«Aviso do Banco de Portugal n.º 4/2017
Através do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho, que transpôs parcialmente para o ordenamento jurídico nacional a Diretiva n.º 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis de habitação, o legislador veio consagrar o dever de os mutuantes avaliarem a solvabilidade dos consumidores no âmbito da concessão de crédito à habitação e de créditos com garantia hipotecária ou equivalente.
Em particular, estabelece-se no referido diploma legal que os mutuantes devem, em momento anterior à celebração do contrato de crédito e, bem assim, previamente a qualquer aumento do montante total do crédito, avaliar a capacidade e propensão do consumidor para o cumprimento do contrato de crédito. Mais se prevê que o mutuante só deve celebrar o contrato de crédito quando o resultado da avaliação de solvabilidade indicar que é provável que as obrigações do contrato de crédito sejam cumpridas nos termos contratualmente previstos.
O dever de avaliação da solvabilidade também encontra consagração no âmbito da concessão de crédito aos consumidores. Com efeito, por força do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, na redação em vigor, os mutuantes estão obrigados a avaliar a solvabilidade dos consumidores em momento anterior à celebração do contrato de crédito e, na vigência deste, se as partes decidirem aumentar o montante total do crédito.
Através do presente Aviso, o Banco de Portugal vem concretizar procedimentos e critérios a observar pelos mutuantes na avaliação da solvabilidade dos consumidores, tanto no âmbito da concessão de crédito à habitação e de créditos com garantia hipotecária ou equivalente, como de contratos de crédito aos consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, na redação em vigor.
Na definição dos procedimentos e critérios previstos no presente Aviso, o Banco de Portugal teve em consideração as Orientações sobre a avaliação da solvabilidade em contratos de crédito hipotecário que a Autoridade Bancária Europeia emitiu em agosto de 2015, no contexto da implementação da Diretiva n.º 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis de habitação.
Assim, no uso da competência que lhe é atribuída pelo disposto no n.º 1 do artigo 76.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na redação em vigor, e no n.º 7 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho, o Banco de Portugal determina:
Artigo 1.º
Objeto e âmbito
1 – O presente Aviso estabelece procedimentos e critérios a observar na avaliação da solvabilidade dos consumidores pelas entidades habilitadas a exercer, a título profissional, a atividade de concessão de crédito em Portugal.
2 – As disposições do presente Aviso são aplicáveis aos contratos de crédito regulados pelo Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho («Decreto-Lei n.º 74-A/2017»), e pelo Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 72-A/2010, de 18 de junho, 42-A/2013, de 28 de março, e 74-A/2017, de 23 de junho («Decreto-Lei n.º 133/2009»), com exceção dos seguintes:
a) Ultrapassagens de crédito, na aceção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 133/2009; e
b) Contratos de crédito destinados a prevenir ou a regularizar situações de incumprimento, designadamente através do refinanciamento ou da consolidação de outros contratos de crédito, bem como da alteração dos termos e condições de contratos de crédito já existentes.
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos do presente Aviso, entende-se por:
a) «Avaliação da solvabilidade», a avaliação da capacidade e propensão de o consumidor cumprir as obrigações decorrentes do contrato de crédito;
b) «Consumidor», a pessoa singular que atua com objetivos alheios à sua atividade comercial ou profissional nos contratos de crédito abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 74-A/2017 e no Decreto-Lei n.º 133/2009;
c) «Contrato de crédito», o contrato pelo qual uma instituição concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de mútuo, diferimento de pagamento, crédito revolving ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante, incluindo, designadamente, a locação financeira;
d) «Contrato de crédito a taxa de juro mista», o contrato de crédito em que as partes acordam um período de taxa de juro fixa, seguido de um período de taxa de juro variável;
e) «Instituição», as instituições de crédito e as sociedades financeiras com sede ou sucursal em território nacional e, relativamente aos contratos de crédito celebrados nas condições e de acordo com os limites fixados pelo Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 242/2012, de 7 de novembro, as instituições de pagamento e as instituições de moeda eletrónica com sede ou sucursal em território nacional;
f) «Montante total do crédito», o limite máximo ou total dos montantes disponibilizados pelo contrato de crédito;
g) «Obrigações decorrentes do contrato de crédito», todas as obrigações pecuniárias assumidas pelo consumidor no âmbito do contrato de crédito, incluindo o reembolso do capital e o pagamento de juros, comissões, impostos e outros encargos, incluindo o pagamento de prémios de seguro exigidos por força do contrato de crédito;
h) «Suporte duradouro», qualquer instrumento que permita ao consumidor armazenar informações que lhe sejam pessoalmente dirigidas, de modo a que, no futuro, possa ter acesso fácil às mesmas durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que permita a reprodução inalterada das informações armazenadas; e
i) «Taxa de juro variável», a taxa de juro que tem como referência um indexante, modificado automática e periodicamente, ao qual acresce o spread base ou o spread contratado.
