de reforma do ensino superior, outra atinente ao ensino secundário.
No quadro do que se convencionou designar como Processo de Bolonha, foram introduzidas alterações na estrutura dos cursos de ensino superior conferentes de grau académico e criado um novo diploma de ensino superior, o de técnico superior profissional, correspondente ao ciclo curto daquele Processo.
Os Cursos Técnicos Superiores Profissionais (TeSP), modalidade de ensino superior de curta duração, foram recentemente criados (Decreto-Lei n.º 43/2014, de 18 de março). Têm uma duração normal de quatro semestres (120 ECTS) e organizam-se em três componentes: formação geral e científica, formação técnica e formação em contexto de trabalho (Decreto-Lei n.º 63/2016, de 13 de setembro). Os TeSP correspondem a um perfil profissional com um nível de qualificação 5 do Quadro Europeu de Qualificações, assumindo que o perfil destes técnicos permitirá a sua integração imediata no mercado de trabalho.
III – Reformas do ensino secundário
Estas alterações não conduziram a modificações dos princípios reguladores do regime geral de acesso fixados pelo n.º 2 do artigo 12.º da Lei de Bases do Sistema Educativo que, entre outros aspetos, estabelecem (i) A valorização do percurso educativo do candidato no ensino secundário, nas suas componentes de avaliação contínua e provas nacionais, traduzindo a relevância para o acesso ao ensino superior do sistema de certificação nacional do ensino secundário; (ii) A utilização obrigatória da classificação final do ensino secundário no processo de seriação e (iii) O caráter nacional do processo de candidatura à matrícula e inscrição nos estabelecimentos de ensino superior público, sem prejuízo da realização, em casos devidamente fundamentados, de concursos de natureza local.
De outro lado, as reformas na organização do ensino secundário podem ser caraterizadas por duas diretrizes fundamentais: a adoção do ensino obrigatório até ao 12.º ano, aumentando a escolarização do segmento dos jovens entre os 15 e os 17 anos; e a criação de cursos profissionalizantes, que integram na atualidade cerca de 45 % dos alunos do ensino secundário (DGEEC, 2016).
Contudo e apesar das discussões operadas, o processo de seleção dos estudantes para os cursos de primeiro ciclo (licenciatura e mestrado integrado) continua a utilizar como parâmetro as provas de conclusão e as classificações do ensino secundário.
A entrada no ensino superior continuou a ser predominantemente nacional, de acordo com um concurso nacional e tomando em consideração as classificações dos exames de conclusão do ensino secundário.
Ora, importa tomar em consideração a flexibilização que se observa em muitos países do mundo no que concerne à transição entre ensino secundário e ensino superior. Com designações diversas, designadamente ensino pós-secundário, ensino terciário, ou ainda formação profissional superior, verificamos que as estruturas tradicionais de ensino e de formação são hoje em dia confrontadas com novas exigências relacionadas com a diversidade de percursos dos jovens que concluem o ensino secundário e dos percursos profissionais das pessoas qualificadas, mas, em especial, com a necessidade de se dar resposta adequada às transformações económicas, sociais e culturais trazidas com o processo de globalização.
O alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos é um dos fatores mais relevantes neste processo.
O sistema educativo português, através das suas instituições de educação e de formação, tem que estar preparado para proporcionar aos portugueses respostas adequadas a situações complexas e heterogéneas.
Estes desafios colocam ao legislador a necessidade de conciliar com os princípios da igualdade e da equidade a diversidade e flexibilidade que as regras do acesso ao ensino superior devem ter de forma a responder às necessidades da sociedade, às ofertas das instituições de ensino superior e aos perfis de conclusão do ensino secundário.
4 – Objetivos e vias propostas de reforma
Traçado o contexto do regime de acesso ao ensino superior, podemos agora proceder a uma apreciação na especialidade de algumas das questões que o Relatório da Comissão colocou para debate. Especial atenção é dedicada aos aspetos que merecem do CNE algumas ponderações ou reservas.
