O Zika é um vírus da família Flaviviridae que é transmitido aos seres humanos pela picada de mosquitos infetados. Os principais vetores são do género Aedes. Em Portugal, o Instituto Ricardo Jorge, através do seu Centro de Estudos de Vetores e Doenças Infeciosas (CEVDI), em Águas de Moura, é o laboratório responsável pelo diagnóstico do vírus Zika.
O Instituto faz o diagnóstico laboratorial desta doença através da deteção de RNA viral em amostras biológicas de doentes na fase aguda da doença e da deteção de anticorpos no soro. Para conhecer um pouco melhor o que é este vírus e algum do trabalho desenvolvido pelo CEVDI, conversámos com Maria João Alves, investigadora do Instituto Ricardo Jorge e uma das principais especialistas na área dos vírus hemorrágicos.
O que é o vírus Zika e como é que este se transmite?
O vírus Zika é um vírus do género Flavivírus (outros flavivírus são o vírus West Nile, Dengue, Febre amarela) descoberto em 1947 num macaco, sentinela para a febre amarela, que estava febril, na floresta de Zika no Uganda. Este vírus é transmitido por mosquitos do género Aedes, sobretudo Aedes aegypti. Um investigador norte-americano descreveu um caso de transmissão por via sexual em 2011 e em 2014 foi descrita a possibilidade de uma transmissão perinatal.
O vírus Zika não provoca sintomatologia em cerca de 80% das pessoas que infeta. Quando existe sintomatologia, esta ocorre entre 3 a 12 dias depois da picada do mosquito e é ligeira, auto-limitada, com febre, cefaleia, mal-estar, anorexia e exantema maculo-papular (erupção cutânea) e dura entre 2 a 7 dias.
Até 2007, foram conhecidas unicamente 14 casos clínicos de infeção por vírus Zika em África e no Sudeste Asiático. Em 2007 ocorreu, pela primeira vez fora de África e Ásia, um surto com 185 casos na Micronésia, seguido de outro na Polinésia Francesa em 2013-2014, com 8700 casos, e Nova Caledónia, com 1365 casos. Depois, em 2014, surgem casos na Ilha de Páscoa (Chile) e, em 2015, no Brasil.
Como é que se faz o diagnóstico desta doença e qual o seu tratamento?
O diagnóstico laboratorial de Zika é realizado no Instituto Ricardo Jorge desde 2007. O laboratório tem instaladas capacidades de diagnóstico molecular, que permite identificar o vírus na fase em que está em circulação no sangue (3 a 5 dias depois do início dos sintomas) ou na urina (3 a 10 dias depois do início dos sintomas), e diagnóstico imunológico que permite identificar anticorpos após a exposição. Não há tratamento específico para as infeções por vírus Zika, a não ser os sintomáticos como analgésicos, anti-piréticos e anti-histamínicos.
Que recomendações devem ser dadas à população?
Os cidadãos que viajem para zonas endémicas devem adotar sobretudo medidas preventivas para evitar a picada do mosquito, usando roupas que cobram maior parte do corpo, repelentes e redes mosquiteiras, entre outras.
O que se sabe da relação entre o vírus Zika e as alterações fetais, em particular microcefalias?
A relação entre o vírus Zika e as microcefalias foi descrita apenas no Brasil, que viu o número de casos de microcefalia aumentar drasticamente no último ano. Ainda não há uma prova conclusiva desta relação, mas há uma coincidência temporal muito grande entre a ocorrência de casos de Zika e microcefalias. As mães durante a gravidez podem ter sido infetadas pelo vírus e mesmo sem sintomatologia na mãe, este pode ter afetado o desenvolvimento do feto.
No surto que ocorreu na Polinésia Francesa já tinham sido descritos em 1% dos casos, pela primeira vez, sintomatologia neurológica. Nessa altura os investigadores relacionaram a sintomatologia neurológica com a quase simultaneadade de um surto de dengue na mesma região.
Portugal tem desde há vários anos uma rede de vigilância de vetores. De que forma é que esta têm contribuído para o contribuído para o conhecimento epidemiológico das espécies de vetores presentes no nosso país?
Portugal tem desde 2008 uma Rede de Vigilância de Vetores (REVIVE) cujos participantes são as Administrações Regionais de Saúde, a Direção-Geral da Saúde e o Instituto Ricardo Jorge. Nesta rede é feita a vigilância sistemática de mosquitos. Os objetivos da REVIVE são identificar a diversidade e abundância de mosquitos, se são vetores de doença, quer dizer se estão ou não infetados com vírus, e detetar atempadamente a introdução de espécies exóticas e invasoras de maneira a que seja possível para as autoridades de nacionais reagirem atempadamente com medidas de controlo adequadas.
Uma das espécies exóticas/invasoras é exatamente a espécie, já identificada na ilha da Madeira, Aedes aegypti, que transmite Dengue, Chikungunya e Zika. Outra espécie é Aedes albopictus que já está presente na maior parte da Europa mediterrânica e que, apesar de menos eficaz, também pode transmitir dengue e chikungunya. Estas duas espécies não foram identificadas em Portugal continental, quer dizer que, por enquanto, não pode haver casos autóctones destas patologias.
Qual tem sido a contribuição do Instituto Ricardo Jorge em termos internacionais?
O Instituto Ricardo Jorge, enquanto autoridade competente na vigilância epidemiológica, formação e divulgação de conhecimento, tem contribuído, através do Departamento de Doenças Infeciosas e do CEVDI, para o estudo deste e de outros vírus transmitido por vetores através de redes internacionais de laboratórios.
A Rede Europeia para o Diagnóstico de Doenças Virais Importadas (European Network for Diagnostics of Imported viral Diseases – ENIVD) identificou, na Europa, 20 laboratórios, de 13 países, com capacidade para diagnosticar vírus Zika. O CEVDI do Instituto Ricardo Jorge contribuiu com material de referência que foi distribuído por todos esses laboratórios europeus.
Por outro lado, no âmbito da rede ibérico-americana (ViroRed), o CEVDI também distribuiu materiais de referência para apoio ao diagnóstico de Zika em países da América latina, assim como na organização de estágios para investigadores do Brasil, Venezuela e Panamá. O mais recente ocorreu no CEVDI em Novembro passado para treino em diagnóstico de Zika.
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