Artigo 3.º
Deveres gerais
No cumprimento das disposições do presente Aviso, as instituições devem proceder com diligência e lealdade, promovendo a concessão de crédito responsável, tendo em consideração a situação financeira, os objetivos e as necessidades dos consumidores e a natureza, montante e características do contrato de crédito.
Artigo 4.º
Dever de avaliação da solvabilidade
1 – As instituições estão obrigadas a avaliar a solvabilidade dos consumidores:
a) Previamente à celebração de um contrato de crédito;
b) Em momento anterior a qualquer aumento do montante total do crédito que ocorra na vigência do contrato de crédito.
2 – Não se consideram abrangidas pelo disposto na alínea b) do número anterior as situações em que o aumento do montante total do crédito e as respetivas condições tenham sido inicialmente convencionados pelas partes, aquando da celebração do contrato de crédito.
3 – Compete às instituições fazer prova do cumprimento dos deveres previstos no presente Aviso.
Artigo 5.º
Elementos a ter em conta na avaliação da solvabilidade
1 – A avaliação da solvabilidade deve basear-se em informação necessária, suficiente e proporcionada sobre os rendimentos e as despesas do consumidor e sobre outras circunstâncias financeiras e económicas que lhe digam respeito.
2 – Na avaliação da solvabilidade do consumidor, a instituição deve ter em consideração, entre outros que sejam considerados relevantes, os seguintes elementos:
a) Natureza, montante e características do contrato de crédito;
b) Idade e situação profissional do consumidor;
c) Rendimentos auferidos pelo consumidor;
d) Despesas regulares do consumidor;
e) Cumprimento das obrigações assumidas pelo consumidor noutros contratos de crédito, designadamente tendo em conta a informação constante de bases de dados de responsabilidades de crédito enquadradas pela legislação em vigor e com cobertura e detalhe informativo adequados.
Artigo 6.º
Informações e documentos
1 – A instituição deve solicitar ao consumidor a prestação das informações consideradas necessárias para a avaliação da solvabilidade, bem como os documentos indispensáveis à comprovação da veracidade e atualidade dessas informações.
2 – A instituição deve advertir expressamente o consumidor de que a não prestação das informações ou a não entrega dos documentos solicitados, bem como a prestação de informações falsas ou desatualizadas tem como efeito a não concessão do crédito ou, sendo o caso, o não aumento do montante total do crédito.
3 – Quando a avaliação da solvabilidade tenha em vista o aumento do montante total do crédito, a instituição deve atualizar a informação financeira de que dispõe relativamente ao consumidor, observando o disposto no presente artigo.
4 – O disposto no presente artigo não prejudica o cumprimento das disposições legais aplicáveis em matéria de proteção de dados pessoais.
Artigo 7.º
Determinação do rendimento do consumidor
1 – A avaliação da solvabilidade deve basear-se preferencialmente nos rendimentos auferidos pelo consumidor que, pelo seu montante e periodicidade, apresentam um caráter regular, incluindo, nomeadamente, os rendimentos auferidos a título de salário, a remuneração pela prestação de serviços ou as prestações sociais.
2 – A instituição deve ter em consideração o rendimento auferido pelo consumidor, pelo menos, nos três meses anteriores ao momento em que procede à avaliação da solvabilidade, bem como a evolução que o rendimento registou nesse período.
3 – A avaliação da solvabilidade não deve basear-se na expectativa de aumento dos rendimentos auferidos pelo consumidor.
4 – Se o consumidor for trabalhador independente ou apresentar rendimentos sazonais ou irregulares, a instituição deve promover as diligências adicionais que se afigurem necessárias com vista a determinar o nível de rendimento a considerar para efeitos de avaliação da solvabilidade.
Artigo 8.º
Determinação das despesas regulares do consumidor
1 – A instituição deve considerar, no âmbito da avaliação da solvabilidade, um montante razoável e prudente para as despesas regulares do consumidor.
2 – Na determinação das despesas regulares do consumidor, a instituição deve atender a despesas de natureza pessoal e familiar, além dos encargos associados ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito em análise e das obrigações assumidas pelo consumidor noutros contratos de crédito.
3 – A avaliação da solvabilidade não deve basear-se na expectativa de redução das despesas regulares do consumidor.
Artigo 9.º
Estimativa dos rendimentos e despesas regulares do consumidor
1 – A instituição pode determinar os rendimentos e as despesas regulares do consumidor por estimativa, com base em informações que considere suficientes, sempre que esteja em causa a celebração de um contrato de crédito de montante igual ou inferior ao valor equivalente a dez vezes a remuneração mínima mensal garantida.
2 – A instituição pode recorrer à faculdade prevista no número anterior quando esteja em causa o aumento do montante total do crédito na vigência de contrato de crédito, desde que:
a) O montante total do crédito resultante do aumento seja igual ou inferior ao valor equivalente a dez vezes a remuneração mínima mensal garantida; ou
b) O montante total do crédito resultante do aumento apenas seja colocado à disposição do consumidor de forma temporária, por um período não superior a três meses.