I – Aumentar o número de estudantes do ensino superior através de novas vias de acesso ao ensino superior
A situação atual de acesso ao ensino superior, já acima descrita, permitiu identificar problemas particulares quer de estudantes que concluem o secundário mas não prosseguem estudos, quer de estudantes que abandonam prematuramente os estudos superiores. Assim, a população ativa empregada que nunca frequentou o ensino superior é um dos novos públicos que deve ser captado para o ensino superior. Outro, é o dos antigos estudantes do ensino superior que abandonaram sem concluir os estudos superiores. Do mesmo modo, também o ensino superior tem vindo a diversificar a sua oferta de cursos e formações, respondendo às solicitações da sociedade e da economia.
Verificado que uma percentagem muito elevada dos jovens que concluíram o ensino secundário profissional não prossegue os seus estudos e verificado também que os beneficiários dos apoios da Ação Social têm uma taxa de abandono mais pequena, torna-se claro que se deve incentivar os estudantes que concluíram o ensino secundário profissional a prosseguirem os estudos, se for essa a sua vocação.
Contudo, a criação de um concurso especial de acesso ao ensino superior para os diplomados dos cursos profissionalizantes (cursos profissionais e cursos de aprendizagem), não deve ser feita de tal modo que diminua a importância do concurso de acesso aos cursos técnicos superiores profissionais, recentemente instituídos. A consolidação destes cursos curtos depende também do seu reconhecimento social e académico, não apenas profissional.
Na realidade, os titulares de um diploma de técnico superior profissional podem posteriormente aceder e ingressar nos ciclos de estudos de licenciatura e integrados de mestrado. Neste sentido, a mensagem do Estado e da sociedade para os estudantes do ensino secundário, especialmente profissional, não deve ser de desvalorização social dos novos cursos superiores curtos.
De outro lado e a ser criado, o concurso especial para estudantes do ensino superior profissional não deve ser específico das instituições de ensino superior politécnico, podendo ainda equacionar-se deixar à autonomia das instituições a sua abertura e a fixação de uma quota do número total de vagas.
II – Flexibilizar o acesso ao ensino superior. Ensino artístico
Os cursos artísticos especializados correspondem a um ensino que permite valorizar aptidões e desenvolver talentos artísticos nas seguintes áreas: Artes Visuais e Audiovisuais, Dança, Música, Canto e Canto Gregoriano. Os cursos estão organizados na dupla perspetiva da inserção no mercado de trabalho e do prosseguimento de estudos.
A natureza distintiva quer dos cursos do ensino secundário quer do ensino superior pode justificar soluções igualmente diferenciadas no regime de acesso e de ingresso.
Verificado que os diplomados dos cursos artísticos especializados são obrigados a submeter-se a avaliações frequentemente alheadas dos itinerários escolares frequentados, o CNE concorda com a criação de uma via especifica de acesso ao ensino superior para os diplomados dos cursos artísticos especializados, com a ponderação da unidade e coerência do sistema de acesso ao ensino superior. Esta ponderação deve incluir tanto a situação dos alunos que descobrem novas vocações de natureza artística no final do ensino secundário como aqueles que, já admitidos ao ensino superior, pretendem mudar de área científica e de curso.
III – Flexibilizar o acesso ao ensino superior. TESP
Se se compreendem as vantagens inerentes à flexibilização do regime de acesso ao ensino superior, em função dos elementos acima referidos, a criação de um concurso nacional (ou uma componente do atual concurso nacional de acesso) para acesso aos cursos técnicos superiores profissionais (TeSP) do ensino superior politécnico público, suscita algumas reservas, resultantes das questões acima enunciadas.
Criados há pouco tempo, é necessário entender como vão evoluir, em função da procura social e da capacidade das instituições corresponderem às aspirações das pessoas e às necessidades da sociedade e da economia.
IV – A conclusão do ensino secundário e a autonomia das instituições do ensino superior
A opção das instituições de ensino superior pela utilização dos exames nacionais do ensino secundário como provas de ingresso implicou uma sobrevalorização destes. Como se observou acima, a conjugação da classificação final do ensino secundário e dos resultados nas provas de ingresso que são adotadas para acesso a determinado curso conduz a que os exames finais do secundário tenham uma ponderação na determinação da nota de ingresso sempre acima dos 45 %, podendo ser de 60 %.
Ora, se a conclusão do ensino secundário é o requisito de acesso ao ensino superior, este deve estar dissociado da fixação de classificações mínimas nos exames.
Entende-se que deve caber à autonomia das instituições do ensino superior valorizar o percurso educativo do ensino secundário. Ao fazê-lo, devem ter em conta que há candidatos que ficam em pior posição no concurso nacional de acesso do que outros, com menores classificações globais, por terem obtido uma classificação inferior em um dos exames que conta adicionalmente como prova de ingresso.
Na prática, tem-se verificado que candidatos em que uma das suas provas de exame de secundário foi inferior à classificação mínima de acesso foram ultrapassados por outros candidatos, com menores classificações globais.
De outro lado, reconhece-se que a fixação de classificações mínimas nos exames nacionais tem sido entendida como um sinal de seriedade e de confiança no próprio sistema de exames.
Contudo, entende-se que esta sobrevalorização de uma só prova, em detrimento de todo o percurso do estudante do ensino secundário, não está de acordo com o requisito essencial de acesso ao ensino superior, que é a conclusão do ensino secundário.
V – As classificações internas e externas do ensino secundário
O Relatório da Comissão observa que embora seja reduzido o número de escolas que apresentam um afastamento significativo relativamente ao comportamento médio nacional na atribuição das classificações internas, essas diferenciações são significativas, persistentes no tempo e têm padrões regionais definidos e que a limitação de entradas nalguns cursos, por força do numerus clausus, pode, em certos casos, prejudicar a concretização das opções de alguns candidatos ao ensino superior que, por décimas, se vêm ultrapassados por outros candidatos.
O CNE já teve ocasião de chamar a atenção nos relatórios Estado da Educação desde 2013 para a existência de escolas que apresentam resultados médios de classificação interna que indicam haver subvalorização ou sobrevalorização dessas classificações face às externas.
Neste sentido, justifica-se uma ponderação aprofundada acerca da introdução de procedimentos de normalização das classificações dos exames finais do ensino secundário.
É entendimento do CNE que estas ponderações devem ser especialmente tomadas em conta no momento da preparação dos exames nacionais e na condução de inspeções aos estabelecimentos de ensino secundário. Concorda-se com o objetivo de evitar variações anuais bruscas, resultantes do nível de dificuldade dos exames, através da ponderação do processo de classificação, de modo a que as referidas variações não se venham refletir nas classificações finais dos alunos. Mas este objetivo tem que ser uma preocupação primeira do Ministério da Educação.
Finalmente, não se pode deixar de alertar para a importância da transparência dos procedimentos, condição para a confiança dos estudantes e das famílias no processo de seleção.
VI – Contingentes especiais
Os regimes excecionais de acesso ao ensino superior apenas são admissíveis quando tenham justificação constitucional bastante.
Como o Relatório sublinha, perante o alargamento do sistema de apoios sociais e a convergência dos sistemas de ensino superior (após a reforma de Bolonha), pode questionar-se a pertinência da manutenção de alguns dos referidos contingentes especiais.
Na verdade, não se vê fundamento para manter regimes especiais não expressamente autorizados pela Constituição, em função dos já referidos princípios constitucionais de acesso ao ensino superior.
Já a situação das pessoas vulneráveis merece especial atenção. A concretização da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência exige medidas positivas do Estado, no sentido de criar condições, não apenas para o acesso, mas para a sua frequência em condições de efetiva igualdade no sucesso educativo, ou, nas palavras da Convenção, visando o pleno desenvolvimento do potencial humano e sentido de dignidade e autoestima e ao fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, liberdades fundamentais e diversidade humana.