3 – Nas situações previstas nos números anteriores, a instituição deve ainda ter em conta a informação relativa ao consumidor constante de bases de dados de responsabilidades de crédito enquadradas pela legislação em vigor e com cobertura e detalhe informativo adequados.
Artigo 10.º
Circunstâncias futuras com impacto na avaliação da solvabilidade
1 – Na avaliação da solvabilidade do consumidor, a instituição deve ter em consideração quaisquer circunstâncias futuras que, sendo previsíveis, possam ter um impacto negativo no nível de endividamento global do consumidor e na sua capacidade para cumprir as obrigações decorrentes do contrato de crédito, designadamente as previstas no presente artigo.
2 – No caso de o contrato de crédito vigorar para além do termo do contrato de trabalho ou de prestação de serviços do consumidor e nas situações em que a vinculação do consumidor ao contrato de crédito se estende para além da idade legalmente prevista para a sua reforma, a instituição deve ponderar a eventual redução futura do rendimento auferido pelo consumidor.
3 – Se o consumidor intervier noutros contratos de crédito enquanto fiador ou avalista, a instituição deve atender ao potencial aumento das despesas resultante do cumprimento, em substituição do devedor principal, dos encargos a suportar com o cumprimento dos contratos de crédito em causa.
4 – Sempre que estejam em causa contratos de crédito a taxa de juro variável ou a taxa de juro mista, a instituição deve avaliar o impacto de um aumento do indexante aplicável, nos termos a definir por instrução do Banco de Portugal.
5 – Nos casos em que o contrato de crédito preveja um período de carência no pagamento de juros ou de capital, a instituição deve considerar a capacidade do consumidor para cumprir as obrigações decorrentes do contrato de crédito após o termo do período de carência.
6 – Caso o contrato de crédito preveja o diferimento do pagamento de parte do capital mutuado, a instituição deve ponderar, com base nos elementos disponíveis, a capacidade do consumidor para pagar, no termo do contrato, o montante cujo pagamento foi diferido.
Artigo 11.º
Resultado da avaliação da solvabilidade
1 – A instituição só deve celebrar o contrato de crédito ou aumentar o montante total do crédito quando verifique, em resultado da avaliação da solvabilidade desenvolvida, que é provável que o consumidor cumpra as obrigações decorrentes do contrato de crédito.
2 – A instituição deve informar o consumidor, sem demora injustificada, da decisão de não celebrar o contrato de crédito ou, sendo o caso, de não aumentar o montante total do crédito.
3 – Nos casos em que a decisão de não celebrar o contrato de crédito ou de não aumentar o montante total do crédito tem fundamento em elementos constantes de bases de dados de responsabilidades de crédito, a instituição deve ainda observar os deveres de informação legalmente previstos.
Artigo 12.º
Processos individuais
1 – As instituições devem criar, em suporte duradouro, processos individuais para os consumidores cuja solvabilidade foi avaliada.
2 – Sem prejuízo dos requisitos legalmente previstos, os processos individuais devem conter toda a informação relevante para efeitos da avaliação da solvabilidade do consumidor e incluir uma descrição dos critérios utilizados, os elementos e documentos considerados e a respetiva conclusão.
3 – As instituições devem conservar os processos individuais durante a vigência do contrato de crédito e nos cinco anos subsequentes.
Artigo 13.º
Procedimentos internos
1 – As instituições estão obrigadas a elaborar e a implementar procedimentos internos para a avaliação da solvabilidade dos consumidores que assegurem o cumprimento das disposições legais aplicáveis, bem como o disposto no presente Aviso.
2 – Os procedimentos internos devem, nomeadamente, especificar:
a) As informações e os documentos a solicitar aos consumidores;
b) O método e os critérios utilizados na avaliação da solvabilidade dos consumidores;
c) As unidades de estrutura com responsabilidades no processo de avaliação da solvabilidade dos consumidores, descrevendo as respetivas competências;
d) Os procedimentos a adotar pelos trabalhadores envolvidos no processo de concessão de crédito no âmbito da avaliação da solvabilidade dos consumidores.
3 – As instituições devem atualizar os seus procedimentos internos sempre que tal se revele necessário.
4 – As instituições devem assegurar a divulgação dos procedimentos internos junto dos trabalhadores envolvidos no processo de concessão de crédito, em moldes que permitam a sua consulta imediata e permanente.
Artigo 14.º
Entrada em vigor
O presente Aviso entra em vigor:
a) Em 1 de janeiro de 2018, relativamente aos contratos de crédito abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 74-A/2017;
b) Em 1 de julho de 2018, relativamente aos contratos de crédito abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009.
20 de setembro de 2017. – O Governador, Carlos da Silva Costa.»