VII – A questão do numerus clausus
A Constituição Portuguesa consagra, como referido, o objetivo de elevação do nível científico e cultural do país, enquanto a Lei de Bases do Sistema Educativo aponta para a eliminação progressiva de restrições quantitativas de caráter global no acesso ao ensino superior. Ao apontar para o fim dos regimes de numerus clausus, em coerência com o desígnio constitucional, deve ponderar-se se estão reunidas as condições para deixar à autonomia das instituições planear a organização dos cursos que consideram adequados à sua missão e, de outro lado, deixar aos interessados, de acordo com as suas inspirações e inclinações, a livre escolha dos cursos que pretendem frequentar.
No entanto, compreende-se que este objetivo possa ter um peso distinto consoante se esteja a referir o ensino superior público ou o ensino superior particular e cooperativo.
No caso do ensino superior público, cabe ao Estado planear o respetivo desenvolvimento, de acordo com os recursos disponíveis e no respeito pela autonomia das instituições. O conceito constitucional de necessidade do país em quadros qualificados traduz-se também na questão do financiamento público: o Estado deve ter a possibilidade de planear e decidir de que modo pretende utilizar recursos financeiros escassos (contratação de professores e de investigadores, construção ou ampliação de novas instalações, etc.), igualmente considerando, entre outras, questões como as assimetrias regionais, a coesão territorial, e a condição económica e social das famílias.
No contexto do aprofundamento da reforma do Estado, esse planeamento passa pela contratualização de objetivos com as instituições do ensino superior.
Já no caso do ensino superior particular, deve entender-se que não cabe ao Estado planear o respetivo desenvolvimento. Não apenas porque tal seria contrário ao princípio da autonomia das universidades e outras instituições do ensino superior; mas porque as dimensões dos direitos constitucionais de propriedade privada, de direção dos meios de produção, ao lado da livre e leal concorrência entre as instituições impõem uma resposta distinta. Dentro dos critérios objetivos dos recursos das instituições – bibliotecas e laboratórios, salas de aula, docentes qualificados, entre outros – deve caber às instituições propor e definir o número de estudantes que entendem admitir para os cursos que lecionam.
VIII – Incentivar a utilização do ensino e da formação a distância
Não existe, no Relatório do grupo de trabalho, referência especial acerca da situação da educação e da formação a distância.
Sem embargo disso, o Conselho Nacional de Educação considera que a matéria merece especial atenção, como forma de atrair novos estudantes para o ensino superior, de contribuir para a formação ao longo da vida e de refletir novos modelos pedagógicos adicionais ao ensino presencial.
Na verdade, é essa a situação em muitos países europeus.
Nas recomendações relativas «ao nível de digitalização dos serviços responsáveis pela adaptação das competências ao mercado de trabalho», as autoridades europeias no Relatório relativo a Portugal de 2016, aconselham, ao nível dos sistemas de educação e formação e no ensino superior, a integração de instrumentos digitais e das tecnologias de informação quer para melhorar e adaptar os métodos e os recursos pedagógicos, seja na vertente de ensino presencial, seja na vertente de ensino a distância, quer para incrementar os sistemas de gestão e partilha de informação, indispensáveis à melhoria da definição, condução e execução destas políticas públicas.
O número de pessoas em formação em instituições e cursos a distância na Europa deve ser sublinhado.
A título de exemplo, atente-se na situação do Reino de Espanha: do total de mais de um milhão e quinhentos mil estudantes do ensino superior, cerca de duzentos e vinte mil frequentavam universidades não presenciais (13).
Este é o momento adequado para planear e fazer esse investimento.
Não apenas pela qualificação dos docentes das instituições universitárias e politécnicas portuguesas e pela qualidade das instituições, mas também porque esta é uma tendência no ensino e na formação superior a que Portugal não deve ficar alheado. Aliás, os fortes investimentos em instituições científicas, designadamente na FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) e na sua unidade FCCN (Fundação para a Computação Científica Nacional), devem ser aproveitados pelo sistema de ensino.
Não cabe ao CNE, neste momento, equacionar o modelo institucional da Universidade Aberta, nem possíveis modelos formativos, designadamente o chamado e-b-learning e os cursos disponíveis na Internet (mooc); apenas sublinhar que o potencial do ensino e da formação a distância não está a ser suficientemente aproveitado e pode revelar-se uma ferramenta essencial para captar novos públicos para o ensino superior e para dinamizar novas estratégias formativas que permitam conciliar a vida profissional com a continuação dos estudos. Deste modo, para além de contribuir para uma cidadania ativa dos cidadãos, através da formação ao longo da vida, pode ainda ser um forte incentivo à presença do ensino português no mundo.
Considerando que este tipo de ensino não tem regulamentação específica, o seu correto enquadramento deve passar pela aprovação de legislação que estabeleça os requisitos de criação, funcionamento e acreditação dos respetivos cursos.
5 – Recomendações
Em síntese, formulam-se as seguintes recomendações:
1 – A eventual criação de um concurso especial de acesso ao ensino superior para os diplomados dos cursos profissionalizantes é prematura e não deve ser feita de tal modo que diminua a importância do concurso de acesso aos cursos técnicos superiores profissionais, recentemente instituídos, nem deve ser específico das instituições de ensino superior politécnico.
2 – O CNE vê como positiva a criação de uma via especifica de acesso ao ensino superior para os diplomados dos cursos artísticos especializados, com a ponderação da unidade e coerência do sistema de acesso ao ensino superior e com a revogação da norma legal que determina a realização de avaliação sumativa externa por esses diplomados que pretendam prosseguir estudos.
3 – A criação de um concurso nacional para acesso aos cursos técnicos superiores profissionais (TeSP) do ensino superior politécnico público suscita algumas reservas pelo que deve ser objeto de ponderação adicional.
4 – Sendo o requisito de acesso ao ensino superior a conclusão do ensino secundário, este deve estar dissociado da fixação de classificações mínimas nos exames. Antes, deve poder confiar-se nas instituições do ensino secundário, quanto às classificações que atribuem, e nas instituições do ensino superior, pois a estas sempre caberá formar e avaliar os estudantes que ingressam.
5 – O CNE considera que a proposta de normalização das classificações dos exames finais do ensino secundário necessita de reflexão acrescida.
6 – A utilização, no regime geral de acesso, das classificações internas do ensino secundário que apresentem desalinhamentos excessivos e persistentes necessita de verificação por parte da Inspeção-Geral da Educação e Ciência.
7 – A manutenção dos contingentes especiais do concurso nacional de acesso deve restringir-se aos casos que tenham justificação constitucional.
8 – No processo de eliminação progressiva do regime de numerus clausus para que aponta a LBSE deve atender-se, não apenas ao direito à educação dos portugueses e à autonomia científica e pedagógica das instituições de ensino superior quanto à organização dos cursos, como, entre outros fatores, à correção das assimetrias regionais e à coesão territorial do país.
9 – O CNE considera que a formação e o ensino a distância devem ser dinamizados pelas instituições de ensino superior, devendo ainda cuidar-se da regulamentação própria destas matérias.
10 – O Conselho Nacional de Educação reconhece a necessidade de melhorar o sistema de acesso ao ensino superior e considera que o Relatório sobre a avaliação do acesso ao ensino superior (diagnóstico e questões para debate), apresentado pelo grupo de trabalho para a avaliação do acesso ao ensino superior criado pelo Despacho n.º 6930/2016 MCTES, de 25 de maio, é um importante contributo nesse sentido. O Conselho manifesta a sua disponibilidade para aprofundar a reflexão e o debate na procura de consensos alargados, tomando como ponto de partida as recomendações refletidas no presente Parecer.
( 1) Importa ter presente que a CRP consagrou em títulos distintos – os Títulos II e III da Parte I – os direitos, liberdades e garantias e os direitos económicos, sociais e culturais.
(2) O direito à educação encontra-se previsto em todas as constituições portuguesas, cf. os artigos 237.º a 239.º da Constituição de 1822, 145.º da Carta Constitucional de 1826, 28.º e 29.º da Constituição de 1838, 3.º n.os 10 e 11 da Constituição de 1911 e 42.º e 43.º da Constituição de 1933.
(3) Alterada pelas Leis n.º 115/97, de 19 de setembro, n.º 49/2005, de 31 de agosto, e n.º 85/2009, de 27 de agosto
(4) Alterado pelos Decretos-Lei n.os 140/89, 33/90, 276/90 e 379/91.
(5) Alterado pelos Decretos-Lei n.º 53/93 e 318/95.
(6) Alterado pelo Decreto-Lei n.º 75/97.
(7) Republicado pelo Decreto-Lei n.º 90/2008, de 30 de maio, retificado pela Declaração de Retificação n.º 32-C/2008, de 16 de junho, incorporando as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.º 99/99, de 30 de março, n.º 26/2003, de 7 de fevereiro, n.º 76/2004, de 27 de março, n.º 158/2004, de 30 de junho, n.º 147-A/2006, de 31 de julho, n.º 40/2007, de 20 de fevereiro e n.º 45/2007, de 23 de fevereiro.
(8) Excetua-se o caso do curso de Medicina, com três provas.
(9) Cf. Decreto-Lei n.º 296-A/98 (alterado), que aprova o regime de acesso e ingresso no ensino superior, e a Portaria n.º 199-A/2016, de 20 de julho, que aprova o regulamento geral dos concursos institucionais para ingresso nos cursos ministrados em estabelecimentos de ensino superior privado para a matrícula e inscrição no ano letivo de 2016-2017
(10) Cf. Portaria n.º 199-B/2016, de 20 de julho – Aprova o Regulamento do Concurso Nacional de Acesso e Ingresso no Ensino Superior Público para a Matrícula e Inscrição no Ano Letivo de 2016-2017. Informações completas sobre a candidatura ao ensino superior podem ser consultadas na página da direção-geral do ensino superior em www.dges.pt.
(11) Cf. Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de outubro, que regula os regimes especiais de acesso e ingresso no ensino superior; Portaria n.º 854-B/99, de 4 de outubro, que aprova o regulamento dos regimes especiais de acesso ao ensino superior; Decreto n.º 1/97, de 3 de janeiro, que aprova a convenção relativa ao estatuto das escolas europeias; Decreto-Lei n.º 272/2009, de 1 de outubro, que estabelece as medidas específicas de apoio ao desenvolvimento do desporto de alto rendimento e procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de outubro
(12) Cf. Decreto-Lei n.º 113/2014, de 16 de julho, que regula os concursos especiais de acesso e ingresso no ensino superior.
(13) Para mais informações, consultar: http://www.mecd.gob.es/dms/mecd/educacion-mecd/areas-educacion/universidades/estadisticas-informes/datos-cifras/datos-y-cifras-SUE2015-16-web.pdf
20 de março de 2017. – O Presidente, José David Gomes Justino.
Declaração de Voto
Na sessão plenária do Conselho Nacional de Educação de 20 de março de 2017, abstive-me na votação do parecer sobre o acesso ao Ensino Superior, por um motivo de fundo. Considerando a situação atual de desenvolvimento do ensino secundário e os sucessivos problemas que o sistema de acesso ao ensino superior tem demonstrado, entendo que o parecer deveria ter sido mais claro e veemente na afirmação da necessidade de se fazer uma reflexão profunda sobre o sistema de acesso ao ensino superior. A mera melhoria do sistema atual é insuficiente. Este foi estabelecido quando o ensino secundário tinha como função central preparar os alunos para o ensino superior. Hoje, o ensino secundário é o nível obrigatório pelo que a diversidade de ofertas e percursos aumentou e, desejavelmente, aumentará mais. A manutenção do sistema de acesso ao superior tal como está, fundando no secundário, é limitador do secundário, pouco adequado ao ensino superior e cria incentivos perversos (ao nível da sala de aula, da escola, da administração e também ao nível político). Esta não é uma questão menor e fundamenta a minha abstenção.
Rodrigo Queiroz e Melo.»